Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Moçambique à mercê de aves de rapina
Da maneira como estava tudo esquematizado ao pormenor, não seria matematicamente possível vencer as eleições de Outubro de 2014.
Alguém já havia investido num resultado que não permitisse uma segunda volta nas presidenciais e uma folga confortável ao nível das legislativas. Os resultados “válidos” foram controlados minuto a minuto para que não houvesse surpresas.
Quem engendrou um processo de “procurement” eleitoral em benefício de “camaradas de confiança” faz parte da elite político-financeira moçambicana. Mas é aquela elite que sem o “estomacal” à frente não fica definida.
A megafraude eleitoral de Outubro de 2014 tem mentores, executores e protectores num afinado e compartimentado processo.
Após a “privatização moscovita” do parque industrial estatal bem como do que sobrava
do parque agro-peco-industrial, Moçambique entrou na senda de construção de uma burguesia assente nas assinaturas dos titulares dos cargos públicos. O “cabrito come onde está amarrado” tornou-se na divisa da República, e daí não mais se parou, mesmo quando o regime do “comissariado político” tomou o poder.
“Camaradas” e gente relacionada tomaram conta dos “dossiers” nacionais de uma forma clubista fechada.
As portas só se abriam para quem merecesse confiança. Destacados dirigentes do Estado e do partido no poder alimentaram essa tendência e nem hesitavam em falar em público sobre a necessidade de privilegiar a confiança política para as nomeações de quadros.
Governar tornou-se numa plataforma de enriquecimento rápido e ilícito que a impunidade judicial garantia. Governar tornou-se num processo de distribuição de favores para as pessoas que faziam parte da fauna acompanhante e “tocadores do batuque”.
Na verdade, foi assim que se construiu o edifício da fraude como forma de chegar ao poder e de manter o poder. Os nomeados para as empresas públicas cedo compreenderam que assegurar as suas posições e regalias exigia sacrificar a verdade e o mérito. A verticalidade e a honradez desaparecem óbvia e rapidamente do mapa.
O país foi paulatinamente crescendo sob valores contrários aos preceitos de gestão da coisa pública.
Uma das formas agressivas de infiltração política e utilização indevida e ilegal de meios do Estado ou públicos foi o que se tem visto as cúpulas das empresas públicas fazendo em épocas eleitorais. Tudo o que sejam veículos requisitados ou fundos é entregue solicitamente ao partido. Basta um telefonema, e por vezes nem isso, para que aquilo que é público seja entregue ao partido dos “camaradas”. Provas documentais de ilícitos dessa natureza obviamente que não chegam longe, pois o sistema judicial criteriosamente montado à base da mesma confiança política de sempre encarrega-se de arquivar, sob as mais variadas alegações.
E obviamente que os doutos-analistas ao serviço da manutenção do poder não ousam tocar em temas como esse. A comunicação social solícita e subserviente foge desses assuntos porque são tabu e autêntica linha vermelha que não se pode atravessar.
Cada uma na posição ocupada sob as mais disparatadas máscaras executa aquilo que foi previamente estabelecido e decidido. É uma máquina oleada e eficiente.
Quando é necessário, até os serviços de registo civil, de notariado e de saúde vão à sede local do partido Frelimo para autenticar a legalidade dos membros da OJM e afins, participarem nos pleitos eleitorais como MMV e outras funções. Os que estão à frente da gestão do STAE têm instruções claras para que nada falhe, e cumprem-nas escrupulosamente, porque sabem que disso depende sua vida material. Afinal, faz parte do esquema, e ninguém se atreve a desafiar a poderosa máquina.
No arsenal dos mentores da fraude existem outras alternativas que se situam no campo da exploração das novas tecnologias de comunicação e informação.
Juntando os pedaços, os cozinheiros mestres ainda contam com os preciosos serviços das forças policiais, que criteriosamente executam manobras de intimidação e detenção, em casos julgados prioritários, para assegurar a execução da fraude.
Um dos critérios para avaliar um país é a qualidade da elite nele existente.
Quando a elite é tão sofrível que nem merece tão nobre nome, tem-se um país recheado de vícios e pouca ou nenhuma vontade de erradicá-los.
Moçambique paulatinamente se tornou no “país das cinco famílias e os generais”.
Uma listagem das mais poderosas fortunas do país pode confirmá-lo.
Os que não pertencem a esse núcleo, mas que se apresentam como os novos-ricos, são parte do grupo da “fauna acompanhante” subserviente.
São os que com estatuto de elite se esforçam “criativamente” para defender os primeiros.
Os “patriarcas” e os generais agradecem com cargos e mordomias.
Instalado que está o tráfico de influências, a máquina funcionou até que os moçambicanos “acordaram” mesmo, que, na realidade, nunca tinham adormecido para a realidade do país.
Vive-se num país doente e nem as potencialidades existentes ajudam a vencer a crise.
Os detentores do poder não se deram conta nem acreditam que a funcionalidade plena do país depende da capacidade de compartilhá-lo.
Face à crise pós-eleitoral, a opção escolhida parece ser empurrar o outro contra a parede até que aceite engolir mais sapos malcheirosos.
Os que são considerados elite em Moçambique sofrem de miopia grave, porque distorções estratégicas os impedem de entender que estão sentados num barril de pólvora. Moçambique e os moçambicanos recusam-se a viver numa situação em que as leis são feitas, mas não cumpridas.
Sem terra e se água, sem emprego nem educação de qualidade, sem saúde nem tecto, como podem milhões de jovens viver?
Os crimes hediondos de que se fala, assassinatos de albinos, raptos, assassinatos politicamente motivados, intranquilidade generalizada precisam de um Governo e força sociais activas para que se possa reverter o quadro.
Um Governo que se tenta instalar e fazer-se ouvir está precisando de ajuda que a elite local não consegue dar. Com “todos” preocupados em adquirir mais um milhão de meticais ou mais um milhar de hectares, resta pouco tempo para pensar proactivamente.
As “lágrimas de crocodilo”, mesmo que mediatizadas e com direito a horário nobre nas televisões “convenientes”, não vão resolver os problemas graves que o país enfrenta.
Impõe-se que a “Rádio das Mil Colinas”, RM, e as suas congéneres televisivas se reformulem e olhem para Moçambique não como “quintal privado” das cinco famílias e os generais.
É preciso não ter medo daquilo que sabemos que são os condimentos para uma paz digna.
Uma elite-avestruz jamais poderá liderar. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 23.09.2015