Atentado contra comitiva de Dhlakama na primeira pessoa
Por André Catueira, em Chimoio*
Num incidente com grandes repercussões políticas, a comitiva do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, foi recebida a tiro na noite do último sábado, próximo ao Instituto de Formação de Professores (IFP) de Chibata, em Manica, tendo sete pessoas sofrido ferimentos e três viaturas ficado ligeiramente danificadas.
A caravana automóvel foi metralhada por um grupo de homens, que disparou por cima de uma pequena colina junto à EN6, a estrada que liga Beira-Machipanda.
A coluna, na qual contei 17 viaturas, foi parada a tiros quase a 3 quilómetros depois do cruzamento de Tete, já em direcção a Chimoio, numa subida acentuada, após o rio Boamalanga (junto à empresa Agriterra), tendo os tiros sido disparados do lado esquerdo das viaturas.
“Estamos a ser atacados. Há tiroteio forte aqui”, alertou em chamada telefónica o jornalista Aníbal dos Santos, que seguia na viatura do deputado Saimone Macuiane, que estava mais próxima à “secreta” do líder, logo depois de a comitiva ter ficado imobilizada.
A chuva de balas incendiava a noite (19:30 horas), tendo a comitiva ficado baralhada e assustada, com os seus integrantes, sobretudo civis, correndo em sentidos opostos, enquanto o grupo de jornalistas tentava chegar junto da viatura de Afonso Dhlakama.
Chovia levemente na ocasião, e na corrida para alcançar a viatura do líder da Renamo, ouvíamos os gritos dos atacantes vindos da colina, logo seguidos de novos disparos. Um disparo de uma bazuca (RPG7) passa debaixo de uma viatura e explode na berma direita da estrada. A maioria, à excepção dos comandos da Renamo que se desdobravam para dar cobertura de segurança a comitiva, deitou-se de borco, junto aos pneus e até debaixo de viaturas.
“Deitem-se, deitem-se” gritava um dos atacantes a dois jovens – a cerca de seis metros da posição onde me encontrava também escondido – com um fotógrafo e um motorista junto ao pneu de um “Nissan” cabine simples, o único que estava mais afastado da estrada, junto à berma esquerda, na mata que dava acesso à colina.
O atacante vestia uma calça e camisa jeans, sapatilhas brancas e um colete militar à prova de balas, com carregadores de munições, empunhando uma arma, com a qual ameaçava o fotógrafo Arnaldo (da Renamo) para que ficasse deitado e em silêncio.
Novos gritos sugerem a retirada dos atacantes - mas os comandos da Renamo, incluindo o líder Afonso Dhlakama, que já tinham descido do carro e vieram à parte de trás da coluna para se inteirarem dos danos – consideraram de pedido de socorro dos feridos atacantes.
Na progressão da emboscada, os militares da Renamo responderam aos tiros e entraram no mato em perseguição dos homens, que os guardas da Renamo insistiam tratarem-se de elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da polícia governamental.
“Quando começaram os disparos, eu me apercebi e parei o camião, desci e plaquei até onde estava a viatura dos militares da Renamo. Fiquei junto deles quando disparavam contra os atacantes”, disse um camionista, que se identificou por Américo, descamisado e de sapatos na mão.
Depois de cessaram os tiros, Afonso Dhlakama ordenou pessoalmente que fossem contabilizadas as pessoas e os carros da comitiva, recusando o pedido dos militares que insistiam em ir atrás dos atacantes “para os pegar à mão”.
Conferidos um por um, entre deputados e jornalistas, Afonso Dhlakama ordenou que a comitiva continuasse a marcha para Chimoio. “Não está o homem da Rádio Moçambique?”, questionou Dhlakama. O repórter da rádio estatal tinha incluído a deslocação anterior.
A comitiva da Renamo foi atacada quando regressava de um comício em Macossa, onde no mesmo dia havia anunciado a instalação esta semana da sua administração e a implantação de um quartel, e se encaminhava para Chimoio, capital de Manica.
Danos
Dois militares da Renamo ficaram feridos pelos tiros mais um motorista que sofreu ferimentos com gravidade na parte da cabeça e no ombro. Um militar da Renamo disse ao SAVANA que houve quatro feridos entre os homens que insistiu em identificar como da UIR. Nenhum jornalista viu estes feridos.
O carro do presidente da Renamo foi atingido por uma bala, que perfurou a porta de frente e danificou um “colman” que levava refrigerantes, o que evitou que fosse atingido o pé do seu ajudante do campo.
Outras duas viaturas, a dos “seguranças” – com o mesmo modelo de jipe Nissan Patrol em que seguia o líder da Renamo, e na posição em que devia estar Afonso Dhlakama – ficou com o vidro para-brisas quebrado e com um pneu furado atingido por bala.
Nova ameaça
Após o ataque (que não durou mais de cinco minutos), e face à ameaça de uma segunda emboscada no rio Tembwe, com as mesmas características de Boamalanga (ponte seguida de uma subida acentuada), Afonso Dhlakama, que comandou pessoalmente o desdobramento da sua guarda, ordenou que fosse feita uma escolta da sua caravana a pé para os restantes 15 quilómetros até Chimoio.
A comitiva retomou a sua marcha cerca das 20:30 horas locais para Chimoio, onde só chegou por volta da meia noite.
Devido à fuga de um motorista e o ferimento de outro, um jornalista teve de conduzir um dos carros metralhados, enquanto o que ficou com pneu furado foi rebocado até à cidade de Chimoio.
Assassinato
O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, atribuiu à Frelimo, a “emboscada planificada” de que foi alvo, mas minimizou a situação “como se não tivesse acontecido nada”, adiantando que diálogo com o Governo pode continuar e que não teme a morte.
“Sou general e militar, aquilo foi uma emboscada planificada”, afirmou Afonso Dhlakama, em conferência de imprensa na sua residência, quase cinco horas depois do ataque, afiançando que “foi a Frelimo”.
O presidente da Renamo estabeleceu uma relação entre o momento do ataque e a circunstância de ter passado um quilómetro antes por agentes policiais, sugerindo que foram estes que deram o aviso para a passagem da coluna do partido de oposição.
“Quem estava mais preocupado eram os meus próprios homens da guarda, todos nervosos, eu a rir, a rir, porque, pronto, eu cresci e é quase comida essa confrontação”, afirmou, avisando a Frelimo de que a sua execução poderia virar-se contra ela.
“Se eu tivesse apanhado os tiros e morresse, vocês [jornalistas] participariam num enterro e entraria um malandro pior do que Dhlakama”, declarou o líder da oposição, que sublinhou a ascensão no seu partido de pessoas preparadas para a sua substituição.
Relacionando a eliminação de opositores com “o pensamento dos comunistas da década de 70”, o dirigente político lembrou que o primeiro presidente da Renamo foi abatido em 1979 e que “apareceu um Dhlakama mais perigoso do que o [André] Matsangaíssa”.
“Se calhar, a estratégia é péssima para a própria Frelimo”, considerou, definindo-se como alguém que “negoceia, perdoa e tolera”, em vez de “entrar um que pode atacar a Frelimo em 24 horas, partir tudo, e aí perdem todos”.
Afonso Dhlakama recordou que já foi alvo de ataques anteriormente, o último dos quais em 2013 em Satunjira, Gorongosa, e que não foi isso que o impediu de negociar.
“[O diálogo] não vai parar”, afirmou, desde que não sejam, observou, as conversações de longo-prazo há muito bloqueadas entre as duas partes em Maputo ou apenas “para apertar a mão [ao Presidente da República] para dizer que há estabilidade em Moçambique”.
Segundo o presidente da Renamo, a disponibilidade para negociar depende de “falar sobre o futuro em Moçambique enquanto moçambicanos” sobre coisas concretas e não “brincar com a Frelimo”.
Moçambique vive momentos de incerteza política, com o líder da Renamo a não reconhecer os resultados das últimas eleições gerais e a exigir a governação nas províncias onde reclama vitória, sob ameaça de tomar o poder pela força.
Governo e Renamo não chegaram a um entendimento sobre o desarmamento do partido de oposição, que abandonou as negociações de longo prazo com o Governo em Maputo e nas últimas semanas têm ocorrido episódios de violência entre as duas partes na província de Tete, no centro do país.
O líder da Renamo anunciou a instalação de um quartel em Morrumbala, província da Zambézia e a criação de uma polícia do partido, ao mesmo tempo que se recusa a encontrar-se com o Presidente, Filipe Nyusi, alegando que só o fará quando forem cumpridos integralmente o Acordo Geral de Paz, assinado em Roma em 1992 e o Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, em Setembro de 2014.
Polícia nega autoria
Contactado o comandante da Polícia de Manica, Armando Mude, negou a autoria da emboscada no sábado contra a caravana do líder da Renamo, e atribuiu o ataque a um grupo de desconhecidos.
Armando Mude, que vestia um colete à prova de balas, começou a conversa com a definição de emboscada, a que classificou como “tratar-se de homens armados ou guerrilha que fecha um grupo de viaturas para disparar”, e depois descreveu o incidente como simples “tiroteios”.
“Quem disparou não consigo descortinar”, afirmou Armando Mude, que contou que “a informação que tenho é da existência às 19:30 de um tiroteio, um pouco depois do cruzamento de Tete. Eu não consigo chegarlá, por tratar-se de uma caravana de homens armados [da Renamo], com um efectivo de cerca de 40 a 50 homens”.
Na minha estimativa, haveria cerca de 30 elementos armados da Renamo na comitiva.
Quase vinte minutos após cessar o confronto, vi uma viatura da UIR lotada cruzou o local do incidente, fazendo o sentido Chimoio-Manica, sem parar. Dez minutos mais tarde uma ambulância, com os sinais de emergência, também passou pelo local, sem parar.
“Não consigo chegar lá, e não consigo mandar a Polícia para lá, porque trata-se de uma caravana de homens armados e depois é noite, é complicado”, sublinhou Armando Mude, sugerindo que posteriormente a Polícia traria dados consistentes sobre o incidente.
A guarda da Renamo respondeu aos tiros e entrou no mato em perseguição dos atacantes, que jornalistas, militares da Renamo e o próprio Dhlakama no local identificaram como elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), das forças de defesa e segurança moçambicanas.
Os mesmos militares disseram estar na posse de quatro elementos feridos da UIR, que seguiram para Chimoio, transportados por elementos da Renamo, antecipando-se ao resto da comitiva.
“Não sabemos quem disparou”, insistiu o comandante provincial da PRM, alegando que “ou a Renamo entrou na emboscada ou fez a emboscada”, o que sugeria haver na província um grupo de “terroristas à solta”, com armas pesadas e bazucas e, sobretudo com ousadia de atacar uma comitiva de homens armados e cuja motivação se desconhece.
Desinformação
Ainda no local várias chamadas foram chovendo nos celulares, incluindo para os jornalistas, “informando” ter havido um acidente de viação envolvendo a caravana da Renamo e que vários feridos estavam a caminho do hospital provincial de Chimoio.
Já no hospital provincial de Chimoio, uma fonte médica informou os jornalistas que uma equipe de emergência estava preparada para receber acidentados da comitiva de Dhlakama, o que sugeria que havia sido preparada uma versão fabricada da emboscada.
“Vim manifestar minha profunda tristeza com alegações de simulação do ataque e acidentes de viação. Entristeço-me ainda quando insistem que na comitiva não havia jornalistas enquanto assisti tudo acontecer”, disse ao SAVANA, Desventura Tomé (pseudónimo, pois pediu para não ser identificado), um jornalista que presenciou o ataque, sobre a desinformação em torno do incidente por vários círculos ligados ao governo local e à Frelimo.
“Houve tiroteio claro para tirar vida de alguém. Eu testemunhei o confronto, isso aconteceu. Os políticos até podem tentar banalizar a informação, mas eu presenciei o ataque, é um facto”, disse ao SAVANA Aníbal dos Santos, jornalista da Rádio comunitária GESOM de Chimoio, que seguia na comitiva.
Bernardo Jequete, correspondente da DW África, que também seguia na comitiva, reconstituindo o ataque, descreveu-o como “vergonhoso”, adiantando que se não houvesse a presença de jornalistas no local várias versões falsas dos confrontos seriam alimentadas.
*O colaborador do SAVANA viajava na caravana da Renamo acompanhado por mais quatro jornalistas: Aníbal dos Santos, Bernardo Jequete, Luís Fernando. Um quarto profissional pediu para o seu nome não ser mencionado dado que está a sofrer pressões da sua redacção em Maputo.
Por André Catueira, em Chimoio*
SAVANA – 18.09.2015
NOTA: A PRM deverá estar a pensar que às vezes é melhor não sair de casa...
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE