Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Basta de mentiras oficiais desestabilizadoras.
O discurso actual vindo da Presidência da República sugere que a confiança tem de ser criada para que as partes se entendam. Mas convém acrescentar que as partes, em primeiro lugar, se devem respeitar como entidades com direitos políticos e económicos iguais.
Inventar uma “terceira força” como a protagonista dos ataques contra a caravana de AMMD é o mesmo que dizer que os nossos problemas, que a crise pós-eleitoral é fruto de acções protagonizadas por uma “mão externa”.
Face às incógnitas existentes quanto ao rumo das coisas, verificam-se sinais de fraqueza estratégica entre os que espalham versões desconexas dos acontecimentos no terreno.
Sabe-se que existem lacunas tecnológicas e de conhecimentos específicos em diversos sectores do país.
A qualidade dos recursos humanos existentes no aparelho de Estado é o que sabemos. É oficial que o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano reconhece que a qualidade do ensino ainda constitui um problema e, daí, temos de admitir que os porta-vozes da PRM e de outras entidades estatais e partipartidárias são abrangidos por esse problema.
Ninguém está chamando ao outro “burro”, ou algo que se pareça, mas as evidências comprovam que a PRM precisa de crescer e os seus porta-vozes de reciclagem.
De contrário, é complicado compreender certas declarações. Ou consideram que o público é ignorante e que vai “engolir” qualquer pastilha?
Quando se enchem páginas de jornais com entrevistas a “ilustres figuras” políticas e académicas que alinham todas no diapasão de que AMMD deve aceitar encontrar-se com FJN, convém ter atenção máxima.
É uma estratégia em andamento que se vai juntar a outras, quando as coisas derem para o torto.
O Quénia teve uma boa receita para a solução de crises pós-eleitorais e alguém deveria convidar Kofi Annan, seu mentor, para ajudar a negociar com seriedade uma saída que fosse airosa para as partes. Não é que ao nível local não haja sensibilidade e arte para lidar com o assunto.
Se quisermos ser honestos, temos de concluir que a credibilidade dos mediadores nacionais sofreu e que as nossas “eminências” também não possuem credibilidade e aceitação plena das partes em litígio. Há sinais claros de que são parte do problema e inclinadas a defenderem o “status”.
Temos uma comunicação social pública e outra privada apostadas em apresentar factos divergentes e deturpados numa perspectiva de “envenenamento puro” das mentes.
Face ao ocorrido em Amatongas, ataque à comitiva de AMMD, muito ainda se vai dizer e escrever, porque, do até dito por porta-vozes oficiais da PRM, fica claro que há informações contraditórias em circulação.
Quem metodicamente queima viaturas e deixa cadáveres carbonizados tem uma agenda específica.
Emboscadas ou ataques militarizados são operações planificadas e aprovados numa cadeia de comando hierarquicamente estabelecida.
Alguns analistas e comentaristas falam já da existência de uma terceira força que estaria interessada em ver Moçambique envolvido em mais uma guerra, mas isso parece um “conto de fadas”.
A transição do poder em Moçambique pode parecer pacífica, mas os factos ilustram o contrário. Há uma forte apetência por o que o poder ou a proximidade com ele pode oferecer.
De Chissano a Guebuza, assistiu-se ao embargo das iniciativas económico-financeiras do substituído, seus subordinados e conselheiros.
De Samora a Chissano, assistimos ao desaparecimento paulatino do “entourage” de Samora. Com FJN no poder, ainda não está claro como este vai gerir os “dossiers”, mas decerto que vamos ver emergir uma nova “entourage”. É preciso que se conheça a dança de momento.
Ainda não é Mapiko, mas a Marrabenta já não brilha como antes.
Abandonar um “pasto verde e húmido” não se faz de ânimo fácil nem leve.
Precisa haver clarificação de agendas em Moçambique, pois de contrário haverá barbaridades e violência.
Quando se está realmente comprometido com a PAZ, actua-se de forma correspondente e não se esconde por detrás de discursos repetitivos insonsos.
Há equívocos e inverdades do passado que se continuam a defender e a propagar numa acção típica de quem quer continuar a impor a sua verdade dos factos.
Não se vai alterar o curso da história através da mediatização das proclamações de uns em detrimento dos outros.
Os “deficits” de confiança entre as partes nunca foram tão baixos, o que, em si, é um perigo para a estabilidade nacional.
Aparecem muitos especialistas em resolução de conflitos “inclinados”, lançando o seu veneno para um só lado. Os moçambicanos não sofrem de amnésia, e sucessivas campanhas de “lavagem cerebral” não surtiram os efeitos que alguns desejavam.
Sem uma determinação acima dos interesses privados das partes e sem respeito concreto pela moçambicanidade de todos, podemos estar “semeando ventos” que se traduzirão numa guerra pelos recursos.
Acima do egoísmo e do egocentrismo existe Moçambique e o seu povo.
Acima de partidos políticos, de sumidades, de combatentes pela independência e pela democracia, existem milhões de moçambicanos ávidos de paz e tranquilidade.
O nível de aquecimento político-militar denota a existência de inexistência de uma liderança digna desse nome.
Não pode um “ou tudo ou nada”.
O que eram antes os factores de divergência e beligerância teve uma morte natural, e não deveríamos ver irmãos desavindos por questões que se resumem ao acesso à riqueza, a negação de um Estado de Direito pleno de conteúdo.
Não há bruxos nem videntes que possam oferecer uma solução que não queremos. O país está em perigo porque não há indícios firmes de que as suas lideranças já tenham compreendido que guerreando não se chega a lado algum. Teremos vitórias militares acompanhadas do aumento do ódio recíproco. E com ódio não se constrói um país.
Travar a barbárie e levantar a bandeira de Moçambique é uma exigência nacional, um verdadeiro imperativo nacional.
Moçambique não pode viver de versões de ataques com protagonistas desconhecidos.
Tempos de crise e difíceis são momentos graves que exigem responsabilidade e sobretudo capacidade de enxergar o que é mais importante.
Engana-se quem pensa que irá tirar dividendos de uma nova guerra em Moçambique.
Os que fornecem armas serão os únicos beneficiados, ficarão com a “parte de leão”, e aos moçambicanos caberão as mortes injustificadas, o exílio e mais ciclo de penúria atroz.
Desmontar os factores da beligerância, derrotar os falcões da guerra vai requerer vontade de criar consensos, confiança e respeito mútuo.
Convenhamos que os discursos virulentos e cheios de ódio indisfarçável de alguns compatriotas atiçam os ânimos e promovem a exclusão no país.
Ao abrigo da militância ou da filiação partidária, qualquer que seja, não justificam regressos ao passado.
Urge ultrapassar a era da catalogação dos outros em “marginal, “diabo” ou qualquer outro adjectivo, porque não vão trazer a paz e estabilidade.
A dissonância que se regista no seio da Frelimo para com o seu Governo indicam que há coisas por afinar entre as duas entidades.
É preciso libertar os “libertadores” dos seus medos e receios em relação a um futuro em que a Frelimo se veja na posição de opositor no país em geral.
Afinal, qualquer alternância democrática do poder não é o perigo em si. O problema é exactamente insistir na imposição de uma visão da história em que uns são os “anjinhos e os outros são os diabinhos”. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 29.09.2015