CARTA A MUITOS AMIGOS
Nestes últimos tempos a comunicação social ofertou-nos com numerosos comentários sobre o abate no Zimbabué de um leão, com o nome de Cecil. As redes sociais sobretudo nos EUA e na Europa até desencadearam uma campanha de assinaturas, já vão lá um bom milhão.
Factualmente parece que o caçador, um dentista americano, não escolheu o Cecil, este foi-lhe indicado pelos guias da coutada. Pagou 50.000US$ pelo animal.
Perguntas e reflexões sobre o evento:
Quem indicou o alvo e portanto culpado pelo abate? O caçador ou os guias locais?
Um milhão de assinaturas condenando o acto. Quantos milhares de assinaturas pela morte ou assassínio de crianças na África, no Médio Oriente, na América Latina? Mortas por gangues de traficantes, assassinadas pelos ditos drones e vistas como danos colaterais, afogadas no Mediterrâneo?
Quantas assinaturas e apoios aos camponeses e criadores de gado que perdem os seus animais devorados por leões? Quantas as pessoas mortas pelos leões, leopardos, etc.
O Presidente Obama lamentou-se do seu insucesso no controlo do comércio de armas nos Estados Unidos. Um miúdo que recebeu uma arma como presente de anos matou 9 pessoas numa igreja, outro matou um bebé seu irmão, um terceiro entrou para um cinema e lá fez uma mortandade.
Onde estão as assinaturas contra o assassinato dos inocentes quando pessoas tratem-se de crianças, adultos, idosos? Onde a indignação contra a matança dos inocentes? Onde as campanhas da comunicação social contra estas situações horrendas?
Quem manda a comunicação social tocar a música da indignação e porquê?
Numa campanha contra a corrupção no Brasil onde se busca indiciar o Presidente Lula e a Presidente Dilma, tenta-se afirmar que ele interveio a favor de uma empresa brasileira, aquando da sua visita de Estado a Moçambique, nos tempos de Joaquim Chissano.
Falando do que sei e testemunhei posso declarar:
A meu conhecimento NUNCA o Presidente Lula procurou influenciar Moçambique para trabalhar com esta ou aqueloutra empresa brasileira. Estive no encontro em Maputo.
Claro que como qualquer governante buscou que houvesse um bom relacionamento entre as empresas brasileiras e moçambicanas, públicas ou privadas. Do nosso lado também sempre agimos assim.
Eu mesmo no final dos anos 70 desloquei-me ao Brasil a convite do Chanceler Saraiva Guerreiro, fui recebido pelo Presidente Figueiredo (creio) e assinei os primeiros acordos com o Brasil. Fui o primeiro membro do governo moçambicano a deslocar-se ao Brasil.
Sobre a VALE:
Recebi e falei com os 3 concorrentes para a aquisição da CARBOMOC. Tratava-se da VALE, ANGLO AMERICAN, MITSUBITCHI BILLINGTON. Na época dirigia o GPZ.
Nenhuma empresa me tentou fazer qualquer tipo de oferta, comissão ou solicitou que influenciasse a decisão final.
O Governo moçambicano havia requerido:
Que se pagassem 300 milhões de US$ pela aquisição da CARBOMOC;
Que se apresentasse uma garantia ilimitada dum banco respeitado sobre a continuação da operação.
APENAS A VALE PREENCHEU OS REQUISITOS. As duas outas empresas fizeram ofertas de 200 milhões de US$ para a compra e garantias de 300 milhões.
O Júri de que NÃO FIZ PARTE pronunciou-se a favor da oferta da VALE a única que preenchia o solicitado pelo Governo.
O Conselho de Ministros aprovou a decisão do júri.
Em Moatize testemunhei a entrega do cheque de 300 milhões pelo Sr. Agnelli ao Presidente Chissano.
No seu início a VALE comportou-se bem no referente ao reassentamento das pessoas que viviam no perímetro da CARBOMOC.
Posteriormente agiu de MODO INFAME E DESUMANO no reassentamento das pessoas que viviam na Benga para onde se estendeu. Falei com os dirigentes locais da VALE e o Governo e depois publicamente, como muitos outros, eu denunciei.
Tanto quanto saúdo a vontade brasileira de lutar contra a corrupção, devo dizer que adoraria que essa vontade e força se manifestassem em Moçambique e nos países do Primeiro-Mundo donde partem os corruptores e onde primam os escândalos, as fraudes e especulações bancárias que levam à ruína e miséria populações inteiras. As instituições financeiras de Bretton Woods e o Banco Central Europeu fecham os olhos aos corruptores e impõem regras às vítimas que facilitam a corrupção.
Na busca de contribuir gostaria que a majestade da Justiça se mostrasse mais modesta no seu despesismo e ostentação.
Vivi no tempo em que magistrados do Supremo, Procurador-Geral e outros altos dignatários viviam no que se chamava bairro dos ministros, onde ainda habitam personalidades como Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos, alguns antigos Conselheiros do Supremo.
Sim, tratava-se de vivendas, relativamente modestas, propriedade do Estado e nada que se aproximasse das rendas de 6.000US$ mensais que se menciona.
Escoltas, motos? Havia quanto muito e inclusive para os Ministros a viatura de função e uma outra bem modesta para deslocações particulares. A mim coube-me um Lada e de cor verde alface berrante, para mal dos meus pecados. 4x4 pertencia à instituição, utilizava o titular do ministério, tribunal, ou um outro que lá trabalhasse e necessitasse para uma deslocação específica em missão de serviço e jamais para ir visitar a sua quinta!
Havia ameaças sérias de segurança, da parte do apartheid que bombardeou Matola, e a quem abatemos um avião não pilotado, o que hoje se chama de drones, na baía de Maputo. O apartheid enviou comandos a Maputo que assassinaram moçambicanos inocentes, nomeadamente na Julius Nyerere, fez atentados com bombas, um no Centro de Estudos Africanos da UEM que matou Ruth First, outro que feriu e fez amputar um braço a Albie Sachs. Nada que se compare com o presente.
Em contrapartida a majestade da Justiça aceita que conservatórias, onde se regista a nossa vida e a quem recorremos no quotidiano, estejam à mercê de incêndios, rebentamento de canos de água, etc. Ficamos privados dos nossos registos que necessitamos para tudo e mais alguma coisa.
A majestade da Justiça coabita com a morosidade dos processos e aguardam-se anos para que Justiça seja feita. Meritíssimos e Venerandos devem reflectir, ponderar e jamais os sobrecarregarmos com pressas. Ámen!
P.S. Celebraram-se os setenta anos do holocausto nuclear no Japão. Muitos analistas crêem que as bombas mais que dirigidas contra o Japão destinavam-se a advertir a URSS da superioridade americana.
Todos estão conscientes dos riscos para a Humanidade resultantes das armas de destruição massiva. Além dos EUA, Rússia, Inglaterra e França já se inscreveram no clube nuclear a China, a Índia, o Paquistão e secretamente com mais de 600 engenhos segundo o Presidente Carter, Israel. Apenas a África do Sul saiu do clube nefando.
Pela paz e o fim da ameaça dos horrores, o meu abraço,
SV
O PAÍS – 18.08.2015