Houve um caminhar, muitas vezes doloroso para atingirmos a libertação nacional, nesse percurso de sofrimento o 3 de Fevereiro de 1969, quando uma bomba assassinou o Presidente Eduardo Chivambo Mondlane.
Cada um da geração dita do 25 de Setembro percorreu diversas vias.
A minha via e de alguns outros companheiros assentam nas decisões que tomámos já estudantes universitários em Portugal, sobretudo em Lisboa.
No ano de 1961, a 4 de Fevereiro, o MPLA iniciou a lutar armada contra o colonialismo português, a todos indicando qual a única via possível no combate contra o colonial-fascismo português o seu chefe autista Salazar.
Pouco depois em Março a UPA (União das Populações de Angola, antes UPNA – União das Populações do Norte de Angola) desencadeou algumas acções sobretudo contra os civis brancos do Norte de Angola. As ambições de Mobutu do Zaire apadrinhavam e fomentavam Holden Roberto e a sua organização. Rapidamente e após a debandada dos civis brancos e das populações que embora africanas provinham de outras regiões de Angola sobretudo do Centro e Sul, a guerra e a sanha de Mobutu e Holden viraram-se contra os combatentes do MPLA que tentavam atravessar o Zaire e as regiões em que a UPA possuía forças.
O imperativo da luta armada, da unidade nacional e da indispensável união dos partidos saltou para a consciência de todos nós estudantes moçambicanos em Portugal.
Numa reunião em Genebra do Conselho das Igrejas (protestantes) as igrejas americanas declararam que queriam tirar de Portugal os estudantes protestantes para se juntarem à UPA.
Mondlane, que bem conhecia o pastor Marc Boegner dirigente das igrejas francesas, interveio junto deste explicando o imperativo de tirar os estudantes das colónias em Portugal, independentemente das filiações religiosas.
Marc Boegner na reunião mostrou o seu braço com uma tatuagem do campo da morte nazi de Auschwitz e declarou: conseguimos por¬que nos unimos, nós que sobrevivemos independentemente da cor da pele, filiação religiosa, simpatias políticas e origens sociais. A Igreja de França tirará todos que quiserem, com ou sem o apoio americano. A decisão final, incluindo americana, tirar todos.
Entre Maio e Dezembro de 1961, com a colaboração do PCP e do PCE e das igrejas americanas chegaram a França vindos de Lisboa e recebidos na fronteira francesa pela CIMADE (organização social das Igrejas francesas protestantes para apoiar refugiados), entre outros, Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi, Ana Simeão mais tarde Neto pelo casamento, (não confundir com sua irmã Joana desde muito agente da PIDE) João Nhambiu, António Almeida Matos, eu próprio, Fernando Ganhão.
De Coimbra vieram vários que jogavam na Académica, Chipenda mulher e filhos, Matos, José Júlio de Andrade que via Algarve e de barco fizeram uma travessia algo tormentosa até Marrocos. Jorge Rebelo, José Óscar Monteiro também saíram clandestinamente depois. Mariano Matsinhe foge via Tete e Malawi. Mário Machungo e Eneias Comiche e outros receberam instruções de acabarem os cursos e regressarem a Moçambique, donde prestariam serviços à FRELIMO, com o José Luís Cabaço, Ruy Baltazar e outros camaradas.
Porque em 1961 havia em Moçambique três organizações políticas, mais ou menos regionais ou tribais, a saber a MANU (Mozambique National Union e antes Makonde e não Mozambique), a UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique) e a UNAMI (União Nacional de Moçambique Independente), nós do grupo que fugira de Portugal declaramos que recusávamos aderir a qualquer partido e exigíamos a unidade de todos. Não repetir a triste saga angolana. Apoiamos o esforço de Mondlane e Marcelino dos Santos com quem nos reunimos em Janeiro de 1962 em Paris.
Pouco depois em Acra (Gana) a UDENAMO e a MANU declararam unirem-se. Em meados de Maio a UNAMI aderiu. A 25 de Junho de 1962 em Dar-es-Salam foi criada a FRELIMO e extintos os demais partidos. Enviado pelo grupo que estudava na Europa Joaquim Chissano representou-nos no acto. Em Setembro Pascoal Mocumbi, também representando-nos participou no I Congresso da FRELIMO onde se elegeu Mondlane como Presidente, derrotando Urias Simango que também concorrera.
Depois do desencadeamento da luta armada no regresso do interior um tal Mutola disparou a 10 de Outubro de 1966 a sua arma ferindo gravemente Felipe Samuel Magaia. Quando o camarada médico Hélder Martins encontra Magaia e seus companheiros na fronteira, Magaia já falecera no percurso. Mariano Matsinhe estava no grupo e poderá melhor narrar os eventos. Mutola detido, graças a cumplicidade tribais conseguiu fugir para o Quénia e creio que nunca mais se soube dele.
Na sequência do assassinato do camarada Magaia a direcção da FRELIMO em colectivo analisou profundamente a situação e tomou decisões.
1. Reorganizar o Departamento de Defesa e Segurança, separando um do outro, ficando Samora à cabeça da defesa e Chissano da Segurança (na realidade inteligência a obter fora do país e da Tanzânia).
2. Dissolver a LIFEMO (Liga Feminina Moçambicana), mera cópia e bem passiva da organização similar tanzaniana.
3. Igualmente no referente à FRELIMO Youth League (Liga da Juventude Moçambicana, mas com o nome sempre em inglês).
4. Criar o Destacamento Feminino nas forças armadas para integrar a mulher na tarefa principal. Josina Machel, Marina Pachinuapa, Mónica Chitupila, Deolinda Guezimane e muitas outras fizeram parte desta força que contribuiu enormemente para o avanço da causa da libertação nacional, da igualdade do género e emancipação da mulher.
Com o surgimento das zonas libertadas, a exportação de castanha de cajú e outros produtos, a importação de roupa, sabão, calçado, um grupo tentou gananciosamente aproveitar-se das carências criando as suas lojas no interior e na Tanzânia. À cabeça Lazaro Nkavandame e Silvério Nungu. Aliaram-se com Simango e Gwenjere que buscavam o poder e saíram derrotados nas eleições do II Congresso. Casou-se a ganância económica com a ambição pelo poder. A PIDE estudava estas situações e quando começaram as campanhas racistas e tribalistas e na sequência dos assassinatos de Mateus Sansão Muthemba e Paulo Samuel Kankhomba, o agente da PIDE Casimiro Monteiro na Beira preparou o livro armadilhado que viria a matar Mondlane. O embrulho do livro levava selos e carimbos soviéticos e tanzanianos para despistar a origem, um outro embrulho disfarçava o real.
Orlando Cristina colaborador de Jorge Jardim, fundador dos GE e GEP, levou o embrulho para Malawi onde entregou a um missionário que aí se encontrava e solicitou que o desse a alguém na fronteira tanzaniana para confiar a Silvério Nungu em Dar-es-Salam. Orlando Cristina será assassinado no campo da RENAMO na África do Sul, porque o apartheid não queria intermediários ou interesses portugueses no comando da RENAMO.
Nungu marcou o encontro para a recepção acompanhado por Si¬mango e, posteriormente quando Mondlane já havia recolhido o seu correio, pediu a uma camarada que entregasse o já verdadeiro embrulho do livro armadilhado ao Presidente que se preparava para sair. Si¬mango telefonou a Nkavandame em Mutwara e disse-lhe para prepararem uma festa e ouvissem pela rádio uma boa notícia. Honra e Glória à memória de Mondlane e ao seu combate pela liberdade e unidade dos moçambicanos.
P.S. Triste que a politiquice de uma edilidade queira honrar o nome de um traidor nacional e assassino de Mondlane. O patriotismo e vergonha não incomodam essa edilidade.
SV
O PAÍS - 19.01.2016