Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Mas os focos de conflitos aumentam e soluções escasseiam.
Tenacidade, realismo e diplomacia musculada combinados conseguiram trazer resultados onde alguns já preparavam ataques aéreos e adquiriam bombas para penetrar “bunkers”.
Foi um “balde de água fria” para os falcões da guerra. Aqueles que com facilidade promoveram invasões ao Iraque e ao Afeganistão agora tentarão, via Congresso dos EUA, congelar um acordo precioso para o mundo.
Assiste-se com muita preocupação ao falhanço de intervenções militares com vista a manter ou a mudar regimes. As consequências são vazios de poder e a proliferação de milícias armadas, mergulhando muitos países numa espiral de violência sectária digna de registo e de repúdio. Líbia degrada-se todos os dias, o que indica que remover Khadafi fez germinar problemas muito mais graves.
Um tirano fora de cena trouxe muitos aspirantes para a mesa.
A ONU, enquanto entidade mundial promotora e salvaguarda da paz e do desenvolvimento, tem desempenhado um papel insuficiente. As suas propostas e acções arrastam-se de forma burocrática, e só no caso nuclear iraniano é que se viu uma entrega
e coordenação com as potências resultando num acordo de princípios que augura tempos de desanuviamento e progresso. Na RDC, mantém o seu maior contingente de “Capacetes Azuis”, mas os resultados são escassos.
O Burundi progride para a guerra civil, mas nem a UA nem a ONU conseguem mediar com sucesso uma crise com potencial de fazer regredir o país para mais um genocídio.
Embora se diga que a hegemonia unipolar não existe em termos práticos e se possa também dizer que a bipolaridade característica do passado recente foi minada pelo surgimento de novos “players” na arena internacional, ainda se pode ver um figurino de relações internacionais com a presença e acção de muitos “Estados polícias do mundo”.
Na África francófona, a França substitui a ONU e intervém directamente, para depois buscar luz verde desta. As suas ex-colónias, cada vez que se registem conflitos político-militares, recorrem a Paris como polícia e árbitro. Atraso político, economias reféns e ausência de democracia podem ser apontados como causas dos problemas de violência politicamente motivada na África ocidental.
No Sudão, onde as potências deram primazia a um entendimento que terminasse um longo e sangrento conflito étnico-político bem como religioso, desembocou-se numa situação em que o produto da secessão, Sudão do Sul, já é um Estado falhado.
Na Somália, a guerra civil com contornos de luta contra o terrorismo já transbordou para os países vizinhos, e o sangue de inocentes tem sido derramado com frequência.
Pequenas vitórias de uns são logo seguidas de derrotas que desestabilizam toda uma região.
Se antes confinado ao Afeganistão e ao Iraque, países invadidos sob alegações agora questionadas quanto à sua real causa, o terrorismo de inspiração fundamentalista islâmica alastra-se por muitos países e até já chegou à Europa.
Definitivamente, a tese do “Estado-polícia do mundo” não ganha tracção nem recebe aceitação dos povos.
A teoria do “eixo-do-mal”, em que alguns Estados hostis à política da Casa Branca eram tidos como párias, sujeitos a sanções e agressões de diversa natureza, ruiu pela base.
Com sanções crescentes e mesmo com consequências socioeconómicas graves, países considerados recalcitrantes não desarmam nem abandonam a sua orientação política. Há ditaduras que merecem atenção especial, mas as potências têm falhado na sua abordagem, porque partem de considerações por vezes míopes, e, noutras vezes, procuram privilegiar os seus interesses estratégicos e de segurança nacional.
O Irão “nuclear” é uma história que teve um final feliz porque se abandonou a arrogância de grande potência e se optou pelo engajamento construtivo.
Mas, quando os interesses económicos de países importadores de produtos petrolíferos governam a política externa dos mesmos, entra-se num quadro de consequências nefastas para milhões de pessoas. Se Washington faz vista grossa ao que se passa em Angola ao nível da repressão dos opositores ao regime de José Eduardo dos Santos, que dirá amanhã, quando mais um conflito deflagrar? Se a Alemanha procura obter espaço nas relações económicas com um regime repressivo como o de Luanda, e a França junta-se aos que não se importam com o histórico de violência política daquele regime, confirma-se a legitimação e apoio tácito ao mesmo.
Para os detentores do poder em muitos países da periferia, onde a democracia política e económica é abominada, as potências mundiais, em contradição com o propalado interesse de ver a paz e a democracia florescendo, praticam uma diplomacia económica a que tudo se subordina.
Estamos num mundo violento sem sinais de arrefecimento, mas insiste-se na hipocrisia e numa diplomacia de conveniência, desgastante e promotora de focos de violência.
As potências vivem preocupadas em manter um “status” de poderosas e omnipresentes sem que isso resulte em sustentabilidade política e económica internacional.
É incomportável supor que uma estratégia de “bombeiro mundial” tenha sucesso, como todos os dias se pode observar.
É simplesmente perigoso o que fazem as multinacionais na busca de recursos minerais um pouco por todo o mundo. Apadrinhadas pelos seus Governos, lançam-se em ofensivas de competição com as suas rivais, espalhando dólares em comissões e “luvas” por assinaturas de acordos mineiros.
Desses “dinheiros do diabo”, os ditadores e governantes corruptos encaminham para aquisição de armamentos e outros meios de controlo e repressão dos seus concidadãos. Manter o poder, mesmo que custe a morte de concidadãos, é o que conta.
A neocolonização de África avança com a aquisição de largos milhares de hectares de terra arável, florestas e concessões mineiras. A elite de África floresce, e os povos estão sendo relegados para uma informalidade e indigência crescente.
O produto final destas políticas falsas de desenvolvimento é o surgimento de conflitos civis, repressão e rebelião. Com fundamentalistas islâmicos e de outras cores religiosas à espreita, estão criadas as condições para que proliferem Boko Haram’s e outras milícias semeando dor e terror no continente.
Falta de seriedade governamental no centro e na periferia, falta de liderança e esgotamento de modelos de resolução de conflitos significam campo fértil para que a desordem e indefinição reinem impunes.
África e Médio-Oriente são as principais zonas de partida de emigrantes para a Europa, e esta, mergulhada numa crise económica e política grave, não encontra resposta para desafios multifacetados e multiformes.
Sem que se adopte uma política de desenvolvimento endógena em África que garanta segurança, emprego, respeito pelos direitos políticos dos cidadãos, esperança de vida com dignidade, a onda de emigrantes só crescerá.
Se a opção de Governos como os de Portugal, Espanha, França e Itália continuar a ser a obtenção de recursos naturais ao desbarato em África, fechando os olhos aos resultados desta verdadeira rapina, o continente continuará a ser um foco de tensão e fonte de exportação de emigrantes ilegais.
E, como se sabe, isso tem consequências, em matéria de segurança, muito onerosas.
Há que encontrar consensos internacionais que refresquem as relações entre os países, e que da instabilidade generalizada se entre numa era de paz e segurança.
É ilusório declarar apoio à Tunísia porque turistas europeus foram chacinados numa praia, quando não se trabalha para eliminar as causas.
Quantos milhares de pessoas são mortas todos os meses em África?
Quantos milhares de pessoas morrem por doenças preveníveis?
Quantos milhões de pessoas vivem com menos que um dólar por dia?
Quantos milhões de pessoas são excluídas, e lhes é recusado acesso à vida política e económica dos seus países?
E nesses países todos em que isso acontece existem Governos nacionais e Embaixadas de Governos estrangeiros, que são, afinal, aqueles que dispõem de meios e influência internacional.
Com a hipocrisia comandando as intenções e os actos, a colheita continuará a ser morte, violência, emigrantes, doenças, miséria e terrorismo. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 22.07.2015