Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
“Levam o porco e dão chouriço de troca”
Juntando o que se diz e o que não se faz, parece ser o lema em voga entre os “detentores do poder” em Moçambique.
Moçambique vive uma áurea de incertezas muito por culpa do que se diz, mas não se faz. De uma maneira imperceptível, pode-se constatar que posições e procedimentos de “ilustres” cidadãos contribuem para o actual estado de coisas.
Se há indecisões e hesitações na esfera política, deve ser dito que “pessoas proeminentes” têm culpas no cartório, pois, na defesa de “status”, têm-se mantido no silêncio, quando importa ver todos os assuntos e problemas abordados sem tabus.
Se houve e há quem defenda que o poder nas mãos do partido Frelimo é um imperativo, isso manifesta-se no posicionamento que é dado a ver todos os dias.
De assuntos sensíveis mas importantes para a normalização da vida no país, os nossos “ilustres” recusam-se a tocar e falar.
Um país não se constrói com tabus e com “zonas proibidas”. É caricato que um ministro acuse de antipatriota quem quer e exige transparência nos negócios públicos. O ilusionismo ou magia política sustentados por mediatização e repetição de “slogans” do passado têm efeitos contraproducentes e dúbios.
Quando sectores informados da sociedade entram no jogo dos detentores do poder, pela manutenção pura e simples de tal poder, só há que lamentar, pois aquela liderança e influência tão necessários para alavancar as transformações socioeconómicas e sociopolíticas deixam de acontecer.
A febre ou avalanche de constituição e criação de fundações filantrópicas satisfazem o ego, mas se não for acompanhada de firmeza ética e deontológica, resulta em esterilidade interventiva. É preciso ver as revelações de problemas graves de gestão, por exemplo na “rainha” das fundações filantrópicas moçambicanas, FDC de Graça Machel, como uma crise existencial.
Mas as fundações foram-se misturando com a política e foram objectivamente apoiando o partido no poder. E isso não só desvirtua a razão de existência de tais organismos como mancha os seus mentores.
Procurou-se pintar um belo quadro de organizações que afinal eram uma cópia muito imperfeita de suas congéneres estrangeiras. De ong’s internacionais passou-se para ong’s nacionais suportadas pelas primeiras.
De fundações filantrópicas internacionais transitou-se para as nacionais numa cópia insustentável.
Quando os patronos de fundações convivem com a fraude política há mais do que razão para questionar sua existência. Sejamos objectivos e tenhamos a honestidade de dizer a verdade: a quem foi que Graça Machel, Joaquim Chissano e Dinis Sengulane apoiaram nas últimas eleições? Têm, sim, direito de tendência e de pertencer a partidos políticos, mas, quando se assumem patronos e mentores de fundações filantrópicas, deve deveriam proceder de maneira equidistante em relação à política no activo. Como se posicionam essa figuras de relevo na sociedade moçambicana face à questão do emaranhado fraudulento que foram as eleições de Outubro de 2014?
Se não se vislumbra uma posição inequívoca de compromisso e cometimento com a democracia por parte dos que deveriam ser os guardiões dos interesses nacionais qual é o produto final?
É preciso que se entenda que um país perdendo vertiginosamente as suas reservas morais e políticas está condenado ao fracasso.
Os “deficits” de debate e arrastamento de discussões no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” têm ou são duas faces da mesma moeda.
Há uma relutância firme de abrir portas a um país diferente, em todos estejam incluídos e gozando dos seus direitos, cumprindo os seus deveres e obrigações.
Há como que um pacote de instruções emanadas de conclaves secretos determinando que quem não cumpre está excomungando e já não pode sentar-se à mesa do poder.
Quando a mediocridade e o seguidismo reinam na esfera pública e quando sectores da sociedade civil se comportam de maneira promíscua e tendenciosa, fica tudo mais complicado.
Um poder conquistado e mantido através de manobras fraudulentas não constitui fundação ou alicerce para uma sociedade normal, dinâmica, crítica e rejuvenescida.
Os diagnósticos que são anunciados demonstram que, de maneira paulatina, o nosso país está sofrendo de uma doença que se chama “consumite”. Moçambique tem altos índices de fraude académica, e isso repercute-se na sociedade em geral. Os milhares de jovens e mulheres que foram recrutados para trabalhar nas mesas de voto têm a sua cota parte de culpa pela instabilidade que se vive hoje.
A troco de algum dinheiro, eles e muitos professores do ensino primário, secundário e superior aceitaram servir de veículos por onde a fraude e as falcatruas voaram alto.
Uma relação umbilical entre fraude académica e fraude político-eleitoral tem como consequência imediata a instabilidade política, pois é ilusório que toda uma sociedade vai continuar aceitando ser defraudada.
Não haja ilusões quanto a desfechos impostos, pois estes não constroem concórdia nacional.
Pretender que se pode viver democraticamente através da ilegitimidade é, em si, uma incongruência.
De nada vale que alguém se vanglorie de vencedor quando não há elementos que o atestem. A crise política que se vive é facto real e concreto. Há milhões de moçambicanos que se negam resolutamente a alinhar pela continuação de uma normalidade anormal.
Quem incentiva o PR a endurecer o seu discurso, no lugar de encontrar caminhos que constituam uma saída airosa desta crise, é mau conselheiro. Este “dejá vu” é insustentável e perigoso para a paz e estabilidade nacional.
Já não é sem tempo que se tem de travar a espiral armamentista e o suposto secretismo que deve rodear os assuntos de segurança nacional.
Não se fortalece a capacidade nacional de defesa com aquisições de aviões de segunda mão nem com a recepção, sob forma de donativos, de equipamentos em segunda mão, de países como o Brasil ou Portugal. Está claro que estes países pretendem ver as suas corporações acedendo aos nossos recursos naturais de forma pouco transparente num negócio altamente vantajoso para eles em nosso detrimento.
Quando a França avança com um perdão da dívida a Moçambique, isso parece suspeito, depois de estar envolvida num negócio que preocupa os moçambicanos.
Então os milhões da EMATUM que saíram por via da construção de embarcações pesqueiras por um estaleiro francês estão a ser aliviados através de uma diplomacia económica conspurcada? Leva-se o “porco e dá-se em troca chouriço”?
E François Hollande até parece esquecido de que um cidadão franco-moçambicano, Gilles Cistac, foi assassinado, alegadamente porque defendia um “status” diferente. Há os que dirão que o Governo francês está sendo realista e que Cavaco Silva agiu no interesse de Portugal quando reconheceu FJN antes da homologação pelo Conselho Constitucional. Lula da Silva também teria, nessa ordem de ideias, agido em defesa dos interesses brasileiros quando apadrinhou negócios de empreiteiras e mineiras brasileiras em Moçambique. Realisticamente falando, assiste-se a uma neocolonização apadrinhada por esquerdas e direitas escleróticas.
E o vergonhoso é que as nossas “figuras de proa” avançam e aplaudem tudo isso a troco de favores financeiros para as suas contas bancárias e as suas fundações filantrópicas.
A batalha pela independência foi uma epopeia de que os moçambicanos se orgulham, mas importa que os “libertadores” entendam de uma vez por todas que o povo moçambicano se distancia e condena o clientelismo que foi montado e está sendo adubado por eles e seus parceiros internacionais.
Os moçambicanos não querem nem desejam que os recursos naturais existentes em Moçambique sejam a causa de mais uma guerra fratricida.
Nenhuma política de avestruz terá sucesso em Moçambique, pois este povo destemido já aprendeu com a sua história recente. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 27.07.2015