Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Por conveniência ou por incapacidade?
– É frequente verificarem-se situações aparentemente desassociadas servindo interesses de pessoas que não tem relacionamento directo.
Em Moçambique, entre crimes políticos, crimes eleitorais e crimes de delito comum há algo interligando tais fenómenos.
O que não deixa o sistema judicial e as forças de segurança pública, PRM, fortificarem-se de modo a lidar com rapidez e fluidez com crimes são os antecedentes de formação do Executivo e dos outros sistemas que compõem o figurino democrático clássico.
A sucessão de assassinatos não esclarecidos é, em si, esclarecedora.
Há forças como que embebidas no aparato legal que não deixam nem permitem que se encontrem caminhos concretos para o esclarecimento de crimes bárbaros e repugnantes.
A inacção ou inconsequência face à escalada galopante de crimes não esclarecidos é reveladora de um estado de coisas arrepiante, característico de um colapso do Estado e das suas instituições.
À primeira vista, uma afirmação com este teor pode parecer um absurdo e um autêntico exagero.
Uma República normal trata dos seus problemas, e quando não tem recursos ou capacidade de fazê-lo, recorre à cooperação internacional para consegui-lo.
De crimes atípicos a outros, há matéria mais do que suficiente para que seja tomada uma decisão política de vulto.
E porque tardam as medidas apropriadas e adequadas para lidar com toda uma gama de irregularidades, crimes e delinquência política?
Existem evidências que ilustram algo do que deve estar acontecendo.
Um arreigado hábito de gerir assuntos com base em estratégias centradas na manutenção do poder tem como consequência que se subestimem situações importantes, senão cruciais, no processo de consolidação de um Estado que nasceu com problemas congénitos de saúde. Ninguém quer ou pretende reescrever a História de Moçambique.
Poderia ter sido melhor, mas circunstâncias específicas e todo um conjunto de interesses, assim como o tipo de interlocutores da altura, ditaram que tudo fosse conduzido maneira que conhecemos.
Agora, que estamos vivenciando situações complexas requerendo que políticos e toda uma sociedade se dispam de complexos e historietas, isso é verdade.
Moçambique é um país independente que teve um parto complicado, mas é com isso que os moçambicanos de todos os quadrantes e cores políticas devem ser capazes de lidar. Quarenta anos de incubação são mais do que suficientes para que com verticalidade se coloquem os problemas e se apontem as soluções.
Renascer è palavra apropriada para definir o que deve ser feito.
Sem alarmismos nem fé falsa de jesuítas ou protestantes ou radicais islâmicos, marxistas ou liberais de verbo, há que estabelecer critérios mínimos de participação no que interessa a todos.
Comecemos por admitir e aceitar que não há moçambicanos especiais e proprietários absolutos da verdade. Libertemo-nos de uma elite de rapina e parasita que se tem conluiado para reverter a ordem política e económica a seu favor.
Com aquele fervor característico dos dias da proclamação da Independência e com sentido de história, é crucial que incorporemos este ingrediente na abordagem dos problemas e cancros de hoje.
A situação endémica dos crimes no país deve encontrar uma resposta que ultrapassa interesses partidários ou religiosos. Este é um daqueles momentos que configuram que a pátria chama por nós no seu verdadeiro sentido.
Não há linearidade quando a questão é a construção de uma nação, e esta não é um produto acabado.
Renascer é uma questão vital para o país e para os moçambicanos, mas isso só poderá começar a concretizar-se quando assumirmos que somos igualmente moçambicanos a quem a bandeira cobre e que somos iguais face à lei.
Anos de tentativa de obliteração dos outros através de processos organizados de eliminação física e sujeição redundaram num fracasso e trouxeram guerras que alguns teimam em denominar de desestabilização.
Foi e continua sendo uma posição irredutível que transforma irmãos em adversários e muitas vezes inimigos.
As ofensivas multifacetadas desenhadas para preparar um suposto ataque final contra as forças residuais da Renamo demonstram que se aprendeu muito pouco do passado recente.
Não é pela via da guerra, da beligerância, que se resolverão os problemas de Moçambique.
Todo o alarido actual revela que não se está negociando de boa-fé. E quando assim acontece, perdem-se oportunidades de alcançar consensos.
As velhas raposas e seus filhotes estão soltos e celebrando factos incontestáveis que reflectem o seu poder actual de decidir a agenda do Executivo como sempre tiveram.
De maneira insidiosa se preparam para a guerra convencidos de que mais uma chacina de compatriotas vai assegurar o seu poder.
O agravante, nestes dias, é que contam com a cumplicidade de actores religiosos cegos a uma realidade contrária ao que apregoam nas suas mensagens supostamente religiosas.
Com uma elite conspurcada por crimes políticos e financeiros ciente de que a sua sobrevivência depende do controlo sobre quem exerce o poder político, o país encontra-se numa situação explosiva ou de pré-explosão.
Quando se exige cautela, contenção discursiva e amplo debate e diálogo entre compatriotas, subsistem os que, ancorados nos corredores do poder, se negam a ver nos outros moçambicanos cidadãos com direito à dignidade e à moçambicanidade.
E, como sempre, atirarão aos outros a culpa pelo descalabro iminente. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 14.09.2015