Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Tempo de travar a dança dos discursos e assumir a realidade.
A elite político-financeira do país esgotou-se e desnorteou-se ao longo de um processo de “empoderamento” económico ilícito e rápido. Blindou-se, mas o seu barco mete água por todos os lados.
Temos uma realidade de acesso limitado e exclusivo aos recursos e às oportunidades.
Temos um histórico de centralização excessiva e mesmo de ditadura.
Os assuntos “quentes” de hoje são como um subproduto de práticas que se foram enraizando na sociedade moçambicana.
Quando, passadas quatro décadas após a proclamação da Independência Nacional, ainda se discute ou se faz propaganda política sobre a Unidade Nacional, é sinal claro de que a moçambicanidade ainda não é um dado adquirido.
Anos de um elitismo político produziram uma elite económico-financeira desestruturada e parasita. Na defesa de posições “conquistadas e oferecidas”, criaram-se alianças que se transformaram em autênticos travões ao desenvolvimento nacional.
Não é uma questão de renegar a história comum nem de atribuir importância a factos que nem chegam a sê-lo.
Moçambique vive um “deficit” de democracia que tem sido induzido e alimentado por actores políticos concretos associados a uma elite que não hesita em pactuar e produzir fraudes eleitorais.
Existe uma máquina montada para garantir que o panorama político-económico nacional se mantenha imutável.
Um país que até tem produzido leis, mas que não possui a determinação nem a frontalidade de implementá-las, não pode ser chamado Estado de Direito.
Não há como negar que a situação actual é perigosa e com potencial explosivo.
Uma sociedade que adia permanentemente a resolução de problemas ou questões conhecidas e antigas acaba criando condições para a eclosão de crises e conflitos.
Ouve-se discursos e mensagens preocupantes de alguns quadrantes.
Temos uma Comissão Política da Frelimo que avança com teses anacrónicas de manutenção do poder a qualquer custo. Temos uma Renamo cansada de ser enganada e que quer ver ou sentir respeito pelas suas conquistas eleitorais.
Temos um povo cansado de ser enganado por políticos e retórica barata e entorpecente.
Num quadro de engajamento político em que abunda a desonestidade e o jogo sujo, torna-se difícil vislumbrar linhas de contacto e cedências que conduzam a entendimentos substanciais.
Da intelectualidade e da academia emergem também discursos conflituosos e reveladores de uma carência de verticalidade e seriedade.
Os que se julgam acomodados actuam como se os problemas reais de hoje não fossem também seus.
Divagar e avançar com construções políticas sem base sólida, recorrendo a artifícios legalistas tem resultados concretos que podem não ser os esperados.
Quando AMMD diz que foi enganado ao assinar o AGP de Roma, convém que as pessoas se situem.
Quando Daviz Simango reclama da falta do cumprimento da lei sobre a descentralização no que se refere a educação, transporte e saúde, está falando de algo concreto que tem sido adiado por conveniência política e para ganhos político-eleitorais.
Quem duplica as estruturas orgânicas de Governo de cidades governadas por autarcas da oposição está agindo de má-fé e contra a democracia e descentralização preceituados.
Chegou a altura de levantar o “véu da noiva democracia”.
Não há assim tantas saídas airosas quando se nega uma saída airosa para um ou vários dos interlocutores políticos no país.
Agora que está ficando claro e já é referido como verdade por um dos signatários do AGP que a “finta de Gaborone” existiu, convém que isso seja entendido como revelação da gravidade da situação.
É óbvio que passámos muitos anos encobertos por nuvens ideológicas que “pariram um rato”. O socialismo apregoado e que serviu de suporte para campanhas de terror e de assassinatos políticos morreu de morte natural e relativamente rápida. Logo que ficou órfão da defunta ex-URSS, definhou e caiu.
Os seus advogados e protagonistas sobreviveram à custa de golpes de resistência e astúcia, mas também com cumplicidades internacionais.
Foi um “lobby” da “globalização” fundada no fluxo facilitado de recursos naturais que entendeu que se deveria apostar num “cavalo conhecido’, independentemente dos ilícitos eleitorais testemunhados e demonstrados.
Foi a confiança de que estavam alinhados os elementos para o reconhecimento internacional que sustentaram e cimentaram a posição dos “arrancadores de vitórias”.
Hoje, a crise pós-eleitoral está presente no panorama político nacional sem que se vislumbre sabedoria e realismo para lidar com o assunto.
Para os vários “polícias do mundo”, qualquer resultado é bem-vindo, porque suas posições sairão reforçadas. Para eles, o mais importante é a continuação da dependência e não o fortalecimento de país como Moçambique. Moçambique em paz e desenvolvendo-se vai atrapalhar as contas de muita gente. As corporações e companhias de países com a África do Sul, Portugal, Brasil, Reino Unido, EUA, China, Itália, França e Índia jamais teriam feito o tipo de contractos efectuados, com um Governo diferente.
Onde os juristas alinham com o saque de recursos públicos e se escusam a aconselhar os governantes sobre o que lesa a pátria e o que a protege, é o mesmo que dizer que o país está vendido. A delinquência judicial extravasa por todos os sectores, e sentem-se os seus efeitos cada vez mais profundos.
Os accionistas da nova economia regozijam-se com os leilões de novos blocos petrolíferos numa posição monopolista, e claramente que os “vencedores nacionais” já têm conhecimento antes da deliberação do Governo. Afinal, estão todos alinhados com os que detêm o poder. Na verdade, democracia económica assim como a política sempre foram abominados pelos detentores do poder em Moçambique.
Hoje, reina um regime híbrido, fundado nas noites gloriosas do partido-Estado, em que o vermelho era a única cor admitida e aceite.
Sabe-se que alterações na arena política, na cultura política dos políticos e governantes é assunto que leva o seu tempo a acontecer, mas também se sabe que esse costuma ser o subterfúgio de gente mal-intencionada, disposta a assegurar que as vantagens privadas se sobreponham aos interesses nacionais.
Aos impasses que se registam no CCJC, só dizer que constituem um atestado concreto de incompetência, incapacidade e vazio político. Cada vez que os protagonistas se pronunciam, fica claro quem é aquele que está entravando a agenda nacional. São os mesmos que no parlamento se negam a aprovar a criação de comissões parlamentares de inquérito. São os mesmos que mentem ao afirmar que as FADM são um Exército republicano e que a PRM é apartidária.
Agora que foi cumprida a missão de mais um comandante da PRM em Sofala, ele foi transferido e promovido. Diga-se que, depois de tal comandante “participar” activamente na campanha eleitoral atrapalhando a vida dos opositores, só poderia ser promovido.
Compatriotas, é contra este tipo de desvios políticos, de banditismo político, que milhões de moçambicanos votaram, mas o seu voto não é reconhecido nem respeitado.
Esta é a faceta de um país que sofre e pode a qualquer momento entrar na confusão e tiros.
A omnisciência e omnipotência falsas de alguns cidadãos especiais, arrastando consigo uma fauna de defensores incansáveis, estão corroendo as bases de sustentação do país, numa acção deliberada em defesa de interesses privados de grupos que alguém denominou, há pouco tempo, como vigaristas e carraças. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 27.08.2015