Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“É necessário dizer que a política não é um luxo de alguns, mas um direito e um dever de todos. Para agir politicamente, não basta querer fazê-lo; é necessário saber fazê-lo. Para saber fazê-lo, há que respeitar os princípios que ensinam a discernir, há que ter capacidade de diálogo e sentido ético da vida.” Pe. Manuel Maria Madureira da Silva
I. Educação
É um autêntico desconcerto e desconforto espiritual e uma gritante ofensa aos obreiros e fiscais da gramática da língua portuguesa ouvir alguns deputados – melhor seria chamá-los de “amputados”, parafraseando o humorista nacional Chaguatica N´zero. Uma leitura péssima, mediocridade nos discursos e uma intervenção desastrosa, a maioria dos deputados da presente legislatura é a mais sonante vergonha da incompetência académica.
É possível que seja um problema de higiene linguística que flagela a qualidade democrática no “mapa do povo”, como também, e principalmente, os ouvidos dos telespectadores. Travo comigo uma guerra entre desligar ou não, ou ainda mudar de canal quando a “escolinha de barulho” entra em acção, dada a facilidade e elevação com que se atropela a língua de Camões.
O que também devia ser a “casa magna” do povo é uma orquestra de desafinados que nem sequer se dão ao luxo de preparar os discursos, antes de poluírem o ar com tanta asneira que dizem. Não sei se o problema é do berço escolar, falo aqui da má formação académica ou falta dela; o salteamento de etapas académicas que faz com que algumas pessoas, em idade adulta e no poleiro da vida profissional, reimprimam o seu passado inglorioso; ou talvez porque essas pessoas nunca tenham falado português e a Assembleia da República é para elas a primeira escola do bê-á-bá em matéria da língua portuguesa. Aquilo que ouço deles nem é “português moçambicano”, é qualquer outra coisa que eles, deputados, estão a construir, sendo por isso que nunca se entendem.
É urgente a contratação de um professor de português para despoluir a “casa do povo” e evitar erros de palmatórias como “indivídios” versus indivíduos, “houveram” x houve, “convintes” x convite, “muinto” x muito, “enconomia” x economia, “sêfosse” x se fosse, “patência” x patente, “prepectivas” x perspectiva, “porcentos” x “porcento”, “quilos” x quilo, “códico” x código.
Afora isso, o uso recorrente de má pronúncia em palavras como “Joanquim”, “Fer r rei ra” “Per r rei ra” , “car r ro” , “empreeendedorismo”, “carrreira”, etc. Já agora, importa fazer uma outra correcção, pois o termo “despoletar” não significa descobrir e nem vir à tona, mas sim “travar”, “impedir”, “tornar inactivo…”.
Estes são alguns de muitos erros cíclicos com que os deputados nos brindam nas suas intervenções. Paradoxalmente, muitos deles possuem formação superior de licenciados, mestres e Professores Doutores.
II. Qualidade dos debates
Sim, o parlamento não é uma sinagoga, onde se constrói e fortifica o dogmatismo religioso. Deve ser uma assembleia eleita verdadeiramente pelo povo, para resolver os problemas do país. O então deputado comunista Bernardino Soares, actualmente autarca de Loures, chama o parlamento de “mapa de povo”. Eu acrescentaria é “o mapa e a geografia do povo”. Neste aspecto de representação étnica, Moçambique é uma referência mundial. Porém, a qualidade de um parlamento não se faz por raças, pigmentação da cor, etnia, confissão religiosa, mas sim pela qualidade de debate como resultado das preocupações, anseios e apetites do povo. Neste ponto, creio que somos expoentes máximos da vergonha.
Como se fosse uma agenda de trabalho, raramente os debates parlamentares terminam sem o desferimento de golpes verbais na honra alheia. E o que mais me entristece são os aplausos que as bancadas fazem em cada descarregamento dos insultos. Comemora-se a desonra em apoteose como se tivesse descoberto a cura para a falha de memórias que muitos deles têm tido no acto de votação. Não se conhece, na gesta do parlamento, caso de um deputado que tenha votado contra ou a favor da decisão da sua bancada (Chaguatiza diria pancada). O abuso é generalizado, nem as mulheres – que ninguém devia machucar – escapam à malcriadez de alguns representantes (?) do povo.
Trazem ao plenário assuntos irrelevantes para alimentar o boato, a fofoca e a intriga. O populismo e a gabarolice com vaidade à mistura encarnaram no espírito do deputado que antes apresentava uma conduta moral igual ao do mais humilde monge do mosteiro. No acto de desespero agitam as cinzas para ver de onde sai o fogo, para ganhar simpatia e falso heroísmo popular. No imaginário de um sono não reparador, apresenta uma extensa lista de acusações sentenciando com pedido de prisão de antigos governantes do Estado.
Termino como comecei, citando o padre Manuel Maria Madureira da Silva “Em cada dia que passa, aumentam os queixumes porque nos sentimos defraudados. Parece-nos existir um enorme vazio nas políticas que nos haveriam de assegurar a cidadania e nos políticos que foram eleitos para exercer essa missão. Serão os programas políticos desajustados ou serão incompetentes alguns políticos que, apesar de bem pagos, não investem o seu suor por lhes faltarem conhecimentos adequados ou terem como único programa a disciplina partidária? Fim de citação.
P.S.: Está de parabéns a Universidade Pedagógica, mais concretamente o de Ciências Filosóficas, pela organização da Primeira Conferência Internacional de Filosofia dos Países Africanos Falantes da Língua Portuguesa que decorreu em Maputo, nos dias 2 e 3 de Julho de 2015 sob o lema “Por uma Filosofia da Cultura da Paz”. Bem-haja a comissão organizadora do evento, especialmente ao amigo Mário Alberto Viegas, e que a felicidade lhe sorria a cada dia que nasce.
WAMPHULA FAX – 06.07.2015