Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Além de caricato, sai muito caro.
Aqui não se trata de ir em defesa de alguns ilustres moçambicanos. Estes moçambicanos negligenciados pelo Governo e até perseguidos e proscritos têm, por mérito próprio, grandeza, verticalidade e moçambicanidade acima de qualquer suspeita.
Num país carente de conhecimentos que façam a diferença, de conhecimentos que ultrapassem a mera repetição do que os livros de economia contêm, há que estranhar a razão de tanta animosidade para com compatriotas de reconhecida reputação nacional e internacional.
Gente com ciência comprovada é impedida de dar a sua contribuição para o desenho de soluções para economia nacional, sob pretextos que não colam nem vingam.
É absurdo que todo um Governo ainda não tenha entendido que a gestão dos assuntos económicos é feita através de aplicação disciplinada de conhecimentos técnicos que não se apanham na rua. Não é o clientelismo e a distribuição de cargos de direcção estratégica a “amigos e recomendados” que vai trazer aquela lufada de ar fresco para as instituições que dirigem os pelouros económicos e financeiros do país.
Há que reconhecer que a equipa que dirige o Banco de Moçambique está, em certa medida, cansada e esgotada. Dela não saem ideias consistentes com a realidade que se vive. O metical derrapa e os gestores de topo do Banco e do Ministério das Finanças remetem-se à repetição de autênticos chavões.
Há já muito tempo que se observa que os que deveriam ser conselheiros do PR e do Governo limitam-se a produzir relatórios enfeitados e elaborados numa perspectiva de apaziguar temores nos dirigentes e no mercado.
O país não está produzindo as suas necessidades básicas, e quando isso acontece, fica sujeito às flutuações do mercado internacional.
Planos e programas em projecções muitas vezes irrealistas animaram a economia e provocaram crescimentos em alguns sectores como o da construção civil, hotelaria e afins. Sonhos de um “eldorado” carbonífero e de gás natural previam um “boom” de desenvolvimento que não se materializa.
Quem arriscou na bolha imobiliária, especialmente na indústria hoteleira, tem os “quartos às moscas”. Inaugurar hotéis que não têm ocupação já é uma realidade.
As contrapartidas do gás e do carvão, o que deveria ficar no país em termos de “royalties” foram oferecidas em nome de incentivos aos investidores estrangeiros.
Contra o conselho sábio de economistas nacionais que propunham a renegociação dos contratos dos megaprojectos, viu-se um Governo avançar com políticas que acabaram dando resultados escassos.
O país exporta gás e energia eléctrica para a África do Sul, mas volta a importar os mesmos a preços bem superiores aos de venda.
Pode parecer inacreditável, mas é pura realidade, como se sabe.
E face a cenários de manifesta inexistência de ciência e “know-how” para aconselhar a tomada de decisões consentâneas com a gravidade da situação, o país mergulhou ou foi mergulhado numa espiral de abertura de mercado que sufoca a olhos vistos a actividade económica nacional. Em nome do mercado regional aberto, somos hoje um dos locais preferidos para “dumping” da produção agrícola sul-africana.
Escandalosamente, de país exportador de mercadorias agrícolas, somos hoje importadores de quase tudo.
Uma cegueira política na abordagem levou a que ministérios se tornassem em veículos de enriquecimento, e não de regulamentação.
Não se promoveu o surgimento de agricultores comerciais nacionais, mas potenciou-se a capacidade institucional que, na verdade, é um veículo de controlo do recurso terra.
Uma vez obtido o controlo da terra, mas com risco de que novas realidades políticas pudessem criar “problemas”, optou-se pela criação de um ministério que engloba a terra. Assim, temos um Ministério de Agricultura decepado da terra, porque da fauna já havia sido antes.
Experiências interessantes de extensão foram abandonadas e, para o seu lugar, estabeleceram-se mecanismos não funcionais, porque sempre faltam recursos para implementar as ideias existentes. Muito do que se diz, faz sentido, mas infelizmente acaba sendo “aborto”, porque os burocratas querem ser controladores, produtores e regulamentadores.
Produzem através das suas “joint-ventures” e esquecem-se de que o que alimentava Moçambique eram um apreciável número de agricultores comerciais.
A indústria nacional morreu ou foi morta através da alienação do parque industrial estatal. Criou-se uma “burguesia” de assinatura, que adquiriu ao desbarato o que eram as indústrias de orgulho de Moçambique.
Geleiras, pneus, produtos plásticos, sapatos, metalurgia, caju, tecidos, sacos para uso na agricultura, açúcar e outros foram sofrendo da pressão das recomendações dos organismos multilaterais que apoiavam e financiavam o programa de reajustamento estrutural da economia.
Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional estabeleceram-se em Maputo e dos seus escritórios passaram a governar os “dossiers” económicos e financeiros do país, como grandes gurus do conhecimento, enquanto o Governo se limitava a hipotecar a sua soberania económica assim como política, por arrasto.
É complexo gerir a economia, mas há algumas decisões que jamais deveriam ter sido tomadas por quem tem a responsabilidade de governar.
Quando o Estado, através do Governo, abdica de responsabilidades inalienáveis, chega-se ao extremo de se confirmar que não há Estado num país.
Quando uma empresa como a Coca-Cola é apanhada em violação das leis laborais do país e se sabe que pululam por todo o país milhares de imigrantes indocumentados, estamos em presença de uma situação embaraçosa e perturbadora.
Somam-se os motivos de alarme sobre o país, mas a resposta dos governantes é tardia.
Numa autêntica charada típica dos regimes de partido único e que não respeitam as leis que garantem a liberdade de expressão e de imprensa, viu-se a PGR encetar um processo contra o Prof. Castelo Branco. Contra ele pesa uma alegação de crime contra a segurança do Estado, por palavras publicadas na sua página do Facebook. Ele emitiu uma opinião enquanto cidadão de pleno direito deste país. Os defensores do regime atiraram-se contra ele como abutres, e agora que fica claro que tudo não passa de uma “vendetta” encomendada e ordenada por altos escalões do Executivo cessante, estamos todos esperando que a PGR tenha a sensatez de retirar e arquivar este processo estalinista contra o nosso compatriota.
Teses com carácter rácico denotam falta de argumentos válidos para contrariar pronunciamentos de valor reconhecido.
Jamais se teria chegado ao EMATUMGATE e ao ENIGATE se o Executivo e seu partido de suporte escutassem o que os intelectuais nacionais dizem e aconselham.
Quem não valoriza o que é seu, acaba contratando consultores internacionais com agendas que não coincidem com o interesse nacional.
Estamos à deriva e sem orientação.
Os que governam não têm uma ideia clara de o que fazer para salvar a economia nacional. Habituados a recorrer a donativos, agora que os cofres secam a olhos vistos, encontram-se sem ideias nem recursos.
A China, por mais “amiga” que seja, também tem os seus problemas.
A Índia não vai oferecer o que não tem. Do ocidente esperam-se mais restrições e exigências antes que os fundos prometidos caiam nos cofres do Estado. A economia não é competitiva, e, na realidade, pouco se produz fora daquilo que os megaprojectos produzem e exportam.
E com um quadro destes ainda há gente que promove a intolerância contra moçambicanos que dizem e apontam caminhos para sairmos da crise em que estamos mergulhados. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 26.08.2015