O plano de negócios, que levou o Estado moçambicano a avalizar a dívida de USD850 milhões inerentes à Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) parece ter sido “loucamente exagerada”, indica uma análise da conceituada revista económica britânica The Economist.
Intitulada “Moçambique/EMATUM/Um Escândalo sobre Atum”, a análise diz que os títulos de dívida foram emitidos na expectativa de que das águas moçambicanas saem anualmente 200 mil toneladas no valor de 200 milhões de dólares, mas, em 2013, a captura foi de apenas seis mil toneladas.
“O pagamento do capital e dos juros da dívida deverá ser de USD260 milhões anuais até 2020, período em que se espera que os títulos da dívida estejam completamente reembolsados, mas a EMATUM reportou perdas de USD25 milhões em 2014”, lê-se no texto da publicação britânica.
A The Economist recorda que o ministro da Economia e Finanças moçambicano, Adriano Maleiane, disse, recentemente, à Assembleia da República, que a dívida em torno da EMATUM terá de ser restruturada e considera esse cenário como reconhecimento de incumprimento do negócio.
Segundo a peça, peritos em navios concordam com a ideia de que o dinheiro gasto na compra dos navios da EMATUM parece estranhamente alto, citando as declarações da antiga primeira-ministra, Luísa Diogo, em entrevista ao SAVANA.
“Começo a ter pesadelos com a dívida de Moçambique”, disse, na altura, Diogo, cujo papel na negociação do perdão de cerca de seis mil milhões de dólares da dívida em 1996 é lembrado no texto.
Na sua análise, a The Economist considera que está a ficar cada vez mais evidente que a EMATUM dispõe de uma fracção da sua capacidade prometida e a maioria do dinheiro angariado para as operações da empresa será destinado a actividades de segurança marítima.
Desde que veio a lume que o Estado moçambicano conseguiu arrecadar USD500 milhões através do Crédit Suisse e USD350 milhões do banco russo VTB, a 8,5% de juros ao ano, que se levantaram questões sobre a transparência do processo, assinalada a revista.
No ano passado, prossegue, o Fundo Monetário Internacional qualificou a EMATUM como um dos maiores riscos fiscais de Moçambique e em Julho exortou o Governo a adoptar um controlo mais forte sobre as empresas detidas do Estado.
“Se a companhia falir, o Governo moçambicano, como avalista da dívida, terá de pagar o empréstimo ou correr o risco de ser judicialmente processado pelos investidores que colocaram o seu dinheiro na empresa”, observa a matéria.
Contudo, o Estado moçambicano teria muitas dificuldades para liquidar os USD850 milhões de dívida, tendo em conta que teve de implementar um Orçamento do Estado austero este ano, reduzindo o défice orçamental de 11,1% para 6.5% do Produto Interno Bruto.
“A agência de notação financeira Standar &Poors baixou o ´rating` de longo prazo da dívida de Moçambique de B para B-, considerando que as dificuldades financeiras enfrentadas pela EMATUM levantam sérias questões sobre governação e gestão da dívida do sector público”, anota a The Economist.
Alguns analistas, de acordo com a revista, admitem que a opção pode passar por o Governo moçambicano converter os títulos numa pura dívida soberana e o Governo tentar reduzir o serviço do pagamento e estender os prazos de maturidade.
Lembrando que, nos meados da década de 1990, Moçambique foi um dos países que beneficiaram de um esquema de perdão da dívida desenhado pelo FMI e pelo Banco Mundial (BM), a The Economist observa que uma série de países da África Sub-sahariana voltou a entrar numa espiral de endividamento, de novo, atraindo investidores sedentos de juros suculentos.
“Não é difícil ver porque é que os títulos de dívida emitidos pelos países da África Sub-sahariana dispararam nos últimos anos: para investidores que estão à caça de grandes ganhos, títulos altamente remunerados cobertos por garantias soberanas, são difíceis de resistir”, realça a The Economist.
Mas, ainda assim, angariar USD850 milhões para uma frota de atuneiros novinha em folha não devia ter parecido uma aposta segura, remata a The Economist.
SAVANA – 21.08.2015