Centenas de deslocados do conflito político-militar na Gorongosa, centro de Moçambique, repetem hoje um “natal em branco”, divididos entre a fome, a insegurança e a incerteza devido ao perdurar do diferendo entre o Governo e a Renamo.
“Queria que a situação político-militar ficasse resolvida (em 2016)”, disse à Lusa Bernardo Matchisso, que se refugiou na vila da Gorongosa em Outubro, após escapar a confrontos entre as forças governamentais e homens armados da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o maior partido da oposição em Moçambique.
Confrontos entre as forças especiais da polícia moçambicana e a guarda da Renamo, resultantes de tentativas de desarmamento compulsivo do movimento, provocaram uma nova vaga de deslocados nos finais de Outubro nos distritos da Gorongosa e Inhaminga, em Sofala.
Centenas de famílias fugiram dos confrontos em Sadjundjira, no sopé da Serra da Gorongosa, onde o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, viveu escondido durante os primeiros 17 meses do conflito, até surgir em público em 4 de Setembro de 2014 para participar nas eleições gerais moçambicanas e onde regressou a 9 de Outubro após a invasão da sua residência na Beira pela polícia.
Os deslocados do conflito de 2013 e 2014 voltam este ano a enfrentar a fome, a que tentam escapar trabalhando na agricultura local a troco de comida.
“Queremos voltar para casa para vivermos como antes, porque a actual situação não nos dignifica”, disse à Lusa Inácio Baera, outro deslocado na vila da Gorongosa, que repete pelo terceiro ano consecutivo um “natal em branco” e que procura animar-se com a recordação das “festas com tudo em casa antes da guerra”.
No bairro Nhataca 2, a sul da vila da Gorongosa, onde o governo local tinha instalado o centro de trânsito para os deslocados, centenas de tendas militares foram substituídas por construções improvisadas e o desejo dos moradores em regressar a origem é ainda “atormentado” pela insegurança e incertezas apesar da pausa dos confrontos.
“No natal de 2014, esperávamos um 2015 tranquilo e de fartura, porque recuperaríamos a nossa vida. Mas 2015 foi pior. Depois da fome, ainda perdemos famílias pela guerra. As novas ameaças não trazem segurança e esperança” afirmou Faustino Baera.
As forças de segurança moçambicanas assaltaram a base da Renamo em Sadjundjira e desalojaram Afonso Dhlakama em 21 de Outubro de 2013, tendo o então ministro da Defesa e actual Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, justificado a acção como combate ao “terrorismo interno”.
Depois disso os incidentes violentos intensificaram-se em várias zonas do país, e só pararam quando foi alcançado um acordo de Paz, assinado em 5 de Setembro entre o então Presidente moçambicano cessante, Armando Guebuza e o líder da Renamo.
Os confrontos foram reeditados depois de a Renamo ter rejeitado os resultados das eleições gerais de Outubro de 2014 e exigir a criação de seis províncias autónomas sob seu governo.
Há um mês, Filipe Nyusi defendeu ponderação no desarmamento compulsivo da Renamo, como forma de dar espaço ao diálogo, mas o líder da Renamo – que não é visto desde a 9 de Outubro – não reapareceu e ameaçou, numa conferência de imprensa por telefone - governar as províncias onde reivindica vitória eleitoral a partir de Março próximo.
Lusa – 25.12.2015