Foi um dos mais importantes cientistas sociais portugueses do século XX, mas só nos últimos anos é que começou a ser mais conhecido fora dos círculos académicos. Nascido em Moçambique em 1934, exilou-se no Reino Unido e ensinou durante décadas em Oxford, onde morreu esta quarta-feira.
O sociólogo português Hermínio Martins morreu na quarta-feira, dia 19, em Oxford, onde viveu e ensinou durante décadas. Autor de textos de referência sobre o Portugal contemporâneo, deixa inédito um extenso livro em que compara as três grandes mudanças de regime que marcaram o país no século XX: a República, o Estado Novo e a democracia. Nos últimos anos, a sociologia e filosofia da ciência e da tecnologia ocuparam uma parte substancial das suas reflexões.
Nascido em Moçambique, na então Lourenço Marques, em 1934, onde conviveu com uma geração de intelectuais de que fizeram parte Fernando Gil, Ruy Knopfli, Eugénio Lisboa ou Helder Macedo, morreu inesperadamente na quarta-feira, possivelmente de doença cardíaca, disse ao PÚBLICO o historiador Rui Feijó, co-autor com Hermínio Martins e João Pina Cabral de A Morte em Portugal (Querco, 1985).
Feijó vinha ultimamente colaborando com o sociólogo na preparação da edição portuguesa de “um livro inédito de 300 ou 400 páginas” que Hermínio Martins escreveu em inglês, e no qual “trata o 5 de Outubro, o 28 de Maio e o 25 de Abril numa perspectiva comparativa, histórica e sociológica”. Previa-se que a obra, cuja versão portuguesa estava praticamente concluída, saísse na editora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, que já publicara Classe, Status e Poder e outros Ensaios sobre o Portugal Contemporâneo (1998), um conjunto de estudos de Hermínio Martins compilado e prefaciado pelo politólogo António Costa Pinto.
Alguns desses artigos que o sociólogo publicou em inglês ainda no final dos anos 60, como Portugal na Europa Contemporânea – Classe, Estatuto e Poder, ou Oposição em Portugal, só tiveram verdadeiro impacto nas ciências sociais portuguesas depois do 25 de Abril de 1974, diz António Costa Pinto ao PÚBLICO, mas “estavam a anos-luz do que era então produzido em Portugal no campo da sociologia política”. Hermínio Martins era “o único cientista social português da sua geração conhecido da comunidade científica internacional”, diz ainda Costa Pinto, que o descreve como “um grande sociólogo com uma obra pequena”.
A relativa exiguidade da sua bibliografia – ainda que os muitos artigos dispersamente publicados compensassem um tanto a escassez de livros – será um dos motivos que ajuda a explicar que o sociólogo continuasse a não ter em Portugal o reconhecimento que a relevância, a diversidade temática e a originalidade do seu pensamento justificariam. Acresce que, depois dos já referidos estudos pioneiros dos anos 60 e 70, Hermínio Martins “deixa de se dedicar ao estudo da sociedade portuguesa” explica Costa Pinto, interessando-se pela sociologia da ciência e da tecnologia e por outras áreas disciplinares.
E Rui Feijó lembra que as décadas de dedicação ao ensino lhe deixaram pouco tempo para escrever. “Nestes últimos anos investiu na escrita e publicou bastante, mas foi só depois de se reformar que começou a deitar cá para fora o que andava naquela cabeça privilegiada”, diz.
Enquanto professor, Hermínio Martins “teve um papel muito importante para várias gerações de cientistas sociais portugueses”, acrescenta Costa Pinto, lembrando que “muitos foram estudar para Oxford pela sua mão”. Maria Filomena Mónica, Rui Ramos ou José Luís Garcia, com quem coordenou a obra Dilemas da Civilização Tecnológica (2003), são alguns dos seus orientandos portugueses. Garcia é ainda um dos responsáveis, com Manuel Villaverde Cabral e Helena Mateus Jerónimo, pela organização de Razão, Tempo e Tecnologia, um volume de homenagem a Hermínio Martins.
Crítica da razão tecnológica
Hegel, Texas, e outros Ensaios de Teoria Social (Século XXI, 1996) é um dos títulos mais conhecidos deste sociólogo-filófoso – “um amigo dele”, conta Rui Feijó, “diz que estava casado com a sociologia, mas que a amante dele era filosofia” –, cujo último livro foi publicado pela Relógio D’Água e se intitula Experimentum Humanum: Civilização Tecnológica e Condição Humana.
Num artigo para a revista Análise Social, Viriato Soromenho Marques realça a importância deste "grande pensador português ainda insuficientemente conhecido do grande público” e caracteriza Hermínio Martins como “um sociólogo de matriz filosófica”. Para Soromenho Marques, Experimentum Humanum é “uma obra profundamente filosófica sobre a vocação e o destino tecnológicos da civilização contemporânea”, que “ousa pensar uma ampla variedade de experiências e fenómenos da contemporaneidade à luz de um conjunto coerente e clarificador”.
NOTA: À família a solidariedade do MOÇAMBIQUE PARA TODOS.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE