OS crimes de violência doméstica devem ser publicitados e não podem ficar impunes, de modo a desencorajar a sua prática e estimular as vítimas, sobretudo as mulheres, a denunciarem quem os comete.
A tese é defendida por Josina Machel ou simplesmente Jo Machel, activista contra a violência doméstica, que acredita que a exposição dos casos que acontecem pode ajudar a sociedade a compreender a dimensão e gravidade do problema, levando a uma acção conjunta contra a sua prática.
Jo Machel foi vítima, ela própria, de um crime de violência doméstica protagonizado pelo seu companheiro, do que resultou na perda de visão devido a uma lesão grave contraída no olho direito.
“Decidi contar a minha história porque sou activista contra a violência doméstica e, infelizmente, isso aconteceu comigo. É por achar que este tipo de crime não pode ficar impune, decidi partilhar a minha experiência com todos, porque acredito que isso pode ajudar a mostrar a dimensão do problema”, disse Jo Machel, que é filha da Graça Machel, presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC).
A agressão física aconteceu na cidade de Maputo mas a conversa com o “Notícias” teve lugar na sua residência em Joanesburgo, África do Sul, onde reside actualmente e para onde foi evacuada após a agressão, a fim de receber tratamentos médicos.
Segundo conta, tudo aconteceu na madrugada de 17 de Outubro, quando a vítima regressava de um espectáculo na companhia do seu namorado e amigos.
“Pouco depois de deixarmos um nosso amigo num dos hotéis da cidade, expliquei ao meu companheiro que gostaria de ir dormir em casa da minha mãe. Naquele dia a minha mãe completava 70 anos e, como filha, nada melhor que estar ao lado dela. Além disso, o período de 17 a 19 de Outubro de cada ano sempre remexe com a nossa família, pois primeiro celebramos o aniversário da mamã e depois temos a data do assassinato do meu pai. Acho que o meu companheiro não entendeu esta minha pretensão e de forma inexplicável começou a violentar-me alegando que eu queria livrar-me dele e voltar para me encontrar com os meus amigos e continuar a celebrar a noite, insinuações sem fundamentos. Surpreende-me com socos na cara, que infelizmente me atingiram no olho direito. Tudo isso passou-se dentro do carro”, conta a entrevistada.
“Naquele instante da agressão tudo ficou escuro. Surpresa com a atitude dele e na tentativa de me explicar, ele não parava de me agredir até que decidi abrir a porta e fugir em busca de socorro. Nessa altura já estava a sangrar muito. Cheguei a pensar que o olho havia saído. Para meu espanto, ninguém saiu para me socorrer, embora tenha sido numa zona nobre da cidade. Quando ensaiava a fuga tropecei e cai, tendo perdido os sentidos. Levaram-me ao hospital e estava com receio de perder o olho, dada a gravidade dos ferimentos e por ter perdido muito sangue. Infelizmente, as minhas suspeitas confirmaram-se. Como o olho estava aberto fui operada naquela madrugada em Maputo e tive 13 pontos. Com a intervenção da minha família, fui evacuada para uma clinica na África do Sul onde fui operada há 15 anos. Constataram que houve erupção da retina e, é isto que criou-me esta cegueira do olho direito”, lamentou a jovem.
Pelo que aconteceu, Josina Machel diz ter sido instaurado um processo-crime contra o seu ex-companheiro que, segundo ela, deverá responder em juízo.
“Trata-se de um caso de violência doméstica. Como família tínhamos a possibilidade de abafar o assunto e deixar passar como se nada tivesse acontecido mas preferimos denunciar publicamente para mostrar à sociedade. Sendo eu activista contra a violência doméstica, seria irónico não denunciar. Isto pode acontecer a qualquer mulher, independentemente do seu estatuto social, grau de instrução ou estado civil. Não concordo com violência doméstica. Seja de homem para mulher ou vice-versa”, disse.
Garantiu que vai se empenhar no sentido de elevar a voz das mulheres vítimas de violência, juntando ao esforço que o país tem vindo a realizar.
“Temos que reforçar a nossa lei e formar muito mais gente no sector de Saúde e da Polícia para melhor atenderem casos de género, sobretudo nas primeiras horas de agressão. Vou-me empenhar na criação de casas de refúgio para mulheres vítimas de violência por forma a passar uma temporada antes de voltar aos seus lares, pois é complicado para uma mulher agredida de imediato voltar à casa”, disse Josina Machel.
NOTÍCIAS – 16.11.2015