A POPULAÇÃO das aldeias de Mpene, Nseue e Ntoro, no posto administrativo de Namanhumbir, distrito de Montepuez, na província de Cabo delgado, estão actualmente a viver uma situação de incerteza quanto ao seu futuro como camponeses, porque há mais de um ano que aguardam pela concretização do seu reassentamento em outros espaços para a construção das habitações e abertura de novas machambas.
O facto resulta da notificação de que vivem dentro da área de concessão mineira da empresa Montepuez Ruby Mining (MRM). São no total 442 famílias, sendo 109 de Mpene, 238 de Nseue e 95 de Ntoro, que deverão ser movimentadas para a sede do posto administrativo, onde consta que já foi identificado um espaço para o seu reassentamento.
A nossa Reportagem, que há dias esteve em Namanhubiri, soube de algumas pessoas que o que mais lhes preocupa, como camponeses, é não saber o que lhes espera. “Para nós, não deixa de constituir preocupação o facto de alguém ter aparecido nas nossas casas e dito que devíamos sair para um outro lugar, porque ele quer ficar com a casa, sem, contudo, esclarecer-nos quando e como o processo será realizado. Veja que por causa disso há pessoas que no ano passado não fizeram machambas porque pensavam que seriam retiradas daqui. Esta preocupação não é só da população afectada, é de todos” – queixou-se Taciana Maria da Solidade, uma anciã da sede do posto administrativo de Namanhumbir, que embora não esteja directamente afectada, disse que possui familiares que vivem nalgumas das três aldeias”, afectadas”.
A nossa interlocutora acrescentou que tem conhecimento de que algumas famílias foram proibidas de cultivar nas suas machambas, supostamente por se situarem dentro da zona mineira, mas, estranhamente, ninguém lhes indicou locais alternativos para a prática da agricultura, o que não deixa de constituir preocupação.
“Pedimos a quem de direito para flexibilizar o processo de reassentamento para que as pessoas saibam o que lhes espera. o Governo deve fazer qualquer coisa, já que a empresa que explora a mina de Rubi de Namanhumbire não diz nada e a população não pode ficar sem produzir, pois, caso contrário, vai morrer de fome”, sentenciou da Solidade.
Ficámos a saber, por outro lado, que a população não vai livremente às suas machambas devido à presença de alguns efectivos de segurança privada, contratados pela mineradora na sequência da invasão das suas áreas pelos garimpeiros ilegais.
“Isso acontece porque os garimpeiros ilegais que tiravam rubis na zona mineira da empresa saíram por medo de serem surpreendidos e fugiram para Nseue, que por estar na lista das futuras zonas da mineradora enviaram alguns elementos de segurança, o que deixa a população com medo”, contou-nos Armando José, um jovem interpelado pela nossa Reportagem na sede do posto administrativo de Namanhumbiri.
Vivem no posto administrativo de Namanhumbiri moçambicanos, tanzanianos, malianos, senegaleses, congoleses, malawianos, de outras nacionalidades, tidas como principais “patrocinadores” do garimpo ilegal e que têm os nacionais como os “cavadores”.
Por seu turno, Jacob Augusto Ferro, líder comunitário da Aldeia Nanuni, contou-nos que participa do processo de consulta comunitária aos camponeses, porém ele também sente-se desconfortado com a situação patente e questionou-nos, obviamente, sem obter a devida resposta, a razão para tanta demora na operacionalização do programa de reassentamento.
“No início, a minha aldeia, Nanuni, também estava inclusa, mas, mais tarde, vieram comunicar-nos que as pessoas não seriam reassentadas por o nosso povoado não fazer parte da área concedida à empresa exploradora de rubis, e que somente nas aldeias Mpene, Nseue e Ntoro as populações seriam movimentadas para a sede do posto administrativo”, contou.
Consta que no decurso do processo de levantamento das benfeitorias cada família teve a oportunidade de mostrar tudo o que tinha no seu quintal que, depois de fotografado, recebia um cartão que serve de comprovativo de que foi cadastrado.
Contudo, devido à longa demora, existem aqueles que receiam um dia, por infortúnio, perderem o referido cartão e, consequentemente, todos os seus direitos.
Vai daí que aquele líder comunitário pede para que se flexibilize e clarifique o processo e fixe-se uma data para o início do programa de reassentamento e construção das habitações. “Se a empresa não tem condições para fechar o processo agora, deve informar para que a população continue a produzir comida nas suas machambas” -ajuntou Ferro.
SOCIEDADE CIVIL QUESTIONA A DEMORA DO PROCESSO
A demora na materialização do processo de reassentamento das comunidades de algumas aldeias de Namanhumbiri, no âmbito do projecto de alargamento das áreas de exploração da empresa Montepuez Rubi Mining (MRM), constitui igualmente preocupação de algumas organizações da sociedade civil, que fazem parte da plataforma da indústria extractiva.
Carlos Dias, da Agência de Desenvolvimento Local de Cabo Delgado (ADEL-CD), que falou à nossa reportagem, disse que o silêncio da MRM sobre o assunto cria suspeitas.
“A exploração de Rubis já iniciou há muito tempo. A Anadarko e Eni que estão a operar em Cabo delgado, muito tempo depois da MRM, já avançaram em Palma no que se refere ao processo de reassentamento. O que é que está a travar o andamento do processo em Namanhumbiri? Queremos saber, não se pode calar desta forma enquanto existem interesses económicos e comunitários a defender ”- destacou Dias.
Na óptica do nosso interlocutor, é preciso que se respeitem os direitos da população. “É chegada a altura de se iniciar o processo e ele deve ser feito de forma transparente, envolvendo vários actores da sociedade, porque retirar comunidades inteiras para um novo sítio, exige o respeito escrupuloso da lei ”- Dias.
GOVERNO ATENTO AO PROCESSO
A chefe do posto administrativo de Namanhumbiri, Anastácia Patrício Clemente, disse ao nosso jornal que o governo daquela parcela da província de Cabo delgado está a par do caso da demora no início do reassentamento das populações das aldeias Mpene, Nseue e Ntoro, no âmbito do processo de projecto da Montepuez Rubi Mining (MRM), tendo explicado que tal atraso se deve à recusa da população da aldeia Nseue, de abandonar o seu povoado.
Afirmou que no total são 442 famílias sendo 109 de Mpene, 238 de Nseue e 95 de Ntoro, que deverão ser movimentadas para a sede do posto administrativo, onde foi identificado um espaço para albergar a todas. Referiu que, o plano da iniciativa está em seu poder e sabe que ninguém vai perder nada, incluindo as áreas de produção.
Anastácia Patrício Clemente esclareceu dizendo que houve aumento do número da população a ser reassentada, uma vez que há famílias que não vivem nas três aldeias mas que pratica agricultura que igualmente tem de ser inclusas no censo, tendo o número passado de 442 para 470 famílias.
“Todos terão casas, foi igualmente identificada uma área para eles desenvolverem actividades agrícolas. Devo aqui explicar que não pretendemos juntar as três aldeias num único povoado, serão respeitadas as lideranças religiosas tradicionais e outras. O que vai acontecer é que haverá uma divisão. Teremos dentro da nova aldeia, os bairros Mpene, Nseue e Ntoro” – explicou Anastácia Clemente.
Ela não só pediu desculpas aos abrangidos pela falta de informação sobre o andamento do processo de reassentamento, como também admitiu que tal procedimento esteja a abrir espaço para várias especulações e deixar as pessoas apreensivas, o que pode criar certa resistência nas famílias inicialmente registadas para abandonar suas aldeias.
A governante contou que há registo de casos de briga entre os camponeses garimpeiros ilegais que tem estado a invadir os campos de produção agrícolas, episódios que podiam ser evitados caso a MRM tivesse controlo das áreas.
A nossa entrevistada defendeu a necessidade de, pelo menos, a MRM iniciar o processo de pagamento das compensações pelas benfeitorias localizadas nas áreas de produção dos camponeses.
De referir que no decurso do processo de consulta comunitária, a MRM foi questionando às comunidades o que queriam que fosse feito a seu favor, no âmbito da responsabilidade social, tendo os camponeses solicitado inúmeras coisas que, infelizmente, ainda não aconteceram.
ESCLARECE MRM: APENAS ALDEIA DE NTORO SERÁ REASSENTADA
O Presidente do Conselho de Administração da empresa mineradora Montepuez Rubi Mining (MRM), Asghar Fakhir, esclareceu que no âmbito do programa de alargamento das actividades na área concessionada à sua instituição, nem todas as aldeias cuja população foi recenseada serão reassentadas.
Segundo Fakhir, a instituição preconiza a transferência apenas da população do povoado de Ntoro. “Gostaria de explicar que as populações residentes nas aldeias de Nseue, Mpene e da sede do posto administrativo não precisam de ser reassentadas, tal está fora de hipótese porque depois de analisarmos todo processo, baseando-se no levantamento que fizemos, chegamos à conclusão de que não é preciso movimentarmos as restantes aldeias, somente o povoado de Ntoro está localizado numa área próxima da zona mineira, onde estamos a operar” – explicou Fakhir.
Ele acrescentou que em termos de custos, é mais fácil movimentar este povoado que tem 95 famílias. “A transferência e a construção de casas para a população irá custar-nos cerca de 9 milhões de dólares americanos ” disse.
Fakhir assegurou que a partir do próximo ano inicia o processo de movimentação da população e dai, segundo acrescentou, a população de todas as aldeias em redor vai tomar conhecimento.
“Nós não vamos surpreender ninguém, a informação irá fluir, nada será feito às escondidas, contudo tenho a destacar que o processo de transferência das aldeias irá implicar a redução da área concedida à empresa, em cerca 8 mil hectares. Não teremos conflitos com a população porque dentro do novo traçado da área não temos camponeses de nenhuma das aldeias a fazer machambas, por tanto, não vamos movimentar ninguém ”- explicou Fakhir.
No âmbito da responsabilidade social da empresa, consta que a MRM aprovou vários pacotes de fundos para as comunidades em redor do projecto, mas os mesmos só serão disponibilizados em 2016.
“Mas há coisas que já fizemos, por exemplo nos dias que correm para quem chega a Namanhumbiri à noite vai ver que esta área já parece uma cidade, pois já temos iluminação pública. Também temos um outro projecto que gostaríamos de financiar. Porém, queremos que as pessoas se organizem para criar frangos numa única vedação, claro subdividido em capoeiras diferentes para cada beneficiário. Estamos à espera que eles se organizem ”- esclareceu Fakhir.
Ele explicou, no entanto que o fenómeno do garimpo ilegal na área mineira ainda não está totalmente controlado, existem estrangeiros que pilham os recursos sem pagar impostos. “Há muito dinheiro que sai em Namanhumbir livre de qualquer tipo de imposto, estimamos em cerca 250 milhões de dólares, o valor que anualmente sai ilegalmente sob forma de Rubi” – disse Fakhir.
De referir que MRM, foi considerada a melhor empresa que contribuiu para os cofres do Estado, em Cabo delgado, o ano passado, com 320 milhões de meticais, decorrente das vendas em leilão deste minério.
Jonas Wazir
NOTÍCIAS – 30.10.2015