Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Esse é o atestado de incompetência para políticos e governantes. Sem cepticismos nem querendo adiantar cenários ou conclusões de uma cimeira Europa-África que vai discutir a crise dos emigrantes, dá para dizer que sairão declarações de vontades, mas a situação em pouco se alterará.
Enquanto o emprego não existir e os salários não forem a miséria que são nos dias de hoje, será difícil travar jovens africanos de tentarem a sua sorte mais a norte.
Devido a uma política externa cheia de ambiguidades, os países europeus com uma história de potências coloniais mexem-se com dificuldade entre o que fazer e o que não fazer face ao fenómeno de uma vaga de migrantes jamais vista.
Décadas de uma “política de avestruz” privilegiando o acesso a recursos naturais dos países do Sul foram sustentando regimes ditatoriais e déspotas. Em algumas situações, a independência “concedida” tinha tantos travões e amarras que consubstanciou uma verdadeira neocolonização.
Um tratamento paternalista foi cimentando regimes pouco dados a tolerância e a democracia.
Agora, face à globalização galopante e à emergência de condições para “viajar” em busca de destinos mais acolhedores e humanizantes, os emigrantes africanos não receiam nem o deserto irregulado Sahara nem o Mediterrâneo.
Vive-se uma crise humanitária, política de dimensões superiores àquilo que a comunicação mostra nos seus despachos noticiosos.
Há que fazer alguma coisa, mas os políticos do Norte têm receios eleitoralistas, enquanto os do Sul continuam distraídos e preocupados com o seu rápido enriquecimento.
Países bafejados pela sorte de terem inúmeros recursos minerais e naturais nos seus territórios não conseguiram transformar essa vantagem comparativa em alavanca para o seu desenvolvimento.
A mediocridade conceptual e política fez dirigentes promissores abraçarem vias de desenvolvimento que se mostraram logros e caminhos para conflitos fratricidas pelo controlo dos abundantes recursos.
O que se tornou em fenómeno de primeira página nos jornais, relatos de mortos em barcaças no Mediterrâneo, precisa de diagnóstico apurado.
Não vale a pena escamotear factos nem ignorar evidências de que houve erros dos dois lados.
Quando uma ex-potência colonial apoia um “status” político fraudulento dá oportunidade a que a anormalidade seja tida e considerada como normal.
É todo um “establishment” que se recusa a encarar os factos e reconhecer que os atropelos às normas convencionais de convivência política republicana e democrática nos países do Sul agravam as condições de vida de milhões de pessoas.
A indigência e a precariedade governativa, a promiscuidade entre a coisa pública e a coisa privada são de tal modo prevalecentes que paralisam o ambiente socio-económico dos países.
Mais do que cimeiras espalhafatosas com declarações cheias de entusiasmo, a migração precisa de ser vista de maneira profunda, faseada e provocar um engajamento das partes que não deixe de tocar nos assuntos sensíveis em mão.
Migração é antes de tudo um assunto de natureza política e consequência de políticas governativas desajustadas das realidades dos países e dos anseios dos seus cidadãos.
Avaliações dualistas e tendenciosamente discriminatórias levam a que políticos e governantes acabem não enxergando a gravidade da situação. Milhões de pessoas desesperadas e sem esperança são um reservatório de instabilidade em várias vertentes. Cada emigrante é potencialmente um alvo fácil de recrutamento para milícias extremistas e facilmente vulnerável para missões terroristas.
Então, há que descobrir porquê a fábrica de emigrantes em África não pára de funcionar. Porquê, com tantas condições favoráveis, os países africanos não abandonam a lista dos mais pobres do mundo? Porquê os Governos se transformam em plataformas de enriquecimento privado dos seus integrantes, sem conseguir minorar os sofrimentos da maioria?
Cada contrato assinado entre um Governo africano e as corporações internacionais tem como resultado directo o reforço do poder e da fortuna dos governantes africanos e o aumento da pobreza dos seus concidadãos.
O caso do Sudão do Sul é paradigmático; através de cedência de direitos de exploração de petróleo, o Governo tem ido buscar armas à China sem qualquer tipo de restrição. Da guerra que rebentou naquele país, milhares são as vítimas, e a miséria ganha espaço em todo o país.
Já é tempo de encarar os assuntos de frente e sem constrangimentos resultantes de estereótipos de carácter racial, político ou religioso.
A governabilidade dos países merece uma atenção séria, que ultrapassa a chantagem eleitoralista.
Golpes de “marketing” político, como reformas agrárias ou constitucionais no Sul, têm efeitos de curta duração. Culpar os emigrantes do Sul por desaires económicos no Norte é um artifício meramente político, que não explica as causas do desemprego galopante naqueles países.
Uma cultura governativa que coloca os governantes fora do escrutínio popular e sem obrigação de prestação de contas promove a iniquidade e a impunidade.
O Sul, enquanto tal, pode fazer muito melhor, mas, num mundo de interdependência, importa ultrapassar políticas chauvinistas e reducionistas.
Atacar a questão da migração desestabilizadora e fonte de receios do alastramento do terrorismo na Europa ou América deve ser visto como algo de interesse internacional, em que cada Governo é chamado a intervir com responsabilidade e humanidade.
Não é momento de lançar culpas para a esquerda ou direita, mas de assumir que houve vista grossa generalizada para uma questão que se foi metamorfoseando à vista de todos.
A migração é um sinal claro do falhanço de um modelo de cooperação entre o Sul e o Norte. Mostra que a supremacia do Norte tem um preço que tem de ser pago através de políticas mais consentâneas com o desenvolvimento endógeno do Sul, e não com receitas macro-económicas de difícil implementação.
Os africanos estão fartos de comer estatísticas e “rebuçados” em tempo de campanhas eleitorais.
Os africanos também estão mais que fartos da vergonhosa cumplicidade das chancelarias ocidentais para com os grotescos “golpes de Estado eleitorais” em que se converteram as promessas de democracia.
Não se pode continuar a tolerar e a fomentar uma política de “um peso e duas medidas”.
Se a intolerância política é uma realidade em África e as guerras intestinas são um recurso de mão para os descontentes, é preciso travar a proliferação de armas.
O recurso a sanções debilitantes não pode ser esgrimido só para com o Irão, mas países conhecidos como violadores dos direitos humanos dos cidadãos. Quem se arma e equipa contra os seus concidadãos para inverter a tendência de voto e defender a manutenção ilegal e ilícita do poder não pode merecer apadrinhamento das chancelarias ocidentais nem orientais.
O cenário actual é claramente explosivo e perigoso. Um passo mal dado pode comprometer e fazer ruir anos de esforços internacionais para conter o terrorismo internacional e para a criação de condições para uma estabilidade internacional generalizada. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 01.09.2015