Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Os que abocanharam o país bem sabem disso.
Se quisermos ser minimamente honestos, é preciso que se desconstrua a falácia de que existe uma “mão externa” interferindo nos assuntos moçambicanos.
Uma “mão externa” apoiando uma suposta desestabilização.
Uma “mão externa” interessada que o país retorne à guerra.
Existe toda uma arquitectura e razões de sobra para se concluir que as sucessivas crises que têm apoquentado Moçambique são de origem interna, endógena.
O que de externo se possa apresentar é fruto directo de decisões internas.
Quem, em conluio com interesses internacionais, decidiu que se deveria instituir o partido único foram moçambicanos e não alguma “mão externa”.
Quem se decidiu pela exclusão e apoiou assim como implementou fórmulas de governação fortemente centralizadoras foram moçambicanos. Quem adoptou um Estado fortemente policial também foram moçambicanos.
Quem se apresentou aos moçambicanos como puro e revolucionário foram determinados moçambicanos pretensamente marxistas-leninistas.
Depois de alguns anos, o “verniz” do “marxismo-leninismo e maoísmo” com que vinham revestidos de Nachingwea e Dar es Salaam estalou e ficou-se a ver o que realmente eram.
Os que se instituíram como “donos em exclusivo do país são a mão interna” que colocou as suas agendas privadas no topo de tudo.
Há uma realidade que não se deve ignorar e outras coisas que procuram ser apresentadas como verdades, mas que, na verdade, são falácias destinadas a vender “gato por lebre”.
Há interesses muito fortes detidos por integrantes da “mão interna” que importa defender a todo o custo.
Quem quiser entender como as coisas se organizam em Moçambique não terá dificuldades, pois é só verificar a lista dos mais ricos do país circulando na internet. Os que figuram naquela lista são os que sempre governaram. Fora da lista, mas aparecendo a olhos vistos como parte dos que seguram o edifício da exclusão, podem-se encontrar figuras importantes com uma ligação e participação forte na luta anticolonial.
Há uma centralização de agendas entre políticos-ideólogos e militares da velha guarda. A esta associação de conveniência e por conveniência se juntam novas forças e tendências que entenderam e perceberam que se tinham de juntar ao núcleo para participarem no banquete nacional, mesmo se a título periférico.
Na busca de soluções sobre problemas políticos há que ser perspicaz e atento da mesma forma que os médicos fazem o diagnóstico de doenças.
A mediatização promovida nos meios de comunicação social sobre “assuntos quentes” à medida e conveniência do “grupo de cidadãos de primeira” deve ser vista como uma estratégia de manutenção poder.
Quando surgem vozes de nomeada a defender um percurso que se tornou sinistro alegando razões conjunturais de internacionais, estamos perante um processo de defesa que se tornou cultura política no país. Sob alegações de tradição revolucionária, apresentam os seus excessos como forma de defender a Independência e a soberania.
Não se podendo negar que alguma verdade existe em parte do que dizem ou propalam, importa separar criteriosamente aquilo que são “fantasias revolucionárias” características de um período de forte instrumentalização dirigido e orquestrado por potências hegemónicas da altura.
Uma “oferta” de poder e grandeza foi entendida como meio de apoderarem-se de Moçambique.
E assim sem hesitações o fizeram.
Como corolário de acções concretas, o país desviou-se para uma guerra fratricida, objecto de várias interpretações.
Agora que a sopa se tornou indigesta para a maioria dos moçambicanos, a defesa do modelo falido é a lavagem cerebral executada minuciosamente por um conglomerado de especialistas situados na comunicação social, na academia e em centros restritos de pensamento adstritos ao antigo partido-Estado.
A invenção da tristemente famosa “mão externa” como fonte de desestabilização visa defender essencialmente um partido que tem vindo a perder influência e o controlo da situação.
Se antes as coisas se encontravam controladas, através de um forte aparato de policiamento e de repressão, os ventos da democracia trouxeram instabilidade nas hostes do partido no poder e inviabilizaram de maneira progressiva as suas posições.
Hoje, sob escrutínio cada vez mais esclarecido e inteligente de forças políticas opositoras e de sociedade civil que se demarca de seus tutores anteriores, Moçambique entra em capítulos novos da sua história.
O que era antes aceite sem reclamações, hoje é matéria de acirrada luta política.
De maneira claramente programada sucedem-se “marchas de paz” que não ganham tracção porque a maioria entendeu que são mais um instrumento de contrapressão por parte de quem está vendo a “água vaporizando-se”.
Mesmo contando com uma comunicação social pública claramente subserviente e obediente às forças do antigo partido único, o “braço-de-ferro” não abranda, e os receios de radicalização persistem.
Um dos perigos existentes é que as partes façam diagnósticos errados dos quais resultem prescrições erradas de terapia.
Os que são a favor de um diálogo renovado e substancial não devem desistir. Que as partes ex-beligerantes falem e se entendam em prol da paz e da estabilidade.
Mas urge que do Governo surjam sinais indicativos de compromisso com uma gestão adulta e transparente dos meios públicos de comunicação social.
AIM, RM, TVM, “Notícias” devem ser objecto de inquérito parlamentar com urgência. A sua dimensão pública deve ser aferida e garantida uma linha editorial que seja consentânea com a agenda nacional de paz, concórdia e desenvolvimento.
Não podemos ter covis de conspiradores que executem actividades que alimentem sonhos de regresso a um passado de partido único, porque isso é factor primordial de desestabilização.
Os travões e empecilhos à paz são pontos de vista e considerações tidas como estratégicas, mas que desembocam no lamaçal e paralisia apreensivos em que se tornou
o panorama político nacional.
É interessante, necessário e oportuno que se marche pela paz, mas insignificante e com poucos efeitos práticos se isso acontece no quadro de mais estratégia de controlo de danos resultantes de um processo eleitoral muito pouco conseguido.
O tabu da omnisciência de alguns não só é injustificado como entorpecente.
Se antes era apresentado como defesa da linha revolucionária, hoje o disco é tocado uma letra que subentende o mesmo, mas apresentado com adjectivos de grafia diferente.
Os “colossos” de ontem não têm nada a perder se derem oportunidade a que coisas diferentes aconteçam na esfera política e económica do país.
Atrasar a democratização real e efectiva do país, por vias multifacetadas de manipulação e maquinação, pode parecer favorável a curto prazo, mas é perigoso, pois pode arrastar o país para aquela violência política que as “marchas de paz” encomendadas dizem não querer.
Há coisas de que os moçambicanos, pelo menos a sua maioria, se cansaram, e uma delas é continuar a engolir que existem “moçambicanos especiais” a quem o país pertence em exclusivo.
Um sinal de boa vontade e demonstração inequívoca de compromisso com a paz deve partir das partes ex-beligerantes. No lugar de se digladiarem nos palcos, deveriam encetar negociações sérias, preparadas com minúcia e uma substância que incorpore os “dossiers” vitais que todos conhecemos.
As variações retóricas e a beleza do verbo não substituem os anseios não concretizados da maioria dos moçambicanos.
Declamadores de poesia, artistas de teatro, exímios futebolistas querem-se nos seus respectivos domínios e não na política, porque aqui prestam-se a servir interesses que não são os do país e do seu povo.
A “mão interna” deve ser conhecida e divulgada, porque é um obstáculo concreto à paz. E os agentes da “mão interna” devem ser desamarrados. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 22.09.2015