Canal de Opinião por Noé Nantumbo
Quem disser diferente, está mentindo.
Essa é a verdade, embora os “especialistas e politólogos de plantão” digam veemente o contrário.
Não é linearmente assim, ou não é assim “sem espinhas”. Mas como “quem procura encontra”, não vai ser difícil encontrar evidências de que os megaprojectos existentes e em perspectiva estão atrapalhando o momento político em Moçambique.
Existe uma forte componente política na questão de definição de quem fica com A e quem fica com B. Na hora em que são tomadas decisões sobre recursos naturais, nomeadamente mineiros ou madeireiros, há consultas e alinhamentos prévios às decisões tomadas.
Os partidos políticos da oposição andaram durante a maior parte do tempo distraídos e sem envolvimento nos “dossiers” económicos nacionais, e isso tem e teve consequências.
Houve consequências tão profundas que hoje não se pode dar um passo sem encontrar os rastos e a presença de membros da tristemente famosa nomenclatura local. E esta nomenclatura é monocromática para quem ignora.
A sua fauna acompanhante também é de igual cor política.
Sem grandes anúncios de mudança de política e sem que quase ninguém se apercebesse, os fundamentos do capitalismo de rapina moçambicano foram sendo estruturados por um partido membro de pleno direito da Internacional Socialista.
Os que nos diziam que Moçambique havia sido liberto, que a terra e os homens haviam sido libertos, estavam afinal cozinhando um “caldo-verde” à sua medida.
Se antes a maioria era analfabeta e não via que os dirigentes eram mais moçambicanos que o resto, que os dirigentes tinham direito a “lojas especiais” em que nada faltava e que o povinho se aliviava nas “lojas do povo” em que quase nada existia, nos dias de hoje algo mudou.
É todo um castelo que desabou ou desmoronou-se levando consigo a famigerada “unidade nacional”.
Hoje já não restam dúvidas de que os “libertadores” retalharam Moçambique entre os que tinham mais dentes e protagonismo.
A génese da guerra de baixa intensidade que se vive hoje é concreta e tem algo que a define. Os que não querem nem imaginam compartilhar avançam com o discurso da guerra e defendem o recurso à guerra como forma de solução de diferendos políticos. Outro aspecto é verificar que existe uma componente muito forte de benefícios por cada bala ou equipamento militar que se adquire. Se antes houve quem tirou dividendos com a guerra porque comandava o “procurement” militar, hoje são outros que lucram com a aquisição de armas. E como alguém bem disse, havia chegado a vez de eles enriquecerem. E os moçambicanos, diga-se em abono da verdade, até gostam de ser ricos e enriquecer.
Em geral, não têm problemas com a riqueza dos vizinhos, embora haja quem diga o contrário.
Moçambique não estava preparado para negociar com vantagem a exploração das suas riquezas minerais.
O país não possuía e nem possui especialistas em geociências e outras áreas afins, para assegurar que operações mais ou menos simples de quantificação das reservas sejam feitas em laboratórios nacionais.
Moçambique negociou importantes reservas de minerais estratégicos sem possuir uma Lei de Minas ou de contrapartidas mineiras que colocasse o Estado em primeiro lugar quanto a benefícios a colher do que o país tem no seu subsolo.
As coisas foram sendo “feitas no joelho” de acordo com a visão e interesse privado do detentor do poder político. As “comadres” reuniam-se e decidiam que determinado recurso mineral tinha que ser entregue a esta ou àquela multinacional.
Quanto havia para explorar era decidido pelo investidor e obviamente que em detrimento de Moçambique. Se algum dinheiro trocou de mãos das multinacionais para contas bancárias de alguns moçambicanos, é de esperar.
Assim é legítimo dizer que os megaprojectos se estão colocando contra a paz e produzem impasses ao nível do diálogo político.
A arrogância dos negociadores representantes do governo da Frelimo tem a ver com toda uma gama de interesses alistados e definidos previamente.
Não é por acaso que não se discutem questões económicas no Parlamento, ou que tudo é aprovado sempre com o voto da bancada maioritária. Não é por acaso que se chumbam comissões de inquérito parlamentar. Não é por acaso que se mantém um forte controlo da nomeação de PCA’s de empresas públicas apetecíveis e estratégicas.
Havia toda uma série de expectativas relativas à exploração de reservas de gás e carvão que não se concretizam, ou os que se propunham a investir recuam ou adiam as suas intenções. Uma coisa é certa, os principais investidores e controladores das áreas de concessão carboníferas e de gás já ganharam rios de dinheiros vendendo parte das suas percentagens nas concessões.
É ilógico e completamente inaceitável que especuladores de Londres ou Lisboa cheguem e adquiram concessões que depois acabam vendidas sem contrapartidas justas para o Estado.
Tem sido esse tipo de negócio lesivo que amarra o país ou o seu panorama político no tipo de situação política existente.
Há interesses concretos batendo-se para que a guerra avance e se propague. Eventualmente teremos o Estado de Sítio declarado, e a limitação de direitos políticos uma realidade.
As companhias do Sul que operavam ao nível dos recursos minerais em Moçambique, da Índia, China e Brasil, repetem as façanhas dos colonizadores de ontem no saque. As suas alianças com os detentores do poder em Moçambique são fortes e desviam dos cofres públicos milhões de meticais em receitas fiscais.
Jamais haveria EMATUM se não houvesse conluio com o governo de Paris. Uns parece que queriam luvas e outros também queriam o mesmo e emprego francês para um estaleiro falido na França que teve dividendos políticos importantes. As incongruências de Paris e de outras capitais ocidentais são típicas de ex-potências coloniais que se agarram a qualquer oportunidade para contrapor-se aos avanços de países emergentes do Sul quanto à expansão e acesso a negócios no Sul.
E como o “Sul” tem uma classe política precária e gente ávida de enriquecer rapidamente, tudo se torna mais fácil para os “lobbies” amarelos, brasileiros ou indianos. Os ocidentais têm embaixadas antigas no terreno e uma forte implantação, o que lhes confere alguma vantagem.
Se o nosso Parlamento tomar conta dos nossos assuntos económicos e se os partidos políticos se baterem afincadamente pelo esclarecimento das zonas de penumbra existentes, teremos um ambiente politicamente menos poluído. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 23.03.2016