Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Aqui e lá fora, isso sempre valerá.
As lideranças mundiais, africanas e também as do meu país estão laborando em erro quando ignoram que considerações estratégicas tidas como de interesse nacional obscurecem factos bem diferentes. É de interesses que vivem os Governos.
Moçambique atravessa um momento com uma gravidade especial, pois tem o potencial de deitar tudo a perder. De uma paz podre, pode-se dar o passo sem retorno da radicalização de posições e de guerra aberta. Será um “entornar do caldo” por questões abertamente patrimoniais, pois de ideologia não há diferenças que resistam a análise. Também não serão questões do fórum étnico que farão os moçambicanos regressarem para a guerra, pois, depois de centenas de anos e de migrações internas, houve tanta mistura entre moçambicanos das diferentes etnias e raças que muito poucos serão os que se podem considerar como puros.
África também atravessa um período conturbado à escala continental, devido a factos histórico-políticos que se podem resumir na incapacidade de os Governos liderarem processos de inclusão e integração conducentes à criação de Estados viáveis e fortes.
As fronteiras coloniais herdadas começam a ser questionadas, e isso pode ser o catalisador de mais crises entre países.
Em África, a mentira oficial ganhou o estatuto de verdade, e tem-se visto que a lavagem cerebral da população é o objectivo perseguido com veemência pelos governantes. Mente-se, quando se diz que não há problemas. Mente-se, quando se diz estarmos cooperando pelo desenvolvimento regional. Mente-se, quando se diz que somos irmãos da mesma trincheira, e, volta e meia, somos confrontados por actos de xenofobia.
Mente-se, quando se assinam pactos regionais de cooperação e integração regional económica que tardam ou nunca se materializam.
E depois de falhanços em concretizar a promessa de desenvolvimento, os líderes africanos encontram-se mergulhados numa busca de meios “legais” para estenderem os seus mandatos presidenciais.
Não é fácil misturar assuntos nacionais com regionais e internacionais.
Mas estamos num momento em que, em si, esses assuntos se misturam de maneira natural, pois nesta aldeia global cada vez mais global não há como ignorar essa realidade.
Os Governos, através dos seus Ministérios dos Negócios Estrangeiros e sob orientação directa de presidentes e chefes de Governo, encetam contactos com vista a garantir que os seus programas sejam realizados. Programas que se traduzem em agendas, e onde estas podem não ser de consenso nacional.
Em Moçambique, à luz dos resultados eleitorais anunciados e homologados, ficou demonstrado que havia clivagens a não menosprezar e que nem todos estavam satisfeitos com o rumo dos acontecimentos.
Como se pode ver, os assuntos moçambicanos não ocupam espaço por aí além na comunicação social internacional. Somos um país marginal, embora com o seu potencial de recursos naturais.
Uma perspectiva cultivada por sectores afectos aos serviços de inteligência locais e de departamentos congéneres estrangeiros, especialmente de Moscovo e Washington, sem esquecermos Lisboa, Bona e Roma, terão contribuindo, ao longo dos anos, para que a imagem do país fosse aquilo que é nos dias de hoje. É um mosaico cheio de labirintos em que, o tempo todo, se misturam interesses de actores concretos.
Houve guerra que alimentou blocos de interesses, e quando se pensava que estava tudo resolvido, resulta que não é bem assim.
Há contas que ficaram por saldar e houve acordos assinados que não o foram de boa-fé. Agora, que parecia que era a vez de África, está escasseando liderança. Não se vislumbram bons tempos para o futuro próximo, sobretudo a partir da altura em que o gás, o petróleo, o ouro, o urânio, africanos, despertam apetites internacionais.
Quem humilha arrisca-se a radicalizar o ofendido, e isso pode observar-se entre nós e noutras latitudes.
Num curto espaço não é possível alguém debruçar-se sobre a génese de conflitos que agora se reacendem um pouco por toda uma região estratégica do mundo, Médio-Oriente. Em África, aumentam tensões e torna-se difícil prognosticar o que acontecerá.
A RSA, potência regional de nomeada, está embrulhada numa crise sem precedentes devido ao desfecho de uma política de “empoderamento” económico negro que não corrigiu anos de injustiças raciais do passado.
Os arranjos que eram ou que constituíam a “Linha da Frente” antecessora da SADC não possuem a vitalidade de ontem, e mesmo que haja prontidão para a defesa de “regimes irmãos”, isso não garante que a eclosão de um conflito um país como Moçambique se torne num momento de convergência e disponibilidade para se ter a guerra internacionalizada. Uma coisa é a declaração de intenções de defesa comum, e outra é operacionalização de um provável acordo assinado secretamente nesse sentido.
Se na Somália ou na RDC as forças de pacificação estrangeiras têm sido um fracasso prolongado, nada assegura que no caso moçambicano se tenha os êxitos “sonhados”.
Como país da periferia “pilhado” por corporações carboníferas e petrolíferas, Moçambique não vaio merecer a atenção e preocupação do mundo, como se tem visto. As incursões da imprensa internacional, especialmente a de Lisboa, são um dado firme do lugar que o país ocupa na esfera internacional.
Ninguém virá em nosso socorro, se algum político distraído se decidir pela guerra.
Aprender do nosso passado concreto deveria ser a preocupação de hoje.
Abusar, humilhar e espezinhar os outros em nome de uma suposta superioridade bélica essencialmente urbana é sinal de inexistência de estratégia e de recusa de se abraçar os caminhos que levam à paz.
E o absurdo é que a oposição política em Moçambique até nem está pedindo nada a que não tenha direito.
Os moçambicanos simplesmente querem justiça, democracia política e democracia económica.
Ninguém está pedindo favor para ser livre, independente e democrático.
Essas lutas foram feitas por todo um abnegado povo.
Os “oftalmologistas políticos nacionais e internacionais” precisam de socorrer com urgência os políticos moçambicanos que sofrem de miopia. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 17.11.2015