O «Moçambique para Todos» por várias vezes referiu-se ao caso do zambeziano, Pedro Câmara, que na década de 70 desertou das fileiras do exército colonial para se juntar à luta pela independência nacional. Foram diversas as fontes a que o «Moçambique para Todos» fez referência, nomeadamente:
- O livro de memórias de Raimundo Pachinuapa
- O depoimento de um antigo comandante da Frelimo, Zeca Caliate, autor do livro «Odisseia de um Guerrilheiro»
- Uma reportagem do jornal tanzaniano, «Daily News», edição de 22 de Outubro de 1972
- O livro de memórias de Sérgio Vieira, «Participei, por isso testemunho»
Mas agora, o «Moçambique para Todos» encontrou na Torre do Tombo (Arquivo Histórico português) em Lisboa um documento da Direcção Geral de Segurança, (ex-PIDE), com a data de 18 Abril de 1973, documento esse que dá conta da forma como Pedro Câmara, e dois outros antigos desertores das Forças Armadas Portuguesas, foram executados por estrangulamento na Província de Cabo Delgado, por ordens da direcção da Frelimo.
Um estudo do académico americano, Harry West, publicado há uns anos em Lisboa com o título «Kupilikula: o Poder e o Invisível em Mueda, Moçambique»,, aponta a Base Moçambique na Província de Cabo Delgado, como sendo o local de execuções sumárias, da justiça popular, dos encontros com a morte. Harry West diz na sua obra que a Base Moçambique estava dividida em 4 quatro bases, nomeadamente Moçambique A (ou base de artilharia), Moçambique B (base de defesa antiaérea), Moçambique C (base de produção agrícola e pecuária), e Moçambique D (base de segurança interna).
Moçambique D tinha como comandante Salésio Teodoro Nalyambipano, chefe provincial do Departamento de Segurança da Frelimo em Cabo Delgado. Lagos Lidimo era o adjunto de Salésio Nalyambipano.
Depois da independência de Moçambique, o campo de reeducação de Ruarwa funcionou na antiga sub-base designada de Moçambique D. Mais tarde, Nalyambipano foi nomeado vice-ministro da segurança (SNASP), e Lagos Lidimo passaria a chefe da Contra-Inteligência Militar (CIM). Pelo campo de reeducação de Ruarwa passaram proeminentes figuras como o antigo vice-presidente da Udenamo, Fanuel Mahluza, e o ex-seminarista católico, Artur Janeiro da Fonseca, para além do Reverendo Daniel Sithole.
A Versão de Pachinuapa
Numa resenha do livro de Raimundo Pachinuapa («II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias». Maputo 2009), o «Canal de Moçambique» cita o autor como tendo descrito Pedro Câmara como “agente da PIDE” e que viria a ser “sumariamente executado pela FRELIMO”. Aquele semanário refere que “Pedro Câmara, natural da Zambézia, viria a ser ‘detectado’ pela FRELIMO graças a Jorge Jardim.” Acrescenta o semanário que no livro, «Moçambique Terra Queimada», Jardim revela que ao encontrar-se com Marcelino dos Santos em Paris, perguntou ao antigo vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique se sabia do paradeiro de Pedro Câmara pois em Quelimane os pais estavam apoquentados pela falta de notícias do filho. Do encontro de Paris, deu Marcelino dos Santos pormenores à direcção do movimento em Dar es Salam, a qual passou a tomar Pedro Câmara como ‘agente’ e ‘infiltrado’”, diz o «Canal de Moçambique».
A Versão de Zeca Caliate
Em entrevista ao «Canal de Moçambique» edição de 24 de Setembro de 2014, o antigo comandante da Frelimo, Zeca Caliate, disse que “o furriel Pedro Câmara natural da Zambézia, o socorrista Boaventura natural de Manica e Sofala e o soldado Daniel natural de Tete pertenciam aos GEP. Tudo está esclarecido no meu livro, fui testemunha desse episódio, pois isso reforçou a minha revolta contra os dirigentes da FRELIMO, porque não foram apresentadas provas se sim ou não o Pedro Câmara era um agente infiltrado. Eu sabia que na FRELIMO havia uma política de clemência para alguns como o caso do Cara Alegre Tembe que beneficiou dessa política e por ser do Sul”.
A Versão de Sérgio Vieira
Tal como Raimundo Pachinuapa, o autor de «Participei, por isso testemunho» não fornece aos leitores pormenores sobre a sorte que coube ao cidadão moçambicano, natural da Zambézia, Pedro Câmara. No livro, Sérgio Vieira tenta apresentar Pedro Câmara como um infiltrado. Apressadamente – tal como foi sempre a sua postura em casos de segurança, como se viu no rapto de cidadãos portugueses a trabalhar na Tanzânia em 1984, acção esta orquestrada pelo próprio na base de um relatório do jornalista Mário Ferro arvorado em James Bond – Sérgio Vieira relacionou Pedro Câmara com a morte de Amílcar Cabral. O fundamento? O simples facto do comandante dos GE, Costa Campos, ter antes cumprido uma comissão na Guiné Bissau. E sem dados nem provas, decidiu – novamente apressadamente – que Spínola estava por detrás do assassinato do líder do PAIGC, quando na realidade se tratou de um disputa étnica: Guiné Bissau para os guinéus; Cabo Verde para os cabo-verdianos. O facto de terem passado a existir dois países depois do «25 de Abril» – Guiné Bissau e Cabo Verde – é disso prova.
Embora não forneça aos leitores o fim que a Segurança da Frelimo ditou em relação a Pedro Câmara, a prosa de Sérgio Vieira não deixa margem de dúvidas sobre a sorte do zambeziano que acreditou na Frente de Libertação de Moçambique; uma mesma sorte que coube a Filipe Magaia, a Silvério Nungu e a tantos outros – a mesma sorte e o mesmo calvário: o antro de terror que era Moçambique D e que na versão Ruarwa até causava indigestão a Samora Machel que alegava sentir palha no estômago com o que se passava nesse reduto do DS/SNASP.
Assim explica Sérgio Vieira – «Apareceu-nos um elemento, Pedro Câmara, um moçambicano misto da Zambézia, se bem me recordo, que se apresentara como desertor, em Tete, trazendo um morteiro 82mm, sem precursor, algo que a todos de imediato estranhou. Se viesse sem prato, bem compreendia-se, mas com a agulha do precursor retirada, muito estranho...
Trouxeram – no para Nachingweia, para discretamente acompanhar os seus movimentos e detectarem-se os intuitos reais. Levantam-se algumas hipóteses, à partida, desde a inocência até à intenção de assassinato do Presidente ... Disse-nos que se (havia) voluntariado para os GE de Jorge Jardim e Orlando Cristina... e, já em Tete, o inspector Sabino da PIDE, com ele preparara a missão contra a FRELIMO.»
Sérgio Vieira sempre a implicar Cristina, antes na morte de Mondlane, agora na suposta missão confiada a Pedro Câmara. Só faltava implicar Samuel Dhlakama e o Padre Pollet. Os “GE de Jorge Jardim e Orlando Cristina”? E qual o papel de Costa Campos, das Forças Armadas Portuguesas e do próprio Estado-Maior? Sérgio Vieira não explica, mas o«25 de Abril» veio esclarecer tudo. Os GE nunca foram nem de Jardim nem de Cristina. Mas na propaganda barata tudo serve.
A Versão do jornal tanzaniano Daily News
Numa reportagem, o diário tanzaniano, «Daily News», de 22 de Outubro de 1972, afirma que “Pedro Câmara, um mestiço, havia desertado das fileiras dos GE (Grupos Especiais) em Julho desse ano quando se encontrava a operar na Província de Tete”. Pedro Câmara é citado pelo jornal como tendo dito que “as sessões de doutrinação política dos GE eram dadas por um moçambicano branco que defendia a independência de Moçambique”. Esse moçambicano branco, de acordo com o Daily News, dizia aos recrutas que “a exploração colonial tinha de acabar”.
O Documento da DGS (ex-PIDE)
O «Moçambique para Todos» conseguiu apurar que o moçambicano branco a que o Daily News se refere era Orlando Cristina. A fonte do «Moçambique para Todos» acrescentou que Orlando Cristina estava “absolutamente ciente de que Pedro Câmara havia desertado por convicção e por acreditar na luta da Frelimo”, tendo excluído a hipótese de Pedro Câmara ter sido “enviado para infiltrar a Frelimo em missão secreta e assassinar o Presidente Samora Machel”.
Aqui reproduz-se o documento da DGS com a data de 18 Abril de 1972 e que o «Moçambique para Todos» conseguiu obter na Torre do Tombo em Lisboa. Embora não mencionando o nome de Pedro Câmara, o «Moçambique para Todos» apurou – e confirmou – de que o “misto natural da Zambézia” mencionado no referido no documento é de facto Pedro Câmara, o mesmo que foi assassinado por ordens do DS da Frelimo, acto que Pachinuapa e Sérgio Vieira ocultaram dos leitores.