Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Polir a superfície não altera o conteúdo.
Um país com uma elite de faz de conta, escroque e parasita está condenado ao insucesso.
Quando a comunicação social se abre para uns e se fecha hermeticamente para os outros, é um indicador forte da ausência de democracia e de vontade de democratizar.
Após décadas de Independência, verifica-se que Moçambique se tornou macrocéfalo e que o dom da palavra continua nas mãos de gente que tem sempre preponderância e espaço. Maputo transformou-se em Moçambique e só é importante o que é dito a partir de Maputo sempre pelas mesmas pessoas.
Compreende-se que a capital do país atraia tudo e todos, mas o preocupante é que da mesma capital não surjam iniciativas nem ideias que promovam a construção de uma nação solidária, unida, vibrante, forte e desenvolvida.
Fala-se muito de democracia, mas o que realmente se verifica é que o clientelismo e o património estão na linha da frente de tudo.
A rede de estações televisivas existentes está e foi concebida para garantir a permanência do poder de quem sempre o deteve. Isso vê-se através das suas prioridades e de sua orientação editorial. De maneira subtil, apresentam-se como órgãos de interesse público, mas os seus programas e decisões editoriais mostram filtros e censura, se não mesmo “blackouts”, em relação a assuntos considerados inconvenientes.
É preciso dizer, porque não é mentira, que certa comunicação social tem participado activamente na concepção e execução de fraudes eleitorais.
Não é por acaso que vezes sem conta comunicadores sociais são “recompensados” com cargos de relevo na esfera política e pública.
De modo recorrente, no lugar de “dar voz a quem não tem voz”, verifica-se que a voz dos mesmos de sempre é que se faz ouvir.
No mínimo, é de estranhar que os milhares de letrados possuindo diplomas universitários não consigam espaço para opinar. Da sua boca ou cabeça pouco ou nada sai. Será porque foram formatados para tal? Será que, depois de tantos anos de estudo, não conseguiram reunir informações e construir capacidade de intervenção nos assuntos que apoquentam o país?
Outro aspecto que preocupa é dar-se conta de que a opinião dos outros anda sempre condicionada pelos “proprietários” do país entendem que é viável no momento.
O chumbo, ao nível parlamentar, de propostas visando desanuviar e pacificar o país, depois de um processo mal conseguido de eleições, indica que falta cultura política e que questões patrimoniais dominam o discurso e a prática dos que se dizem defensores e representantes do povo.
Quem encabeça a lista dos que monopolizam o país são os que, possuindo conhecimentos e experiência sólida, se negam a propalar a verdade das coisas.
É anacrónico que se saiba que a mistura de duas substâncias imiscíveis pode ser explosiva, mas, mesmo assim, avançar por essa via.
Que se diga, porque é verdade, que aqueles que hoje se apresentam como mediadores do processo político ao nível do CCJC sabiam e sabem de fonte limpa que a fraude foi preparada e executada.
A prepotência histórica existente desde os tempos do partido único manifesta-se transversalmente no país. Os cidadãos são afectados nos seus direitos porque alguém decidiu que eles não tinham direitos.
Em termos práticos, para os detentores do poder e fauna acompanhante os cidadãos são uma massa amorfa sem direitos políticos nem económicos.
Dai que seja legítimo afirmar que vivemos uma mascarada de democracia.
Estar na cauda do desenvolvimento mundial tem causas concretas e já não se pode alegar que o colonialismo português é o culpado. Se não temos paz nem estabilidade é porque as nossas concepções de convivência política e social estão em contradição com o que dizemos.
Se a nossa economia não anda nem ganha solidez é porque temos uma elite escroque afunilando os negócios e as oportunidades.
Se na arena política reina a indecisão e a incompetência, isso deve ser atribuído aos que se dizem “políticos de ponta” e possuidores únicos da sabedoria.
Sem o arrebanhamento e doutrinação de milhares de professores, no sentido de alinharem com a fraude eleitoral planificada ao pormenor, Moçambique teria outra situação e a guerra estaria fora do nosso horizonte visual.
A situação militar e policial irregulares no país tem origem em esquemas traçados no sentido, não só de sobrevivência política, mas na manutenção poder. Isso só não está claro para os “intelectuais orgânicos” plantados estrategicamente na academia e na comunicação social.
O monopólio da palavra ou da sua mediatização faz parte de um jogo bem estudado. O país já produziu um mínimo de massa crítica em várias áreas ou esferas do saber, e vergonhosamente assistimos à proeminência artificial de mediocridade opinativa, em nome de uma suposta infalibilidade de alguns cérebros, sempre os mesmos.
Tarda a despontar uma intelectualidade vibrante e participante na agenda nacional. O que abunda é o mercantilismo político e académico.
O que não falta é a distribuição de cargos e de mordomias para “domesticar” críticos e “inconvenientes”.
Que se valorize a experiência e sabedoria dos nossos “decanos”, ninguém duvida ou questiona, mas não se pode reduzir tudo ao que estes nos digam, como se fossem bafejados por “sabedoria divina”.
Construir Moçambique exige desconstruir mitos e pretensa “ciência acabada”.
Manifestações étnico-raciais, mesmo que veladas e subliminares, minam e desmontam teses demagógicas sobre a “unidade nacional”, essa pílula milagrosa que já não cura o doente.
Não se pode viver de “leilões” de charutos nem de homenagens desmerecidas.
Muito menos se pode viver e construir um país viável ignorando os problemas existentes.
Já é tempo de reconhecermos que sem os outros não somos nada. Iletrados e letrados, informados e não informados, intelectuais e básicos, políticos e cidadãos comuns, ateus e religiosos, ricos e pobres, todos somos moçambicanos com algo para dar a este sofrido país. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 22.10.2015