Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Nunca se falou tanto de paz em Moçambique como nos dias de hoje. De todos os quadrantes, essa pequena palavra é enfeitada com os mais disparatados adjectivos, sem que se veja algo de concreto acontecendo.
Especialistas em diversas áreas do saber dão as suas opiniões. Umas, fundamentadas, outras, nem assim tanto. Prelados religiosos sobem ao púlpito para derramarem a sua sapiência sobre a questão, mas nem isso fertiliza o caminho para a paz. Os políticos desdobram-se por tudo o que é canto e cantam as suas hossanas à paz, mas esta tarda em revelar-se.
Porquê tanta falta de êxito na busca daquilo que aparentemente todos querem, ou dizem que querem? Porquê tantas diferenças de interpretação ou ausência de concordância quanto ao que seja esta paz que foge de Moçambique?
Compatriotas, é preciso que exista disposição, senão mesmo predisposição, para atacar um assunto com abertura e decisão. Quando as mentes estão formatadas para excluir o outro e não admitem que os outros sejam também moçambicanos com igualdade de deveres e direitos, está montado o palco para o insucesso.
Quem realmente pretende a paz não pode resumir tudo ao seu conjunto de interesses e avançar com altivez, esmagando tudo e todos os que se atravessem no seu caminho.
A existência de um obsessivo complexo de superioridade dentre algumas personalidades históricas deste país mina o campo para entendimentos mínimos na busca da paz. Arvorados em cabeças de lista e únicos detentores da verdade histórica, exibem a sua pujança não deixando espaço para que outras vozes possam ser ouvidas.
Não que alguém dispute a sua relevância na conquista da Independência ou da criação do Estado moçambicano, mas, a partir do momento em que se consideram únicos e especiais, isso coloca-os numa posição artificial dúbia e insustentável.
O pluralismo político obtido através do AGP de Roma tarda em afirmar-se e consolidar-se porque os interlocutores políticos nacionais também tardam em entender que, sem aceitação do destino comum e da moçambicanidade de todos, não se chega a lado algum.
A dimensão real da pátria supera egos e retórica. A pátria não é um “slogan” nem algo que se ofereça como favor. Ninguém está ou é pedinte no que se refere à pertença a esta pátria, que alguns teimam em dizer que lhes pertence em exclusivo.
Quem se rodeia de incendiários e os tem como conselheiros principais arrisca-se a trilhar por caminhos que conduzem à guerra e não à paz.
Os que proclamam discursos incendiários são como falcões da guerra, que pretendem manter o seu “status” inalterável, mesmo que seja à custa de sangue alheio.
Muitas pessoas deveriam ser proibidas de falar, pois, quando o fazem, só alimentam a guerra e não promovem a paz.
Não é por acaso que a propaganda nazista é legalmente proibida em certos países.
Dar espaço de opinião aos que não conseguem entender que a oposição política em Moçambique é um direito adquirido pode parecer democrático, mas acaba por minar a tal democracia.
Quem se esquece de que foi a usurpação dos direitos dos outros que provocou aquilo a que uns chamam “guerra de desestabilização”?
Quem pensa que a participação na luta armada de libertação nacional outorga direitos especiais arrisca-se a constituir um verdadeiro perigo para a paz, como se tem visto no decorrer dos anos.
Dar oportunidade à paz passa por aceitação plena de que os outros não são inimigos e jamais o foram. Erros de percurso, de interpretação e alguma ingenuidade política são gasolina para a fogueira.
Fomos usados e desusados por interesses externos que se digladiavam através de nós, e agora escrevem livros de memórias relatando os seus pretensos feitos a partir de capitais europeias, asiáticas e americanas. Para eles, somos aqueles que fizeram as guerras deles em defesa dos seus interesses.
Somos ainda tidos como participantes menores no contexto das nações, numa perspectiva paternalista típica de uma situação colonial ou, como se chama nestes dias, de globalização.
E, estranhamente, embora com tanta gente exibindo diplomas universitários, tanta gente experiente e que participou em batalhas de duas guerras, não se vislumbra clarividência suficiente para “empurrar” o país para a paz. Como que para agravar o cenário, das confissões religiosas saem sinais preocupantes de que estas são na maioria caçadoras de dízimos, pouco preocupadas em cumprir seu verdadeiro mandato.
Após a redescoberta de alguns recursos minerais valiosos, pessoas próximas do poder começaram a afiar os dentes para abocanhar tão apetecíveis recursos. Se antes se falava de guerra de recursos em alguns países de África, agora é Moçambique que corre o risco de mergulhar em uma guerra de recursos e pelos recursos.
Agora que já se fala de urânio e diamantes, de ouro e rubis, os apetites aguçam-se, e a demagogia impera imparável.
Quando dizem que querem a paz e que o outro se deve desarmar incondicionalmente, é tudo numa perspectiva de imposição de uma ordem política monocromática camuflada de democracia e de Estado de Direito.
Quem domina o aparato de defesa e segurança é um dos beligerantes do passado, é um partido político que nasceu e reinou único durante décadas.
Estrategicamente é uma proposição que dificilmente poderá ser aceite pela outra parte.
A opção que é deixada aos outros é o suicídio político. Isso é uma marca registada da ditadura que alguns dizem que nunca existiu em Moçambique.
O dia 7 de Setembro 2015, Dia da Vitória, Dia dos Acordos de Lusaka, parece ter sido a oportunidade encontrada para anunciar planos de recrudescimento do discurso belicista e de exclusão.
Aos poucos, mas progressivamente, há sinais de que as partes se estão afastando e vigorosamente perseguindo uma agenda de fortificação militar.
O descalabro das negociações no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” demonstram que não se negociava de boa-fé.
Discernir caminhos ou tomar decisões promotoras de entendimentos é algo não acessível a todos, e importa que os moçambicanos realmente ajudem os seus políticos.
Os enxertos, arranjos que foram feitos e alcançados para constituir o presente Executivo mostram que, quando se tem vontade, alcançam-se entendimentos fundamentais. Tutelado ou não, Moçambique possui um PR, e este tem a prerrogativa de governar. Mas não tem a prerrogativa de fazer a guerra quando para isso não há razões que bastem.
Existe uma poderosa Comissão Política da Frelimo que tem o PR controlado e manejável. Não é difícil ver isso. Existem centros de poder no seio da Frelimo que não se importam que o país escorregue novamente para a guerra.
Existe uma Renamo revigorada com os seus êxitos eleitorais que não se mostra disposta a vergar e a “engolir novos sapos” até 2019.
Teremos já montado um palco para a guerra?
Tudo é possível, embora uma nova guerra não seja aquilo que os moçambicanos desejem.
Aos religiosos exige-se equidistância e o fim da promiscuidade com interesses políticos.
Aos políticos exige-se clarividência urgente que atenda aos verdadeiros interesses nacionais.
Aos moçambicanos exige-se tenacidade e resiliência para tudo fazer de modo a preservar a tão propalada PAZ. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 15.09.2015