Em nome da famosa “dignidade” dos dirigentes do Estado, a Procuradoria-Geral da República pegou em largos milhões e ofereceu a influentes figuras na estrutura partidária da Frelimo e do Governo. São 23,5 milhões de meticais oferecidos ao cidadão Aiuba Cuereneia, que, em troca, ofereceu uma das suas casas à Procuradoria. E é mais de um milhão de meticais oferecidos como pagamento de renda de casa à actual ministra da Saúde. Aiuba Cuereneia é um ex-ministro da Planificação e Desenvolvimento e continua com alguma influência no circuito do poder. Tal como dissemos na introdução, o que aconteceu foi mesmo uma troca de favores, porque não houve concurso público que tivesse apurado quer a casa de Cuereneia, quer a casa da senhora Nazira.
A aquisição de bens do Estado sujeita-se à Lei do “Procurement”.
Segundo o Decreto 15/2010, de 24 de Maio, que aprova o Regulamento de Contratação de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, o regime geral para a contratação de empreitada de obras públicas, fornecimento de bens e de prestação de serviços ao Estado é o concurso público. O ajuste directo é um regime considerado excepcional.
Segundo o Artigo 113, o ajuste directo é a modalidade de contratação aplicável sempre que se mostre inviável ou inconveniente a contratação em qualquer das outras modalidades definidas no Regulamento.
O ajuste directo aplica-se nas seguintes circunstâncias:
a) Se o objecto da contratação só puder ser obtido de um único empreiteiro de obras, fornecedor de bens ou prestador de serviços, ou se a Entidade Contratante já tiver anteriormente contratado a aquisição de bens ou prestação de serviços de uma entidade, e se justifique a manutenção da uniformidade de padrão;
b) Em situação de emergência, que possa causar danos irreparáveis ou de difícil reparação ao Estado ou à sociedade, e apenas para satisfazer o objecto da emergência e pelo prazo da sua duração;
c) Em período de guerra ou grave perturbação da ordem pública;
d) Se, em concurso anterior, o mesmo ficou deserto por falta de comparência de concorrentes ou por desclassificação de todos os concorrentes, e não possa ser repetido sem prejuízo do interesse público;
e) Se o objecto da contratação respeitar à defesa e segurança nacional, especialmente na execução de obras militares sigilosas, fardamento e seus complementos, aquisição, reparação e manutenção de equipamento militar e de uso exclusivo das Forças de Defesa e Segurança;
f) Se o objecto da contratação se destinar ao abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas militares ou tropas e seus meios de deslocamento, quando em estadia eventual e de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes dos da sua
nacionalidade, e apenas o objecto da emergência e pelo prazo da sua duração;
g) Se a Entidade Contratante for o Serviço de Informações e Segurança do Estado; e
h) Na contratação de arrendamento.
3. O ajuste directo é ainda aplicável sempre que o valor estimado de contratação for inferior a cinco por cento do limite estabelecido nos termos do número 2 (um milhão e setecentos e cinquenta mil meticais) do Regulamento, devendo-se juntar pelo menos três cotações para justificar a razoabilidade do preço, da escolha do empreiteiro, fornecedor ou prestador de serviços.
Ora, em bom rigor, e se quisermos seguir estritamente a probidade e a ética pública, em nenhuma das situações cabe o expediente tramitado entre, por um lado, a Procuradoria-Geral da República e, por outro lado, a ministra da Saúde, num caso, e Aiuba Cuereneia, no outro caso. Cabe-nos a nós fazer as seguintes perguntas à Dra. Buchili:
Em que circunstâncias a senhora ficou a saber que Aiuba Cuereneia tem uma casa na Sommerschield “compatível” com a “dignidade” que pretende conferir ao magistrado que vai receber o “mimo” habitacional?
Em que circunstâncias a Procuradoria ficou a saber da existência de uma casa para arrendamento pertencente à ministra da Saúde?
Como base em que cálculos é que a senhora procuradora chegou à conclusão de que o preço apresentado pelo senhor Aiuba Cuereneia é competitivo? Em relação à casa da ministra da Saúde, o preço de um milhão, só em renda, é mensal, semestral ou anual? Com base em que assessoria de engenharia de construção civil é que a senhora Buchili chegou à conclusão de que a casa do senhor Cuereneia vale 23 milhões, e a da ministra da Saúde vale um milhão de meticais em renda, que não se sabe se é mensal ou é anual? Qual é a outra casa que serviu de base de comparação?
O argumento legal sobre a urgência de se adquirir a tais residências parece-nos pouco convincente, por duas razões. A primeira: onde viviam os tais procuradores que vão custar-nos milhões de meticais? O corpo de direcção da Procuradoria-Geral da República terá sido constituído apenas na semana passada, ao ponto de só “ontem” terem descoberto que, afinal, há magistrados a precisarem de “dignidade urgente”? A resposta a essas perguntas é “não”.
Deixando de fora o escopo legal, que, se calhar, poderá ter sido relevante para a constituição de tamanho escândalo financeiro, levantam-se graves questões de ordem ética e de promiscuidade.
Não havendo concurso público, como manda a lei em casos similares, é curioso que o ajuste directo tenha agraciado exactamente pares partidários da senhora Buchili.
Como é que um órgão que, por determinação constitucional, devia garantir a legalidade, anda metido nisto? Só a senhora Buchili está em condições de informar o beneficiário directo deste negócio.
Que legitimidade terá a Procuradoria de fiscalizar qualquer tipo de legalidade, quando está metida numa vergonha destas proporções?
Que garantias de seriedade nos pode dar um procurador-geral de uma República, com este perfil?
Na nossa modesta opinião, este concurso deve ser anulado, e deve instaurar-se uma comissão de inquérito para assacar as responsabilidades nesta vergonha toda.
Caso contrário, isso significa que a procuradora-geral tem interesses inconfessáveis nesta negociata. É por ter uma Procuradoria de tão baixo nível quanto esta que há mafiosos a criarem uma EMATUM, enquanto jornalistas e formadores de opinião são levados a julgamento. É uma questão de legitimidade. Poderá um mafioso por vocação fiscalizar o outro? É tudo uma questão de legitimidade. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 17.08.2015