Muitos são os residentes de Macau que viveram nas antigas colónias e as histórias repetem-se: no regresso, Portugal pareceu-lhes um lugar estranho e a vontade de partir nunca os deixou. Na ‘última jóia do império’, encontraram o “tropicalismo” da juventude.
Em Macau há gente de todas as ex-colónias, nascidas ou que por lá viveram temporadas marcantes. Para quem tinha Portugal como referência, apesar de não ser o local onde vivia, as independências marcaram um processo irreversível: o de não mais sentirem que a sua terra natal era onde estavam em casa.
Em 1979, quando chegou a Macau pela primeira vez, Ricardo Pinto encontrou na cidade “a ausência de formalismos excessivos” e “a vida despreocupada” que recordava de Moçambique. “Não se sentia o peso do dia-a-dia que se sentia em Portugal, onde a vida era difícil”, recorda.
Ricardo Pinto nasceu em Moçambique, mas regressou a Portugal com quatro anos. Foi em 1974, dias antes do 25 de Abril, que começou a sua relação consciente com o país, quando o padrasto foi convidado para dirigir a eléctrica moçambicana, e a família se muda para Lourenço Marques.
“A minha vida em Moçambique nesse segundo período foi maravilhosa, era muito ligada à natureza. A cidade era muito bonita e quando se saía de Lourenço Marques as praias eram maravilhosas. Tudo isso causou-me uma impressão muito grande e fiquei absolutamente apaixonado pelo país”, recorda.
Aos 14 anos regressa a Portugal, uma mudança que lhe “custou horrores”. O Porto “era outro clima, outra maneira de viver”. “Passei uma fase de alguma depressão, sonhava acordado com Moçambique todos os dias”, comenta.
Anos mais tarde, surgiu uma nova oportunidade de mudança, quando o padrasto volta a ser convidado para dirigir uma eléctrica, desta feita de Macau. Ainda voltaria a Portugal para frequentar a universidade, mas a vida acabou por se desenvolver na pequena vila chinesa: começou por ser jornalista da emissora pública de Macau, trabalhou no jornal Ponto Final, que depois adquiriu, fundou uma revista bilingue, gere a Livraria Portuguesa e, há quatro anos, lançou o Festival Literário de Macau.
Hoje a sua identidade surge como uma mescla sem hierarquias. “Sinto-me muito cidadão de Macau, mas continuo a sentir-me muito fruto das minhas raízes de Moçambique”, confessa.
Também para Jorge Silva, depois de deixar Angola, em 1974, onde viveu até aos 14 anos e que recorda como o seu “primeiro sentimento de perda”, Portugal surgiu como um país “fechado, a preto e branco, na era pós-fascismo, pós-salazarismo”.
Em Macau, onde chegou há 30 anos a convite de um amigo, quando ainda frequentava o curso universitário, encontrou um certo calor de casa: “Apesar da pequenez de Macau, havia algo de semelhante a Angola”. Não era só calor intenso. “Havia um certo tropicalismo que não sei definir”, lembra.
Tal como em Angola, a presença da língua portuguesa e a arquitectura transmitiam-lhe a ligação ao seu país, mesmo estando fora dele.
O maestro Simão Barreto foge deste perfil: timorense, chegou a Macau ainda nos anos 1950, para uma de muitas estadias, até que, por fim, se decidiu a ficar de vez.
Depois da independência em 1975, a que assistiu a partir de Portugal, onde estudava no conservatório, “esperava voltar para contribuir para o desenvolvimento do país”. “Essa ideia sempre ficou comigo e com muitos timorenses”, recorda, garantindo que as condições não eram satisfatórias.
Entretanto, dá-se a invasão indonésia, “das piores coisas que aconteceram à sociedade timorense” e, finalmente, em 2002, a restauração da independência, mas nem por isso o regresso se tornou, aos olhos do maestro, mais fácil.
Sempre que fala de Timor-Leste, Simão Barreto divide-se, expressando tanto carinho e saudades como ressentimento e desilusão. “Por comodidade, não quero estar lá nem um minuto. Mas a minha consciência diz-me que devia estar lá. Díli é das cidades mais caras do mundo, é vergonhoso um povo que vive na miséria”, lamenta.
Em Macau, onde já vive “há mais tempo que em Timor e Portugal juntos”, apaziguou-se: “Costuma dizer-se ‘Quem bebe da água do Lilau, cedo ou tarde volta a Macau’. É bem verdade, quanto mais sei das outras sociedades, mais quero ficar em Macau”.
Lusa – 25.10.2015