Fez parte do primeiro grupo de moçambicanos que conseguiu colar por quase toda a cidade de Xai-Xai, província de Gaza, panfletos sobre a existência da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e os seus propósitos.
Ficou presa a tentar chegar à Tanzania, mas nem por isso se arrepende das decisões que tomou porque hoje vê o país livre e a progredir rumo ao desenvolvimento.
Falamos de Juvenália Muthemba, uma mulher que, tal como as outras moçambicanas, decidiu abandonar os seus estudos e família para se juntar a outros nacionalistas que lutaram pela libertação do país do colonialismo português.
Hoje, pela passagem do 25 de Setembro, Dia das Forças Armadas de Libertação de Moçambique, o “Notícias” entrevistou uma das mulheres que deu de si para a defesa da causa nacional, paz, progresso e desenvolvimento.
Encontrámo-la nesta quarta-feira no decorrer da III Sessão Extraordinária da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), na Matola, província de Maputo. Ela partilhou connosco um pouco da sua narrativa de vida e o orgulho que tem de ver as moçambicanas a se envolverem cada vez mais em diferentes frentes de luta pelo bem-estar de Moçambique.
“A mulher teve uma participação efectiva na luta de libertação nacional, embora inicialmente houve ideias de que ela não iria conseguir. Eu infelizmente não participei directamente na luta. Tentei ir e fiquei presa. Militei mais na clandestinidade”, observou.
O envolvimento desta mulher na luta de libertação nacional iniciou numa altura em que ela tinha 17 anos, quando junto de outros estudantes decidiu no dia 24 de Dezembro de 1964 distribuir panfletos sobre a Frelimo por quase toda a cidade de Xai-Xai. O trabalho foi feito durante a noite para despistar o olhar da PIDE - Polícia Internacional de Defesa do Estado - cuja missão era de perseguir, prender e interrogar todo indivíduo que era visto como inimigo da ditadura do então regime de António Salazar.
A emboscada da PIDE
Para não ser presa Juvenália Muthemba decidiu, juntamente com outros jovens, fugir para a Suazilândia para de lá ir dar à Tanzania, onde estavam os outros moçambicanos a se preparar para a luta de libertação nacional. Contudo, conforme contou, viu seu sonho de chegar à Tanzania fracassar quando ficou presa e explica como foi: “Quando chego lá (Suazilândia) na véspera tinha acabado de sair o camarada Armando Guebuza, a camarada Josina, a Adelina Paindane e outros, porque a orientação da Frelimo era de sairmos em pequenos grupos, mas como a PIDE já sabia da existência deste grupo lá na Suazilândia organizou polícias para ir montar uma armadilha à chefia do nosso grupo. Então acabámos saindo todos de uma vez de camião de um bóer (sul-africano descendente de colonos holandeses que implantaram o regime do “Apartheid” na África do Sul) que nos prometeu lavar até à Tanzania. Atravessámos a fronteira e só nos vimos em frente de uma cadeia na África do Sul, onde ficámos retidos por algumas horas e dali encaminhados para Ressano Garcia, onde estava a PIDE à espera com os seus cães e comboio para nos transportar”, explicou Juvenália Muthemba.
Enquanto permaneciam na cadeia sul-africana, segundo ela, a esperança dos moçambicanos era de serem deportados para a Suazilândia, que era o país de origem. Contudo, nada disso aconteceu, a PIDE encarregou-se de lhes tirar de Ressano Garcia directo para a Cadeia de Mabalane, no território nacional.
“Nós é que inaugurámos aquela penitenciária, porque na altura ainda estava em construção. Ficámos presos por apenas dois meses, porque o camarada Eduardo Mondlane fez um bom trabalho de reacção em relação à nossa prisão. Penso que a PIDE o que pretendia era matar a todos (75 moçambicanos)”, referiu.
Inspirei-me na Josina
Para se juntar ao movimento de mobilização para libertação da pátria, Juvenália Muthemba fez saber que ganhou coragem ao ver a sua irmã (Josina) empenhada na causa, mesmo depois de presa. “Quando a minha irmã ficou presa e saiu da cadeia procurámos saber sobre esse movimento e ela explicou que a Frelimo estava a lutar para libertar a pátria, simpatizei-me com a ideia e procurei desde essa altura juntar-me ao grupo”, explicou.
Para além de ter a irmã como espelho, a nossa fonte conta que ganhou mais coragem quando teve a oportunidade de ouvir do arquitecto da unidade nacional, Eduardo Mondlane, sobre os propósitos da Frelimo para o país.
“O camarada Mondlane veio a Moçambique, se não me engano em 1961, e reuniu-se com os jovens em Gaza. Fui um dos jovens que esteve no comité de recepção e recordo-me muito bem que ele teve um pequeno encontro connosco e nos disse: vocês jovens só têm que estudar e estudar muito porque o país vai precisar de vocês, então estudem pois o regime que está a dominar não é a favor dos moçambicanos, nós próprios queremos gerir Moçambique. É daí que ganhei este espírito de patriotismo e nacionalismo, juntei-me a outros e ingressei na Frelimo”, disse.
Hoje Juvenália Muthemba é reformada e diz não se arrepender por ter participado na luta de libertação nacional, apesar de ela ter mudado o rumo de sua vida, porque quando saiu da prisão e regressou à casa teve que optar por procurar trabalho para ajudar a mãe a cuidar dos irmãos mais novos, porque o pai e a irmã mais velha estavam presos pelo regime colonial. “Trabalhei numa fábrica de vestuário e cortinados como escriturária e dactilógrafa. Não me arrependo por ter participado na luta de libertação”, atira.
Os jovens devem estar preparados para o amanhã
Juvenália Muthemba diz estar feliz por ver o nosso país a caminhar rumo ao desenvolvimento, embora esteja preocupada com os discursos de ameaça de retorno à guerra proferidos pelo líder do maior partido da oposição no país, Afonso Dhlakama.
“O nosso país está a crescer, a única dificuldade que nos retardou foi a guerra de desestabilização. Como sabem, durante os 16 anos de guerra muitos bens que nós tínhamos foram destruídos. Mas eu penso que agora com o trabalho que a Frelimo está a fazer estamos a reconstruir o país. Só que agora os movimentos do senhor Dhlakama já nos preocupam, porque nem sequer aceita conversar com o Presidente da República, que já se predispôs para o diálogo. Isso nos preocupa, porque os nossos filhos, os nossos netos, vão voltar a viver a guerra no país e é o que nós não queremos”.
Para a nossa fonte, a mulher não está alheia ao desenvolvimento, pois preocupa-se em estudar, “porque a educação é um dos factores que garante o nosso ingresso a várias áreas socioeconómicas do país. Nós temos muitas mulheres que estão em cargos de direcção, muitas mulheres que estão na Assembleia da República e isso engrandece-nos”.
Para os jovens Juvenália Muthemba deixa um conselho: “Penso que devem sempre ouvir os conselhos dos combatentes para poderem também continuar com a luta. Como vê, é uma luta que não pára. Então os jovens devem estar preparados para o amanhã”.
NOTÍCIAS – 25.09.2015
NOTA: Sendo a PIDE tão “presente” como é que Mondlane em 1961 teria tanto espaço para falar com tanta gente em “independência” e “luta armada”, como tantos propalam?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE