Hoje é terça-feira, dia que vos prometi que, incansavelmente, vos trarei algumas verdades sobre o quão putrefacta anda a justiça moçambicana. Episódios elucidativos sobre isso são tantos que mesmo 365 dias seriam poucos para revelá-los.
Como é do conhecimento de muitos, há pouco tempo houve o julgamento do académico Carlos Nuno Castel-Branco, em que ele foi absolvido por um jovem juiz de nome João Guilherme. Trouxe uma pequena lufada de ar puro à justiça moçambicana. Ele foi coerente e seguiu as leis, diferentemente de muitos magistrados lambe-botas que andam por ai aos magotes.
Lembram-se quem foi o advogado de Castel-Branco? Foi o juiz-conselheiro, João Trindade. Um antigo juiz que elaborava sentenças de chicotadas e penas altíssimas só por alguém ter sido encontrado com cinco litros de óleo, três quilos de farinha, duas barras de sabão e tantos supérfluos. Só por isto as pessoas eram condenadas em crime de açambarcamento de mercadoria e eram linchadas sem qualquer piedade.
João Trindade, segundo pessoas que lhe são próximas, não acredita em Deus. Ele teve no partido no poder o seu Deus. A sua defesa a Castel-Branco foi uma tentativa desesperada de lavar a sua imagem. No acto de defesa, até fez rasgados elogios ao juiz João Guilherme e recomendou-lhe para que credibilizasse a justiça moçambicana, ilibando o seu cliente. No entanto, não há-de ser por recomendação de João Trindade que Castel-Branco foi absolvido. O juiz interpretou a lei como deve ser , e o julgamento teve o desfecho que todos nós conhecemos.
É de conhecimento de muitos que Luís Mondlane, Norberto Carrilho e João Trindade nada fizeram para dignificar a justiça moçambicana. Eles aceleraram a sua podridão. São os principais culpados pelo estágio actual da nossa justiça.
Durante todos os anos que estiveram no Tribunal Supremo, transformaram esta instituição num verdadeiro cemitério de processos. Vejam que a expressão cemitério de processos, referindo-se ao Tribunal Supremo, até passou a constar do léxico dos advogados moçambicanos. Era inevitável pronuncia-la.
Luís Mondlane, Norberto Carrilho e João Trindade, estes três tiranos, aconchegaram-se no Tribunal Supremo vivendo do bom e do melhor às custas do escravizado povo moçambicano. Levavam décadas só para julgar um processo enquanto refastelavam-se com as mordomias pagas pelo bolso do pacato cidadão moçambicano.
Breve olhar à biografia de João Trindade. Ele nasceu na província da Zambézia. Entrou muito cedo para a magistratura e foi responsável por inúmeras sentenças que condenaram os nossos irmão à penas de chicotada. Teve um protagonismo inequívoco no encerramento da Faculdade de Direito, da Universidade Eduardo Mondlane.
João Trindade, porque ele já tinha o seu diploma em Direito, não queria ver nenhum moçambicano negro formado nesta área. Há-de ser curioso o que uma pessoa próxima de si uma vez me confessou: sempre que João Trindade elaborava uma dessas suas sentenças de chicotada, promovia festanças em sua casa. Era o bacalhau e vinhos importados e ligava aos camaradas para lhes pôr a par da boa nova.
Não restam dúvidas de que ele é um dos principais responsáveis pelo estado lastimável em que se encontra a nossa justiça.
Quando era presidente do Tribunal Popular Provincial de Maputo, apregoava aos seus colegas de profissão que Deus não existe. Deus é o partido no poder e que esse da bíblia não passa de uma mera invenção do homem. Era um autêntico ateu.
Uma pergunta directa a João Trindade. Recorda-se o senhor quando estava no Tribunal Popular Provincial de Maputo que a empresa ENAFRIO ofereceu muitos aparelhos de ar condicionado para coloca-los nos gabinetes dos magistrados?
Sabem o que este senhor fez? Colocou um no seu gabinete e os restantes deixou enferrujar até a total destruição. Ninguém merecia ter um ar condicionado além dele. Este senhor é um carrasco!
Tenho cá comigo quase 50 sentenças elaboradas por João Trindade. Reafirmo que este senhor é um dos responsáveis pela putrefacção da nossa justiça.
Luís Mondlane vs Gulamo Nabi
Gulamo Nabi era um jovem comerciante de 31 anos de idade, casado, pai de duas filhas e de nacionalidade moçambicana. Tinha um motorista de nome Zacarias Ibrahimo Chitará, também de 31 anos de idade, solteiro, nacionalidade moçambicana.
Na altura, Gulamo Nabi dedicava-se à venda de mobílias e tinha a sua própria loja. Foram tempos difíceis e teve que arranjar um negócio alternativo para o seu sustento e dos seus. Julgou que fosse oportuno dedicar-se à venda de camarão e comercializava-o na Swazilândia e África do Sul.
Foi nessa altura que adquiriu uma pequena camioneta para ajudar no transporte da sua mercadoria. Sempre que vendesse o camarão, comprava vídeos- cassete e reprodutores para viaturas para revendê-los em Moçambique. Não era um negócio lucrativo. Era meramente uma forma de sobrevivência.
O seu negócio circunscrevia-se em algumas caixas que nem totalizavam 40 quilos. Nessa altura, havia um grupo forte de traficantes de camarão que o vendiam em diversos países europeus, a partir da Beira. Eram pessoas ligadas à nomenklatura e eram consideradas verdadeiros tubarões.
Algumas pessoas mais velhas ainda recordam-se disso pois nessa altura o escândalo do tráfico do camarão despoletou e foi apelidado de “caso das malas frias”, em virtude de o camarão contrabandeado ser transportado disfarçado dentro das malas. O mercado principal era Portugal e outros países europeus.
Contudo, em Moçambique, como é do conhecimento de muitos, os verdadeiros tubarões nunca são presos. Peixe miúdo é que sofre inocentemente. Numa data qualquer de 1983, a Polícia moçambicana na fronteira de Namaacha recebeu uma denúncia de que alguém iria passar dali com o camarão para vendê-lo na vizinha Swazilândia. Foi nesse dia que o motorista de Gulamo Nabi foi preso e com ele foram encontrados 20 caixinhas que nem totalizavam 40 quilos de camarão.
O responsável pela denúncia? Foi uma senhora chamada Fátima Razaco, mãe da testemunha-chave do processo Carlos Cardoso, o Dudú, pessoa que contou sete versões diferentes sobre os mesmos factos.
Quando Chitará foi detido, ele confessou que o dono da mercadoria era Gulamo Nabi. Mais tarde este também foi preso. Ele, durante o interrogatório, disse que o camarão lhe pertencia e que o guardava na Pescom. Confessou ainda que pelo camarão ganhava qualquer coisa como 50 a 250 contos. Esses 250 contos comprava vídeos-cassete na África do Sul para vir vender em Moçambique por 300 contos.
Confessou ainda que era detentor de uma conta na África do Sul que tinha somente 360 rands. Negou que alguma vez haja contrabandeado camarão para qualquer país europeu e que tudo não passava de uma mentira monstruosa só para o incriminarem. O seu interrogatório era dirigido por Sérgio Vieira.
Porque haviam ordens para incriminar qualquer pessoa que fosse, sobretudo quando de um monhé se tratasse, encontraram em Gulamo Nabi o bode expiatório, e os verdadeiros culpados ficaram de fora. Gulamo Nabi foi levado para a cadeia da BO e esteve no pavilhão 3 cela número 2.
Em Janeiro de 1983, houve mudanças de juízes no Tribunal Militar Revolucionário. Foi quando Luís Mondlane foi escolhido a dedo para lá e exactamente para condenar Gulamo Nabi à pena de morte por fuzilamento.
Nos dias 25, 26 e 29 de Março e 1 de Abril houve julgamento e o Major Luís Mondlane condenou Gulano Nabi a pena de fuzilamento e ao seu motorista Chitará a 12 anos de prisão e 45 chicotadas. Na altura, Indira Ghandi, o Governo Britânico, o Papa de lá do Vaticano, a Comunidade Muçulmana de Portugal e Inglaterra, a Comunidade Ismaelita da França e muitos outros interessados com a causa, pediram ao Governo moçambicano para que concedesse clemência a Gulamo Nabi e que comutasse a sua pena em prisão perpétua.
Nessa altura, Luís Mondlane, o mesmo senhor que ainda continua vivo e está a viver às custas do povo moçambicano, manipulou o processo e deu informações falsas ao falecido Presidente Samora Machel de que Gulamo Nabi era culpado e que era um verdadeiro tubarão que contrabandeava camarão para Europa. Disse ainda que ele era detentor de constas bancárias robustas em Portugal e Inglaterra, factos que jamais foram provados.
Luís Mondlane mentiu para proteger os verdadeiros culpados. Algumas pessoas pensam que Samora Machel é que esteve por detrás da monstruosa condenação de Gulamo Nabi, mas não é verdade. Houve mão esperta de Luís Mondlane para manipular o processo, do mesmo jeito que foi manipulado o processo Carlos Cardoso para condenar inocentes e deixar os verdadeiros culpados de fora. Não foi assim que Nyimpine Chissano escapou a prisão?
Morte de Gulamo Nabi
No dia 9 de Abril de 1983 um contingente policial irrompeu pela cela adentro de Gulamo Nabi. Eram 5 horas da manhã. Gulamo Nabi estava ainda a dormir. Sacudiram-no para que acordasse e uma palavra imperativa soou: “Vamos”, ordenaram. “Vão me matar agora?”, perguntou Gulamo Nabi. “Não”, responderam-lhe. Mesmo assim ele pediu: “Dêem-me três minutos para rezar, por favor”. Os seus algozes negaram-lhe o seu último pedido e foi arrastado dali para fora. Havia um camião já estacionado do lado de fora. Foi nele que Gulamo Nabi foi transportado directamente para a lixeira de Hulene.
Lá estavam presentes o presidente do Conselho Executivo da Cidade de Maputo, Gaspar Zimba, estruturas do partido, grupos dinamizadores e uma banda militar a tocar músicas revolucionárias (do comunismo). Para além de Gulamo Nabi, naquela data foram fuzilados outros cinco presos. Gulamo Nabi foi metralhado entre lágrimas a gritar ALLAH! ALLAH!
Os gritos de Gulamo Nabi eram abafados pelas canções revolucionárias. Aquelas de que todos se recordam e que eram amiudamente cantadas em qualquer evento, no tempo do repolho. Tempos tristes e que marcaram a nação moçambicana de forma indelevelmente horrorosa. Havendo algumas pessoas- como Luís Mondlane-, que no meio de tanto desespero colectivo olhavam para o seu umbigo. Para vantagens individuais.
Assim terminava a vida de um pacato cidadão, condenado por indivíduos mesquinhos só para satisfazerem a sua ambição. Eu, Nini Satar, denuncio estas atrocidades para que nenhum outro juiz moçambicano enverede pelo mesmo caminho que o de Luís Mondlane.
Tenho tantas histórias destes juízes que um ano inteiro a escrever seria pouco. Era bom que um dia, um deles resolvesse me responder. Pode ser nas páginas dos jornais ou mesmo no meu facebook. Seria um confronto interessante e um oxigénio salutar para que mais coisas revelasse sobre estes tiranos. Até a próxima.
Nini Satar
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