Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Repetem-se as cimeiras, mas pouco ou nada se altera.
A gesta independentista está sendo desvirtuada e conspurcada por elites políticas operando a toda a velocidade.
Longe e esquecidos estão aqueles dias em que se exaltava uma cultura política perseguindo objectivos nobres de salvação de pátrias e libertação de povos do jugo de um colonialismo cruel.
O panorama actual é simplesmente dantesco e aterrador. Famílias presidenciais são virtualmente as proprietárias de países inteiros, sob o olhar complacente de toda uma sociedade e parceiros internacionais.
A União Africana afirma-se cada vez mais como um clube de amigos reunindo-se periodicamente para renovar alianças de protecção mútua. A União Europeia, enquanto parceira, apresenta-se cada vez mais inclinada para a diplomacia económica, abandonada que foi aquela advocacia de uma democracia política respeitadora de direitos humanos.
África tornou-se efectivamente independente, mas a sua libertação política e económica permanece um projecto sem prazo de conclusão.
Os relatos que por vezes surgem na imprensa representam duros golpes para as aspirações e direitos dos povos.
Não é num país nem em poucos, mas em quase todo o continente se agudiza a situação de apropriação e açambarcamento das possibilidades e potencialidades nacionais por um grupo restrito de cidadãos pertencentes a famílias de presidentes e seus próximos.
Angola, Guiné-Conacri, Moçambique, Líbia dos tempos de Kadhafi, Egipto de Hosni Mubarak, só para citar alguns são países onde as regras de jogo são a favor do presidente e da sua “entourage”.
Os filhos tornam-se conselheiros, ministros e presidentes de fundos soberanos. Não há negócio que se possa fazer sem passar pelo palácio presidencial.
Contratos de mineração, instalação de fábricas ou de refinarias de petróleo, bancos e seguradoras, empresas de segurança privada, “procurement” militar e farmacêutico, tudo passa cirurgicamente pelas mãos dos guardiões dos interesses da “primeira família” do país.
Metemos a União Europeia no caldeirão africano porque é de países daquela organização que saem directivas importantes de cooperação com África e pelo seu peso como fonte das antigas potências colonizadoras.
Na verdade, em alguns países, especialmente os francófonos, parece que os dias da Independência ainda não chegaram, tal é o peso das ligações entre Paris e as capitais africanas.
Ventos libertadores resumiram-se, passados alguns anos, a ventos secos avassaladores trazendo regimes repressivos repletos de demagogia.
De maneira inexplicável e inaceitável, viu-se uma elite de rapina congregada nos palácios presidenciais tomando para seu controle “dossiers” completos de potencialidades económicas.
A Europa, que durante algum tempo incentivou uma cooperação económica e assistência extremamente ligada aos direitos humanos, acordou para uma realidade diferente dos tempos em que tal política ou elemento de política externa foi formulado e implementado.
Os regimes africanos, carentes de meios financeiros para suportarem as suas políticas e sobretudo garantirem a sua manutenção no poder, esqueceram-se dos que exigiam eleições regulares multipartidárias e respeito dos direitos humanos básicos como critério de eleição para a recepção de mais créditos.
O amigo amarelo, China, surgiu e emergiu como aliado de primeiro plano para muitos países africanos. Armas, créditos para construção de infra-estruturas, mas sobretudo dinheiro fácil e à discrição de governantes têm fluido de maneira aberta e secreta para África.
Isto provocou um “game-change”, e o Ocidente viu-se na continência de perder espaços e interesses estratégicos.
A opção rapidamente executada foi esquecerem-se dos direitos políticos e humanos e engajarem-se numa diplomacia económica que ignora aspectos gritantes de abusos dos direitos humanos e políticos de milhões de pessoas. Luanda prende, assassina e reprime manifestantes e opositores de consciência sem que Londres, Washington ou Lisboa “levantem uma palha”. Luanda comprou Lisboa e Portugal com investimentos de vulto em vários sectores da economia portuguesa. De Luanda flui petróleo que contrabalança a posição antes estratégica do Médio Oriente.
As lideranças africanas, vivendo num mundo anacrónico, rodeado de incertezas quanto à sua sobrevivência, investem no aparato militar e policial e não hesitam em lançar estas forcas contra os seus concidadãos.
É neste quadro que importa começar a questionar dualidade e duplicidades dos nossos parceiros e dos nossos governantes. É aqui que se coloca necessidade de uma maior intervenção dos africanos na defesa dos seus direitos inalienáveis, rompendo com esquemas proteccionistas e de branqueamento da verdade.
Os que dizem que se batem pela soberania continental e de cada país individual são efectivamente aqueles que torcem o nó que amarra os povos a condições abjectas de vida.
A relutância em abrir os países a sistema eleitorais credíveis, longe de manobras fraudulentas, são marcas registadas das novas ditaduras africanas, que, num processo bem elaborado e tecnologicamente sustentado, “arrancam” vitórias eleitorais e prolongam mandatos presidenciais violando leis e Constituições.
África e os africanos clamam por socorro para que as ondas de emigrantes parem de morrer no Mediterrâneo.
Iniciativas como o NEPAD tornaram-se em “elefantes brancos” num continente em que não faltam recursos naturais para gerar receitas que poderiam ser utilizadas para a implementação de tal iniciativa.
África, na verdade, tornou-se e continua a chacota do mundo, em que todos vêm para debicar o bolo e deixar o lixo connosco.
As oligarquias africanas não serão removidas sem uma luta inteligente, coordenada e persistente dos cidadãos.
Tudo deve ser feito para parar com este estado lastimoso de coisas.
Honrar os verdadeiros libertadores do continente é a tarefa mais urgente de todos nós, e isso faz-se com trabalho e denúncia permanente de práticas desviantes. A rapina dos recursos naturais africanos não pode continuar impune só porque é feita ao abrigo de esquemas autorizados ao mais alto nível.
Nenhum mandato presidencial prescreve direitos de rapina ao titular do cargo.
Não são os parceiros os culpados de nossa situação. Eles só se aproveitam de nossa hospitalidade e da apetência de nossos governantes pelo enriquecimento rápido. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 08.07.2015