ESTOU na Rua Araújo. Rua da amargura. Naquela rua que os frequentadores “desconseguem” chamar de Rua de Bagamoyo, nome atribuído depois da independência. Porque entendem que falar de Rua Araújo e Rua de Bagamoyo não é a mesma coisa, pelo menos em termos de simbolismo e identificação. A Rua Araújo é mística e mítica.
Na década 60 - 70 foi frequentada por importantes nomes do nacionalismo e intelectualismo moçambicano, casos do exímio guitarrista Daíco, do fotojornalista Ricardo Rangel e do poeta-mor José Craveirinha, só para citar alguns.
Encontro-me aqui na “Araújo”, acertei uma entrevista com uma prostituta, aliás, trabalhadora de sexo. É uma conversa contagiante entre pessoas adultas. Falamos sem tabu e nem censura. Ela escancarou as páginas da sua vida. “Tirou tudo”. Não escondeu nada. Uma espécie de catarse.
- Olha “mana-moça”, a nossa entrevista está a chegar ao fim. Gostaria que me falasses um pouco sobre os seus projectos futuros, uma vez que tencionas abandonar a Rua Araújo. O que vais fazer?
- Sim vou “bazar” daqui! Cansei-me disto. Vou virar uma página da minha vida. Quero voltar à escola, arranjar um emprego e casar. Quanto a tua pergunta: tenho plano de escrever um livro.
-Escrever um livro? Sobre o quê?
- Um livro sobre a minha história vivida aqui. Quero dar o meu testemunho sobre o que passei na Rua Araújo. Quero escrever todas as histórias verídicas que vivi. Vou contar tudo: “tinti” por “tinti”. Narrar todas as loucuras e dramas daqui. Quero contar minhas cenas algumas terríveis. Também vou contar histórias de minhas colegas. Vou partilhar episódios de quem viveu e, testemunhou a dura realidade na primeira pessoa. Vou contar, por exemplo, o porquê de homens bem casados deixarem suas casas de luxo e procuram-nos aqui na espelunca. Casos de Polícia “cinzentinhos” que extorquem dinheiro conseguido debaixo de muito “suor feminino”. Homens que são roubados alianças de casamento e não podem queixar-se em lugar algum. Gente que foge e esquece calças. Clientes estrangeiros que entram em transe e desmaiaram nos quartos. Homens que levam porrada por falta de pagamento. Homens de negócio que tiveram as chaves do carro confiscadas. Adolescentes da classe “média-alta” que procuram “mamanas” com idade de serem suas avós. Prostitutas que foram levadas de carro e acordaram embriagadas na garagem da casa de seus clientes casados! Jovens que saíram daqui de carro e nunca mais foram vistas, talvez foram mortas ou traficadas… tem casos de moças que viajam frequentemente a Tete e Pemba de avião como se apanhassem “chapa”, requisitadas para atender clientes de luxo (de multinacionais). Tudo vai ser contado de forma crua…sem máscara e nem embelezamentos. Vai ser um livro de provocação e de muitas makas... Mas a Rua Araújo não é só um lugar de “sexo à granel”, vou falar também do espaço cosmopolita e de cultura, de afectos e de reflexão e debate.
- As tuas amigas aceitaram entrar nesse “projecto”?
-Sim, tenho o aval delas. Elas apenas querem o dinheiro das vendas dos livros, o resto é comigo. Eu serei a personagem central do livro. Imagina uma capa na montra da Minerva Central ou Mabuku “Confissões inacreditáveis de uma ex-prostituta da Rua Araújo”.Vai ser um “best-seller”. Será uma obra de leitura obrigatória. Muitos vão se rever nela. Por isso acho importante escrever esse livro, deixar o meu testemunho, porque foi um privilégio passar por aqui. Quero dar valor a tudo que passei.
-Tem alguma noção de como se escreve um livro?
- Afinal escrever um livro é o quê pá? Mas custa alguma coisa pegar numa folha e caneta e escrever uma história vivida na primeira pessoa? Entre atender tantos homens numa só noite e tentar escrever um livro o que é mais difícil? Acho que escrever um livro é moleza comparando a vida dura daqui! E se for muito complicado, vou tentar pedir essa “malta Mia Couto”, “malta Paulina Chiziane”, “grupo Calane”, menos o escritor Ungulane…esse aí não! Ungulani, nem pensar!
- Ungulani não? Por que razão? Sabia que ele é dos maiores escritores africanos?
- Esse Ungulane Ba Ka Khossa não gosto dele mesmo de verdade. Chumbei no exame da 7.ª classe por causa de um texto dele, que falava dessa “malta Gungunhana e não Gungunhana”. Esse tal de Ungulane quero-lhe bem longe. Mesmo que ele se ofereça a ajudar-me, não aceito. Não lhe quero ver nem pintado. Não gramei da cena dele. Puxa, uma gaja chumbou por causa de “Ualalapi”. Um dia quando me cruzar com ele “ao vivo”, vai-me ouvir bem mesmo! A sorte dele é que não o conheço pessoalmente. Só o vejo pela TV. Mas um dia, vai ouvir “bocas e boas”!
-Não acha que estaria a ser injusta com um escritor que apenas escreveu um texto…?
-O texto “Ualalapi” que me prejudicou é dele. E você é melhor parar de defender esse Ungulani ok? Senão vou confiscar esse gravador agora e, não vais queixar em nenhum lugar! Ouviu bem?
-Sorry minha amiga…sorry “mana-moça”… não insisto mais nesse “tal” de Ungulani…
ALBINO MOISÉS - [email protected]
NOTÌCIAS – 24.03.2016