Canal de Opinião por Afonso dos Santos
Capim Aceso
Aquelas e aqueles que têm hoje cerca de trinta anos de idade podem pensar que o título deste texto – República Popular de Moçambique – designa uma ficção. Mas acontece que a República Popular de Moçambique é uma parte integrante da História de Moçambique, que jamais poderá ser apagada, apesar de a organização que hoje está no poder já ter rasgado essas páginas.
Pretender comemorar a Independência Nacional abolindo qualquer referência à República Popular de Moçambique é uma estrondosa falsificação histórica e assume até fisionomia de farsa.
Em anos anteriores, têm exibido na televisão um excerto do discurso de Samora Machel ao proclamar a Independência. Vê-se e ouve-se Samora Machel a dizer:
“Em vosso nome às zero horas de hoje 25 de Junho de 1975, o Comité Central da FRELIMO proclama solenemente a independência total e completa de Moçambique”
Quem não conheça esse discurso – e a organização que está no poder encarregou-se de o enterrar nas profundezas do arquivo morto – pode pensar que aquela frase termina ali. Acontece que aquilo é apenas meia frase, pois ela tem continuidade, mas tiveram o cuidado de malevolamente cortar o resto da frase, que é este:
“…e a sua constituição em República Popular de Moçambique.”
É assim que agem estes especialistas da mentira. A técnica mais refinada da mentira não consiste em dizer falsidades. Essa é a forma mais grosseira. A técnica mais refinada da mentira consiste em omitir as verdades. E é assim que devem ser vistas certas reportagens: como grandes mentiras por omissão.
No momento em que se completam quarenta anos de Independência Nacional, o que seria realizado por gente honesta seria ir buscar o conteúdo da Mensagem da Proclamação da Independência, lida por Samora Machel no dia 25 de Junho de 1975, e sair para a rua para fazer uma reportagem sobre como é que os cidadãos avaliam hoje, em 2015, o cumprimento deste objectivo:
“A República Popular de Moçambique edificará uma economia avançada, próspera e independente, assegurará o controlo dos seus recursos naturais a favor das massas populares e progressivamente aplicará o princípio justo de a cada um segundo o seu trabalho e de todos segundo as suas capacidades.”
Em vez disso, fazem reportagens sobre como é que se vivia em 1980! Este é um esquema de quem já perdeu a cabeça e já não sabe mais o que fazer para continuar a aldrabar. Em vez de analisar as condições de vida em 2015, e quais são os benefícios e as dificuldades que se vivem hoje, fazem reportagens sobre como é que se vivia há trinta e cinco anos. Quer dizer, para conseguirem tentar encontrar algum termo de comparação com a forma como se vive hoje têm de recuar no tempo trinta e cinco anos. É preciso estarem mesmo muito desesperados, e terem já esgotado o arsenal de técnicas de manipulação, para tirarem da cartola uma manobra tão infantil.
Por outro lado, a guerra ideológica que fazem, hoje, contra a República Popular de Moçambique exprime apenas uma coisa: o medo de que a República Popular de Moçambique não esteja ainda inteiramente extinta na memória do povo.
O método principal das técnicas de manipulação ideológica consiste em expor situações sem nexo, omitindo as causas, ou inventando causas falsas. Para contrariar essa burla, importa deixar aqui registadas cinco causas das dificuldades que foram vividas nos primeiros anos após a Independência, e que os especialistas da mentira, mentirosos por tendência, doentes de mitomania sempre omitem.
Primeira causa: a Guerra Neocolonialista que durou dezasseis anos. Pretender fazer a história da República Popular de Moçambique sem falar dos efeitos dessa guerra é o mesmo que pretender fazer a história da Alemanha no período 1939-45 omitindo a Segunda Guerra Mundial. A omissão persistente da referência à guerra é suficiente para se perceber como a campanha contra a República Popular de Moçambique é uma fantochada tão mal encenada.
Segunda causa: a hostilidade política e económica de todas as potências ex-coloniais e de outras potências praticantes da pilhagem das matérias-primas, que nunca se conformaram com o fim do colonialismo e que não aceitam outro tipo de “independência” que não seja a reconstrução do colonialismo na sua forma modernizada de neocolonialismo.
Em 25 de Junho de 1975, no seu Discurso de Estado na tomada de posse como Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel afirmou:
“Foi para pilhar o nosso subsolo que as grandes multinacionais obtiveram concessões e facilidades de exploração de que se serviam para drenar o nosso país das suas riquezas”.
Observando, agora, o que se passa nos dias de hoje, torna-se difícil distinguir se aquelas palavras eram sobre o passado, ou se Samora Machel estava a ser um Apóstolo da Desgraça, profetizando um futuro sombrio, que, nos dias de hoje, se tornou presente.
Terceira causa: a sabotagem a partir de dentro. O que não dizem nas reportagens é que algumas das faltas de produtos e as bichas eram provocadas por estes mesmos que hoje se encontram no poder. Eliminam cirurgicamente as passagens dos discursos de Samora Machel que permitem perceber isso hoje com toda a clareza.
Mas quase se poderia pensar que Samora Machel era realmente um profeta, quando afirmou, em 20 de Junho de 1975, na reunião do Comité Central da FRELIMO, no Tofo, em Inhambane:
“Não sei se um ambicioso muda… Mas a minha experiência prova que não! Muda de táctica. Nunca elimina a ambição, um ambicioso. Um ambicioso é criminoso ao mesmo tempo. Pode matar por causa da sua ambição, do seu interesse individual. É capaz de tudo: vender a Pátria, vender a Revolução, impedir o progresso do país – só por causa da sua ambição.”
Quarta causa: o atraso herdado do colonialismo. Hoje, quarenta anos depois da Independência Nacional, quando pretendem justificar o atraso maior em que fizeram afogar o país nos anos mais recentes, dizem que a causa é a herança colonial. Mas, quando querem atacar a República Popular de Moçambique, nesse caso já não havia herança colonial, quando ainda só tinham passado cinco anos depois da Independência.
Quinta causa: o aumento da procura de todo o tipo de bens de consumo como resultado inevitável do facto de que todos os moçambicanos passaram a ter direitos que não tinham, passaram a ser cidadãos de pleno direito na sua própria terra, o que não acontecia no colonialismo, em que o acesso a todos os benefícios que uma sociedade pode e deve proporcionar estava reservado a uma minoria constituída por colonos.
É preciso declarar com toda a clareza e com toda a firmeza: este ataque sem precedentes contra os primeiros anos da Independência da República Popular de Moçambique é a conversa fedorenta do colonialismo, que hoje se apresenta mais forte do que nunca, na sua forma modernizada que é o neocolonialismo.
Resta uma pergunta: qual é a diferença entre este discurso dos que hoje estão no poder e o discurso dos que executaram a Guerra Neocolonialista? E assim talvez se perceba melhor quem beneficiou de quê.
Se Moçambique, na sua Independência Nacional, foi proclamado como uma República Popular, como é que é possível pretender comemorar o aniversário da Independência Nacional repudiando a República Popular de Moçambique?
A única forma historicamente fundamentada – e não fraudulenta – de aclamar a Independência Nacional só pode tomar como inspiração as palavras finais de Samora Machel na Mensagem da Proclamação da Independência, e que são estas: “Viva a República Popular de Moçambique! A Luta Continua!”. (Afonso dos Santos)
CANALMOZ – 03.07.2015