A 25 de Setembro de 1964 desencadeou-se a luta armada de libertação nacional.
Chipande o primeiro a disparar e na madrugada de 26, Oswaldo Tazama em Niassa. A data prevista inicialmente adiou-se porque a extinta MANU foi assassinar um sacerdote favorável aos moçambicanos e liberdade. Isto alertou o inimigo.
Havia a intransigência de Salazar em discutir libertação nacional. A França em 1962 aceitou a independência da Argélia onde havia um milhão de colonos. Nunca e somadas todas as colónias portuguesas o número aproximou-se do meio milhão. O Reino Unido aceitou a independência do Quénia onde havia grande número de colonos. Na Rodésia do Sul Smith encorajado por Lisboa e pelo apartheid optou pela independência unilateral.
Nas confidências a Franco Nogueira Salazar exigia pelo menos quinhentos anos para as independências! A guerra pagou a intransigência da loucura e autismo.
A luta armada resultou da unidade nacional estabelecida a 25 de Junho de 1962, com a fusão dos três partidos existentes.
A unidade alimentou-se:
Com o facto de todas as unidades de guerrilha integrarem combatentes de várias províncias. Em cada unidade o povo via Moçambique do Rovuma a Maputo.
Com a chamada narração de sofrimentos durante os treinos, onde cada membro de um pelotão contava o que vivera e assim todos tomavam conhecimento de que embora das mais diversas etnias e regiões, com línguas diferentes, o que constatavam era que todos haviam sofrido e vivido o mesmo.
Fazia-se nascer a consciência do que existia de comum, de igual, que as diferenças se mostravam insignificantes face ao comum, à vontade e realidade da moçambicanidade.
Pessoas de origem rácica ou cores diferentes, mestiços, brancos, asiáticos estavam integrados na moçambicanidade. Havia professores e médicos brancos e todos moçambicanos. Instrutores e comandantes mestiços, todos moçambicanos.
Curiosamente quando os portugueses viam um mestiço afirmavam que se tratava de um cubano.
Jamais houve um só estrangeiro, incluindo cubanos a lutarem em Moçambique.
Há nomes que estarão indissoluvelmente ligados à causa da libertação Nacional, ao desencadeamento, desenvolvimento e vitória da luta armada.
Mondlane experimentado nas lides internacionais e excelente conhecedor do pensamento e vontade do Portugal salazarista, além de obreiro da unidade nacional soube que para libertar a pátria se impunha a luta armada. Junto do Egipto, da Argélia e depois da URSS e da China agiu para que se treinassem os primeiros guerrilheiros. Israel aceitou preparar enfermeiros. A Tanzânia deu-nos o campo de Kongwa.
Mais tarde Kongwa, depois de a Tanzânia nos entregar Nachingweia, serviu para os combatentes de Angola, do Zimbabué, da África do Sul e da Namíbia.
Foi de Kongwa que partiram os primeiros grupos de guerrilheiros, depois da direcção restrita da FRELIMO decidir o desencadear da luta armada. Nesta direcção restrita estavam Marcelino dos Santos, Filipe Samuel Magaia e Samora Machel que seleccionou os primeiros combatentes. Pouco se necessita de falar de Mondlane e Marcelino.
Filipe Samuel Magaia, nascido na Zambézia a 7 de Março de 1937 e assassinado perto da fronteira com a Tanzânia pelo agente da PIDE infiltrado Lourenço Matola a 11 de Outubro de 1966, comandou a preparação dos primeiros guerrilheiros e o desencadeamento da luta armada.
Quando o nosso médico Hélder Martins chegou para o socorrer já tinha falecido. Mariano Matsinhe estava no grupo. Lourenço Matola o assassino fugiu para o Quénia com a ajuda de alguns amigos na base tribal.
Nunca poderão os moçambicanos e os africanos esquecerem que no dia 29 Samora, se vivo, completaria os 82 anos. Nasceu a 29 de Setembro de 1933 e o apartheid o assassinou a 19 de Outubro de 1986, assim como vários camaradas, Alcântara Santos, Fernando Honwana, Aquino de Bragança, Daniel Maquinasse e outros, Médicos cubanos e diplomatas do Zaire também pereceram com ele. Diria que Samora sempre viveu como morreu, gentes diversas de todo o país, de todas as cores, raças, etnias e até estrangeiros.
O apartheid arrancou-nos quem dirigiu os momentos cruciais da luta de libertação, quem transformou Nó Górdio na maior derrota da guerra colonial portuguesa.
Samora afirmou-se sempre como um internacionalista, vendo e solidarizando-se com o mundo inteiro para além das nossas fronteiras.
Por isso, até artistas como Bob Dylan o celebraram. Do Burquina, Thomas Sankara veio ao seu funeral, tal como a filha de Reagan, os Presidentes Nyerere, Kaunda, Aristides Pereira, José Eduardo dos Santos, Mário Soares, Oliver Tambo, Yasser Arafat, Sam Nujoma e tantos outros amigos.
Ainda durante a nossa guerra de libertação ajudou a Zâmbia a fazer face à insurreição do movimento Lumpa (significando melhor que todos) da dita profetisa que afirmar haver ressuscitado quatro vezes Alice Leshina (a rainha).
Abriu caminho para a ZANU iniciar a luta no Zimbabué e depois da independência enviou mil voluntários comandados pelo Brigadeiro Ajape lutar ao lado dos nossos camaradas.
Os nossos voluntários ajudaram a Tanzânia a fazer face à invasão de Idi Amin Dada, e entraram em Campala em primeiro lugar, fazendo fugir o ditador louco. Nyerere fez questão que os nossos voluntários estivessem à cabeça do desfile que celebrou a libertação do território e o fim de Idi Amin.
Os nossos voluntários defenderam Luanda na batalha de Kifangondo nas vésperas da independência nos dias 10 e 11 e 12 de Novembro de 1975 onde se utilizaram pela primeira vez em combate os BM21, dez carros cada um com 40 foguetes, os únicos que tínhamos e acabávamos de receber. Os poucos aviões militares de transporte os Nord Atlas para lá enviamos e lá ficaram, tal como os BM 21.
Sempre apoiou o ANC e a luta contra o apartheid que se vingou, assassinando-o.
A saga moçambicana por culpa de instituições incluindo da Educação e Cultura, dos pais, da comunicação social torna-se desconhecida pelas novas gerações.
Em nome de uma democracia falsificada e do ajoelharmo-nos diante de financiadores estrangeiras, tornamo-nos um país sem memória, sem glória, sem História, prontos a sermos de novo redescobertos por Vascos da Gama modernos, transnacionais e porque não dizer, gananciosos e corruptores. Novas ocupações e patrões se sucederão com um cenário deste tipo. Claro que gente de dentro escancarou a porta a esses.
Diz o povo que para entrar o feiticeiro, alguém dentro de casa lhe abre a porta ou janela.
Honra e Glória eterna aos vivos e mortos. A Mondlane, Samora Machel, Filipe Magaia e Marcelino, a todos que lutaram por uma pátria livre.
P.S. Muito se discute futebol e pouco o desporto. Campeões do mundo no hóquei em patins, matamos os ringues. Campeões africanos de basquete, fizemos desaparecer as tabelas nas ruas e os campos. Em quantas capitais provinciais existem piscinas? Quantas as abandonadas? À seriedade um abraço.
SV
O PAÍS – 29.09.2015