Editorial
O escândalo sobre a corrupção corporativa no Brasil, que inclui o tráfico de influências e pagamentos de subornos a dirigentes do Estado, está a criar mal-estar em Moçambique.
Compulsados os documentos que as fontes da Polícia Federal do Brasil partilhou com a imprensa brasileira, parece estar claro de onde vinha a azáfama de construção das grandes obras, algumas delas autênticos “elefantes brancos”, outras passando por cima do mínimo de ética pública recomendável.
O casamento entre a necessidade de infra-estruturas de Moçambique e a suposta política de internacionalização da economia brasileira, apadrinhados pela ganância e pela política do vale-tudo para meter algum no bolso, deram aso a toda esta vergonha sobre a qual publicamos aqui uma reportagem.
Tudo muito cristalino, sobre quem é quem, quem ficou com o quê, e quem recebeu o quê e como recebeu.
Valha-nos a Justiça brasileira que, apesar de todos os seus defeitos, ainda foi a tempo de correr atrás da sua dignidade e neutralizou o cartel com tentáculos internacionais, com “lobby” garantido pelo distinto “Brahma”, que agora está à beira de um ataque de ansiedade, sem saber se é o próximo a tomar posse da sua cela.
Sem nos querermos colocar adiante das investigações, fazendo condenações, é preciso que uma coisa fique clara: todas as empresas citadas estão, de facto, a operar em África e na América latina em projectos públicos cuja adjudicação é muito questionável.
Segundo os ficheiros da Polícia Federal do Brasil, que está a levar a cabo a “Operação Lava Jato”, que vai na sua 14.a fase, as empresas “Camargo Corrêa”, “Odebrecht”, “OAS”, “Andrade Gutierrez” estão todas implicadas. Curiosamente, estas incluindo a Vale, são as empresas brasileiras favoritas do Governo moçambicano.
Se fizermos uma retrospectiva cronológica, fica fácil perceber em que período estas empresas conseguiram os “max deal” em Moçambique e em que condições.
Torna-se muito difícil para as assessorias destas empresas rebateram os factos apresentados. O que dirá a “Camargo Corrêa” sobre o projecto de Mpanda Nkuwa, onde há um conflito entre os interesses do Estado moçambicano e os interesses pessoais de Armando Guebuza, que era Presidente da República de Moçambique à data dos factos?
Como explicar a opção para o Aeroporto Internacional de Nacala, que se está a revelar um “elefante branco”, construído pela “Odebrecht” no âmbito do mesmo expediente brasileiro em Moçambique?
Como explicar “Moamba Major” e a sua adjudicação à “Andrade Gutierrez”? Como?
O “Canal de Moçambique” recebeu uma carta de esclarecimento do então embaixador de Moçambique em Brasília e actual secretário-executivo da Comunidade dos países de Língua Oficial Portuguesa, que não esclarece o mais importante: como é que o seu nome é citado em “lobbies” privados?
Qual é a explicação que o embaixador tem para os moçambicanos sobre contactos com empresas cujos gestores hoje estão presos?
Está agora claro, a partir da investigação policial brasileira, que as palestras que o ex-presidente brasileiro fez pelo mundo eram, afinal, um negócio pessoal de extorsão e de lavagem de dinheiro. Quem nos vai explicar sobre a palestra de Lula em Moçambique exactamente nas datas em que os contactos eram feitos com as multinacionais?
Haverá mais alguma dúvida sobre a concessão do direito exclusivo de exploração da via-férrea à “Vale” sem concurso público e exactamente dias depois de Armando Guebuza ter mantido um encontro privado na residência do presidente-executivo da “Vale”, o senhor Mourilo Ferreira?
Não estará a face do polvo suficientemente identificada? Não terá este polvo duas nacionalidades: uma, moçambicana, que navega na impunidade, por ter uma sobrinha a dirigir a Procuradoria, e outra, brasileira, mais aflita com o andar dos acontecimentos em Brasília?
As declarações do dono do império, Norberto Odebrecht, divulgadas pela imprensa brasileira, segundo as quais há que abrir mais duas celas, para Lula e para Dilma, não são suficientemente esclarecedoras de que os dirigentes do Estado comem na mesma sujeira?
Do lado moçambicano – que é o que mais nos interessa – a Procuradoria vai continuar a fingir e a perseguir ladrões de galinhas? Ou prefere continuar a perseguir jornalistas e professores universitários porque é mais fácil, e ganham palmadinhas dos criminosos que deviam prender?
Insistimos que há uma necessidade urgente de credibilizar a Procuradoria-Geral da República e desmontar todo o actual aparato, que só está a beneficiar a grande corrupção.
É espantoso que, mesmo com escândalos como os da ENI e da EMATUM, a Procuradoria continue a enviar-nos comunicados obscenos anunciando que prendeu um cidadão que pediu emprestada a bicicleta do vizinho e não a devolveu. Que prendeu um professor que recebeu galinhas de um estudante que pretendia passar sem qualificações.
Neste escândalo de dimensões bíblicas, a Procuradoria vai continuar a praticar o culto do cinismo, enquanto a praga vai destruindo todo um país? Ou ninguém na Procuradoria lê jornais? Das duas uma: ou a Procuradoria toma medidas sérias perante toda esta escandaleira, ou então os seus dirigentes deverão procurar actividades que mais se coadunem com a cobardia, o ócio e o banditismo estatal. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 10.07.2015