Menos de uma centena, dos mais de dois mil, residentes da aldeia de Maganja, no distrito de Palma, na província de Cabo Delgado, participaram nesta quarta-feira(19) na terceira consulta pública que culminará com a perda de parte das suas terras à favor do projecto de desenvolvimento de Gás em Moçambique. O Administrador do distrito de Palma abriu a reunião instruindo os afectados sobre o que deveria ser falado no encontro.
O encontro que se pretendia livre e transparente para que os membros da comunidade pudessem apresentar aos representantes do Governo e das empresas Anadarko, Eni e ENH, as suas dúvidas, preocupações e sugestões relativamente ao processo de reassentamento, que apesar das ilegalidades é cada vez mais irreversível, foi marcado pela presença intimidativa de agentes da Polícia da República de Moçambique(PRM) que alegadamente estariam no local para proteger o Administrador do distrito de Palma, Pedro Romão Jemusse.
Para tornar mais tensa a reunião o Administrador de Palma abriu a reunião instruindo que aos poucos residentes da aldeia de Maganja presentes a não fazerem pronunciamentos sobre assuntos do passado nem futuros, devendo cingir-se apenas ao tema da consulta.
Ora o tema da consulta pública tem exactamente a ver com o que estes moçambicanos possuem e o que vai acontecer com as suas vidas devido a implantação das infra-estruturas de processamento de Gás Natural Liquefeito(GNL).
“(...) Foi limitada logo de início a liberdade das pessoas se expressarem, até porque as pessoas ficam um bocadinho confusas sobre o que será então permitido dizer ou não”, revelou em entrevista telefónica com o @Verdade, após a reunião, Alda Salomão, directora da organização não governamental Centro Terra Viva.
Esta não é a primeira vez que Pedro Romão Jemusse posiciona-se claramente contra as comunidades locais, tendo inclusive em encontros realizados em 2014 afirmado que as actividades das organizações da sociedade civil visavam desestabilizar o processo de licenciamento do projecto, que deverá tornar Moçambique num dos maiores produtores mundiais de gás natural, e acusou-os de actos de feitiçaria e de propaganda anti-projecto.
“Penso que ele(o Administrador de Palma) é o elemento que mais prejudica a qualidade das consultas neste distrito”, afirma Alda Salomão que não entende a razão do novo Governo mantê-lo no cargo.
Não é novidade também a presença da polícia neste processo limitando a liberdade de expressão dos residentes da península de Afungi. No passado a PRM foi orientada a ir a estas aldeias que serão afectadas pelo projecto de GNL e instruir as pessoas para não levantar “questões complicadas”.
Alda Salomão reafirma que a sociedade civil já deixou claro que o Administrador de Palma não é uma pessoa a altura deste projecto, “as atitudes que ele está a tomar são prejudiciais para o próprio Estado”.
Três juristas independentes constataram que “os actos dos agentes do Governo Distrital de Palma (liderado por Pedro Romão Jemusse), do Governo Provincial de Cabo Delgado e do Governo Central nem sempre obedeceram aos preceitos legais, havendo clara violação de várias disposições legais por parte dos mesmos”.
Mesmo com a fraca presença dos afectados, segundo a nossa fonte muitas mulheres alertaram que à hora marcada não era adequada pois é altura de realizarem os seus afazeres quotidianos, a reunião aconteceu e entre as várias questões apresentadas destaca-se: “queremos perceber como é que este números foram determinados?”
A directora do Centro Terra Viva esclarece que as comunidades não estão a questionar se os valores propostos são baixos ou altos, certos ou errados, o que é preciso é divulgar que critérios foram usados para o cálculo das compensações.
Efectivamente o Governo acordou os termos para o reassentamento dos milhares de moçambicanos que vivem na península de Afungi com uma das empresas envolvidas no projecto de GNL, a Anadarko, a 29 de Julho. Os detalhes do memorandum assinado, orçado em 180 milhões de dólares norte-americanos (cerca de 6,3 biliões de meticais), não foram tornados públicos.
@VERDADE – 19.08.2015