Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Para além das vantagens pessoais repousam os alicerces reais da PAZ.
Essa é a realidade que não se pode fintar ao sabor das habilidades dos jogadores em presença.
Há escolhas a serem feitas e não todo o tempo do mundo para fazê-las. O que se demora a tomar uma decisão relativa a um assunto concreto, de dimensão nacional e de impacto transversal tem consequências demasiado importantes.
Há uma declarada tendência de conferir importância especial a assuntos de bolso, aos assuntos dos bolsos e contas bancárias privadas.
Aos assuntos com relevância para o país e para os seus cidadãos trata-se com leveza e muitas vezes indisfarçadamente como “não-assuntos”.
É toda uma carga histórica e de valores políticos e culturais contribuindo para posturas que contrariam os interesses do todo e colocam o privado acima do geral.
Chegou-se à Independência Nacional num autêntico reboliço ou caldeirão ideológico e de concepções.
Após tentativas de enxertar preceitos e práticas socializantes ou marxistas-leninistas num tecido social tradicional e ocidentalizado, as pretensões foram abandonadas quando o Governo se viu órfão do seu fornecedor de armas e de ideologia, a URSS.
Veio a guerra civil, que também se pode chamar de terceiros, vieram os tempos dos excessos e da fome. Vieram os dias das matanças dos opositores políticos e dos campos de reeducação, de que alguns guardam memória e gostariam de ver repetidos, vieram as vitórias e derrotas militares jamais descritas em crónicas.
Agora, depois de tantas esperanças de que o AGP se consubstanciasse em paz efectiva, e uma sociedade gerida em moldes democráticos emergisse, os moçambicanos chocam-se mais uma vez com logros arquitectados por políticos que se têm por astutos e infalíveis.
Esta fórmula foi denunciada por milhões de moçambicanos em sucessivos processos eleitorais, mas uma máquina afinada e sofisticada de adulteração da vontade popular impediu que as vitórias justas e limpas fossem proclamadas e homologadas.
Com a chegada da crise decorrente da palhaçada eleitoral de Outubro de 2014, e face à relutância de os verdadeiros vencedores aceitarem o veredicto homologado pelo CC, verifica-se uma atrapalhação estratégica por parte dos “arrancadores da vitória”.
O PR está colocado numa situação difícil de ter que lidar com um “dossier” e uma herança para a qual não estava preparado. Foi-lhe dado um “presente envenenado”, que ele tem de gerir com uma atenção especial, pois qualquer passo em falso pode ser a faísca que provoca a explosão.
O que se verifica e se pode constatar é que existe uma obsessão pelo poder. Um grupo de “distintos” moçambicanos não se consegue ver na oposição, embora sinais concretos como as sucessivas derrotas autárquicas indiquem que uma derrota geral estava em hibernação. Há um entendimento generalizado de que, num jogo sujo, o vencedor tornou-se derrotado e o vencedor proclamado, uma vez assegurada uma base mínima de funcionalidade, já não quer respeitar acordos de cavalheiros.
A máquina partidária de suporte do executivo governamental dá por encerrada uma questão que se apresenta aberta e tornando-se a cada dia num foco de instabilidade.
Mas quando se exige seriedade e alta capacidade de análise e de negociação, choca-se com cenários de irredutibilidade, de inflexibilidade e de relutância em aceitar-se compromissos, ceder para receber.
Movidos e imbuídos numa controversa tese de “empoderamento” ilícito rápido copiado dos manuais do “Empoderamento” Económico Negro da vizinha África do Sul, a elite político-financeira moçambicana não consegue descortinar o que realmente garante a sua sobrevivência.
Os “libertadores” entregaram a tocha a uma nova geração, mas, na realidade, continuam a controlar os instrumentos do poder.
Um deles até teria dito no passado que receavam entregar o poder porque a nova geração poderia vender o país. Mas o que sobressai é que receiam as derrotas que se acumulam e que revelam que o seu modelo e prescrições para o desenvolvimento de Moçambique tem falhado e sido realmente recusado pela maioria dos moçambicanos.
Quem se refugia na ditadura, na imposição e no despotismo é um perigo para a democracia, e isso tem sido visto todos os dias.
Quem ganha “arrebanhando” professores para participarem e concretizarem fraudes é um perigo real para a moçambicanidade envolvente e concreta.
Quem vende “Unidade Nacional” como panaceia para todos os nossos problemas, mas que, na realidade, fecha o acesso e promove assimetrias, sente-se em perigo quando emergem forças sociais e políticas fazendo exigências democráticas.
Quem negoceia com o objectivo de adiar o óbvio e as reais aspirações de milhões dos seus compatriotas, coloca-se contra o bem geral em defesa das suas vantagens privadas.
Por detrás do monte também é Moçambique e, se não houver capacidade de entender que este país ou se compartilha e se generaliza o acesso às oportunidades para os seus cidadãos, teremos a continuação de problemas e de crises.
Não são as contas bancárias engordadas nos tempos da cor única que devem fazer os “camaradas” temer por cenários diferentes.
Haja a coragem de fazer as leituras apropriadas e apreender o que realmente faz falta ao país e aos moçambicanos.
O desfile da parte da “intelectualidade” medíocre nos ecrãs televisivos não vai alterar em nada o tipo de reivindicações feitas com legitimidade pelos moçambicanos.
Há um manifesto cansaço social, tanto foi um entulho digerido ao longo dos anos.
Anos de Governo-comissariado, em que fórmulas centralizadoras passeavam a sua classe sem oposição, encontram agora quem reclame e lute por plataformas diferentes.
É tempo de trazer credibilidade e dignidade para a governação, e isso passa pela capacidade de se produzirem entendimentos reais concretos.
Sem subterfúgios, sem jogo sujo ou inquinado, sem complexos de superioridade, os moçambicanos exigem que os políticos nacionais abracem uma agenda nacional de concórdia, de paz, de inclusão, de democracia.
Neste desiderato ninguém perde coisa alguma. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 08.09.2015