Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“Quando nasceste todos riam, só tu choravas. Procura viver de maneira que, quando morreres, todos chorem só tu sorrias”. Confúcio (551 a.C. – 479a.C.), pensador e filósofo chinês
Conheci Benjamim Mucubela em Dezembro de 2014, numa das visitas que efectuei à província de Nampula, terra linda e construtora da minha personalidade profissional e académica.
Tinha poucas horas de estada e recusei-me deixar a cidade sem antes materializar o primeiro encontro com Mucubela, pois, de contrário, atendendo e considerando a generosidade da sua alma, seria o mesmo que “ir a Roma e não ver o Sumo Pontífice (Papa) ”.
Lembro-me que ao visitar as instalações do Wamphula Fax fi-lo de táxi. E para evitar que o taxímetro subisse para além das minhas capacidades financeiras, o contacto com Mucubela durou pouco menos de 15 minutos, mas com direito a abraços e fotografias que em breve espero solicitar a família do finado (uma grande lágrima quase que se assoma ao canto do meu olho direito). Quando deixei as instalações da gazeta parecia que tinha passado 1 ano, e já tinha saudades de voltar a estar com Mucubela. Havia uma razão: Mucubela era um homem que sabia compensar a ausência de gorduras financeiras que afectam grande parte dos moçambicanos com doses de integridade. O que não tinha em montanhas de dinheiro, Mucubela irradiava na dimensão do mundo o seu elevado sentido de responsabilidade.
Mucubela conseguia facilmente contagiar com a sua energia e capacidade de iniciativa às pessoas com quem trabalha.
A partir daquele súbito encontro, cada um de nós plantou dentro de si uma árvore de amizade que era regularmente regada com chamadas telefónicas e o envio de mensagens. O escopo era não deixar morrer a árvore, mas também para que a mesma desses abundantes e suculentos frutos. A despeito de ser 15 anos mais velho que o finado, a nossa amizade era horizontal, não havia espaço para prefixações de títulos académicos antes dos nomes, o tratamento era igual.
Como viver sem Mucubela? É possível, mas passarei a sentir o mesmo sofrimento que os pássaros quando perdem o bico: respiram, comem, bebem, mas vivem diante de grandes dificuldades.
Como em qualquer relação, há ladeiras, e a nossa não fugia à regra.
Aliás, o bicho Homem não consegue livrar-se da sua imperfeição. A razão disso é que o Homem tem dentro de si um espírito bom e outro selvagem, uns mais fermentados que os outros, que se manifestam conforme o tipo e a quantidade de pilula amarga da vida que engole. Com efeito, dezenas de vezes escrevi que as diferenças de opinião são necessárias para identificar tanto os pontos que desunem quanto os que unem os Homens. Eu sempre encaro os desentendimentos como furúncos que surgem no corpo humano.
Devem ser retirados, sim, mas a sua existência é útil para a regeneração do nosso corpo e para a medição da nossa resistência perante a dor. As esporádicas “querelas” que tive com Mucubela reflectiam isso: eram uma oportunidade para intensificar o diálogo, identificar os atalhos que nos opunha e corrigir erros.
Tentei filosofar, mas ainda não disse qual a desavença que tinha com Mucubela ou ele comigo. Simplesmente o cumprimento do horário de envio dos textos que compõem estas centelhas.
Mucubela tinha instalado dentro do seu organismo um relógio suíço, um milésimo de segundo de atraso tinha o meu telemóvel a tocar “trim, trim, trim”.
“Amigo Viriato, ainda não recebi o seu artigo”, outras vezes, quando não pudesse telefonar, enviava-me mensagens: “Então, amigo Viriato, sai ou não sai o seu artigo”, como se parir um artigo fosse tarefa fácil. Uma pontualidade incrível de que nunca abdicou.
Como não podia enviar textos inacabados, muitas vezes por motivos alheios à minha vontade, dava-lhe algumas anestesias de esperanças e aqui Mucubela revelava outra característica: a paciência. Os cortes da EDM quando se “acasalam” com a falta de sistema da TV-Cabo, os resultados são astronómicos. As baterias dos computadores ficam sem cargas, não se acede aos emails e partos literários ficam por nascer. Outras vezes, acontece, a concentração decide dar umas voltinhas pelo corpo e não se consegue escrever uma única linha.
Alguns leitores não compreendem que “As lucubrações dependem do ambiente e do assunto que se estiver a tratar (…) Não é como uma missa que quanto mais presenciada, mais regada é pelo evangelho”, começam a avaliar negativamente o árduo e competente trabalho dos colegas do Wamphula Fax.
Era, então, que Mucubela (maquetizador) entrava em cena, impondo sobre mim, cobranças incessantes. Amigo, “dívida não é crime”, dizia-lhe, para amortecer o seu querer ardente. A relação voltava à normalidade quando ele recebia, a tempo e hora, os meus débitos. Devo a Mucubela a disciplina nos horários e esta gratidão, como o amigo leitor deve imaginar, não há dinheiro que pague.
Aliás, o velho amigo alentejano José Ribeiro Soares disse-me um dia nos corredores da Universidade de Évora que “A amizade não carrega dívida nem gratidão. A não ser, talvez, depois de um dos amigos terem abalado desta para melhor.”
Não ficaria bem com a minha consciência, depois do trágico acidente da sua morte no passado dia 8 do mês em curso, se não lhe prestasse uma homenagem. Benjamim não só é benjamim (passe o pleonasmo forçado) para a família, como também para mim.
Tínhamos marcado reencontro para a primeira semana de Dezembro, infelizmente o destino adiou esse encontro aqui na terra, mas certamente nos encontraremos onde estiveres.
Adeus e até sempre amigo Mucubela.
P.S.1: Anda por aí um certo serviço do Estado em Inhambane a caçar tubarões que dizimou compatriotas nossos e causou ferimentos em outros. Maiores tubarões e de perigosidade extrema não são aqueles que estão na Baía de Inhambane, no seu habitat normal, mas sim os que se servem dos cargos políticos para roubar e matar o povo. Esses são verdadeiros tubarões que deviam ser caçados e presos.
P.S.2: Cansei de dizer que o governo já devia parar a actuação dos Mambas. É um desperdício de dinheiro apoiar uma selecção que só perde, até com adversários sem nenhuma expressão no mundo de futebol. Há que arrumar a casa, por forma a evitar que a nossa selecção seja a “vítima” de todas as selecções. Fica aqui o recado ao meu ministro Alberto Nkutumula.
WAMPHULA FAX – 16.11.2015