Carta a muitos amigos
No dia 19 aconteceu mais um aniversário de um assassinato ocorrido em Mbuzini nessa data em 1986, faz vinte e nove anos, quase três décadas.
Samora Machel, o ministro Alcântara Santos, o Vice-Ministro José Carlos Lobo, quadros de primeiro plano como Fernando Honwana, Aquino de Bragança, Daniel Maquinasse e outros ali jaziam mortos, tal como embaixador do Zaire em Maputo, médicos cubanos, tripulantes soviéticos e moçambicanos.
Samora morreu como viveu, com gente de todas as raças, etnias, nacionalidades.
Desde que o governo do apartheid encerrou o inquérito, com uma sentença de um dito tribunal presidido pelo juiz Margoo, nada mais se sabe.
Juiz já célebre por haver declarado que Steve Biko em 1977 se suicidara dando cabeçadas na parede da sua cela numa prisão de alta segurança.
Certamente que nenhum acaso determinara a escolha dum magistrado deste calibre inigualável.
Há factos provados e testemunhados quer por sobreviventes, quer por residentes da área, quer mesmo por um representante de uma organização dita política residente em Portugal.
A comunicação social, moçambicana, sul-africana e internacional reportaram os factos adiante enunciados.
Antes do atentado as forças armadas do apartheid declararam a zona de Mbuzini zona militar;
Publicamente o General Earp Comandante da Força Aérea do apartheid declarou haver seguido o voo do regresso de Samora desde Mbala na Zâmbia e a escala para reabastecimento em Lusaca.
Quando com jornal istas e membros do governo moçambicano cheguei ao local só encontramos polícias;
Sobreviventes e pessoas residentes na área declararam que durante a madrugada a polícia substituíra os militares, que entretanto, haviam retirado vários equipamentos do local, alguns deles com muitas antenas parabólicas e outras, não se tratava de radares que as pessoas locais sabiam como eram;
Diante de testemunhas o General Ian Kotzee, então comandante-geral da polícia, declarou que devíamos buscar na área a existência de certo tipo de aparelhos;
Paulo Oliveira, representante em Lisboa de uma organização ligada à Inteligência militar sul-africana, declarou que recebera instruções para preparar um comunicado afirmando que a RENAMO abatera o avião presidencial. Algumas horas depois mandaram anular o comunicado porque se havia constatado que o avião não caíra no território moçambicano, mas sim na África do Sul.
Todas as investigações provaram que:
Contrariamente ao afirmado pelo apartheid, as análises feitas nos laboratórios apropriados na Suíça e na fábrica que produzira o avião dois ou três anos antes, com a participação das três partes envolvidas conforme as regras da IATA provaram que todos os aparelhos funcionavam normalmente;
A tripulação a partir do comandante, co-piloto, engenheiro fazia parte dos chamados milionários do ar, pessoas com mais de dez mil horas de voo em todas as condições atmosféricas, de noite e de dia;
As autópsias aos corpos dos tripulantes mostraram que nenhum havia ingerido álcool ou qualquer substância nociva, ou que alterasse o comportamento. Pode-se afirmar que morreram de boa saúde e sóbrios;
A descodificação feita na África do Sul dos registos de conversas da tripulação revelaram que o comandante decidira fazer subir o avião porque se apercebera que os aparelhos estavam a receber informações falsas.
Esta decisão impediu que o avião embatesse ou caísse em território moçambicano e levou ao seu despenhamento em Mbuzini. Isto explica também as orientações contraditórias enviadas para Paulo Oliveira.
Quando a parte moçambicana, que operava a aeronave e a parte soviética que produzira o TU 134 quiseram aprofundar a investigação, o governo do apartheid, unilateralmente, pôs termo ao inquérito e criou um pseudo tribunal dirigido pelo juiz Margoo. Este magistrado distinguira-se quando sentenciou que Steve Biko se suicidara na sua cela numa prisão de alta segurança, dando cabeçadas na parede. Ele concluiu que os pilotos haviam cometido erros crassos de navegação.
Em nenhum momento se provou que erros haviam cometido os tripulantes e os porquês.
De facto o comandante até corrigira a altitude do avião porque se apercebera da falsidade das informações que recebia.
Tentou-se também acusar o pessoal da Torre de Controlo do aeroporto de Maputo, nenhum facto tal provou, mais as gravações da torre demonstraram que repetidas vezes esta tentara e em vão comunicar com o voo.
Os registos de vozes na cabine de comando do avião também provaram que a tripulação não conseguia dialogar com a torre.
Há uma suspeita legítima de que os aparelhos já mencionados pelo General Kotzee, populações e sobreviventes bloqueavam a comunicação rádio, como alteravam as indicações do radar e altímetro do TU 134.
Estas e outras constatações e ilações abonam para indiciar que se cometera um crime contra o avião do Presidente Samora.
Houve várias tentativas de assassinato contra a vida de Samora Machel, todas elas goradas pela vigilância moçambicana. Todas menos a última e fatal em Mbuzini.
Aquino sobrevivera a um atentado com um livro armadilhado enviado para o Centro de Estudos Africanos da UEM. Ruth First morreu nessa explosão. Um carro armadilhado ia matando Albie Sachs, mas perdeu o braço. O apartheid assassinou várias pessoas moçambicanas, sul-africanas, portuguesas na cidade de Maputo, na Matola e na Namaacha.
Honra e glória aos mártires do apartheid.
P.S. A UTM atribuiu à sua biblioteca o nome de Fernando Ganhão. Bem o fez! Sabendo que Fernando Ganhão em Dezembro de 1974 recebera instruções para transformar a Universidade de Lourenço Marques na Universidade Eduardo Mondlane, que fundou e a dirigiu durante vários anos, que graças também ao seu trabalho se tornaram moçambicanos maioritariamente docentes e discentes, haverá razão para perguntar os porquês da UEM jamais haver assinalado o nome do seu fundador?
Aos erros que se corrigem e a quem o faz um abraço.
SV
O PAÍS – 27.10.2015