Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“…Eu considero que muitos marginais não o são por decisão própria nem são contra a lei e as normas éticas e cívicas. São simplesmente o resultado da indiferença de quem tem a obrigação de criar condições objectivas para que a justiça social seja a justiça de todos e para todos” Pe. Manuel Maria Madureira da Silva in “Prioridades 3”.
Muitas vezes tenho levantado questões que o futuro confirma. Penso que sou diferente de alguns fazedores de opinião pública, porque faço prognósticos antes e não depois dos acontecimentos. Como bem observa o escritor luso-moçambicano José Rodrigues dos Santos (cito de memória) “…nós somos sempre sábios em relação ao passado depois de ver qual é a chave milionária do totoloto”.
Na semana passada escrevi uma crónica sobre a primazia que os serviços penitenciários do país dão aos reclusos em relação ao pacato cidadão. Não tardou que o presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, exonerasse o senhor Abdurremane Lino de Almeida, do cargo de Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR). Fê-lo na sexta-feira santa, 25 de Março, o que per se demonstra que santa foi a decisão do presidente da República.
Não é preciso ter dois dedos de testa para concluir que a justiça em Moçambique anda aos ziguezagues. É evidente que o senhor Abdurremane não foi o coveiro, mas também pouco ou nada fez para que a justiça no nosso país estabelecesse o equilíbrio entre o direito dos grandes e o direito dos pequenos. A despeito das vicissitudes existentes, a justiça moçambicana não é a pior nem a melhor do mundo, mas é nossa e por sê-la deve corresponder indefectivelmente ao fito da Constituição da República. Ora, a justiça nos últimos anos foi mais injustiça do que justa para com os desfavorecidos.
A justiça para ser justa não basta a exposição triunfalista de casos julgados, a exibição da percentagem dos processos “desencalhados” nos tribunais, a criação ou alteração de novos “remendos constitucionais”, a formação de novos paladinos da legalidade, a expansão dos tribunais pelos distritos, mas sim e fundamentalmente, que os instrumentos da justiça sejam conhecidos e estejam efectivamente ao alcance de todos os moçambicanos. O acesso à justiça não pode ser limitado ao pagamento de valores que o povo não pode prover.
A grande divisa de um país reside no funcionamento pleno da justiça. Ou seja, uma justiça igualitária para todos, que significa, ao mesmo tempo, a não exclusão entre os direitos dos afortunados e dos pelintras. Destarte, a justiça moçambicana não deve circunscrever-se apenas ao território nacional, ela tem de actuar fora das fronteiras nacionais no cumprimento dos superiores interesses da nação. Os refugiados moçambicanos em Kapise, por exemplo, é uma questão de justiça e de honra e não de política.
Esta centelha não tem como propósito exumar e esmiuçar os pecados do senhor Abdurremane enquanto titular do cargo de MJACR. A minha intenção é, portanto, apelar ao novo timoneiro da Justiça, senhor Isaque Chande, a fazer a diferença, isto é, a construir uma “justiça da diferença”, olhando mais para as pessoas, dialogando mais com elas, enfim, agindo sempre em defesa dos mais necessitados.
Não adianta, tal como o tempo tem demonstrado na sua infalível justiça, em preocupar-se muito com reformas, no sentido de introduzir novas leis, novas aspirinas penais, e, mormente, uma nova estrutura, porque como bem notou o saudoso professor José Hermano Saraiva (JHS): Toda a estrutura provoca uma rotura e vice-versa. Ou seja: depois da estrutura há uma nova rotura e essa estrutura é a base de outra rotura. A História é isso mesmo: estrutura-rotura e vice-versa. Este é o processo dialéctico da História. É assim que muitos ministros perderam (e ainda perdem) o horizonte (o foco) governativo por preferi rem enveredar os velhos hábitos de “caça às bruxas”. Não vá, então, o ministro Isaque entender que o mal da Justiça em Moçambique é o excesso ou exiguidade de leis. O que é preciso fazer, repito mais uma vez, é a capacidade de compreender o contexto histórico, político, social e cultural do país e aconselhar-se no povo “é quem mais mais ordena”. A Justiça, como diria outro escritor português Aquilino Ribeiro, é uma ciência da compreensão. É fundamental compreender que o mais importante é a nação e não o poder financeiro. Agravar taxas nos serviços de registos e notariados pode engordar as contas do MJACR, mas empobrece a vida da população e aumentam os riscos de conflitos. É destruir os pilares da cidadania, do contrato social e da nossa moçambicanidade. Fazer a diferença, como recomenda o título em epígrafe, significa, outrossim, trabalhar afincadamente com as religiões que são verdadeiras sentinelas da moralidade das famílias moçambicanas. As religiões (nem todas, porque algumas são maleitas à sociedade) são reservatórios dos valores morais e espirituais. A Constituição da República deve ser respeitada, porquanto ela tem cor partidária, não tem religião, não tem classes sociais, não tem raça, também não tem privilégios de etnias nem tribos, não tem clubes de futebol, não faz a diferença entre ricos e pobres, pelo contrário, tem um ÚNICO MOÇAMBIQUE, UNO e INDIVI-SÍVEL. A Constituição tem a paz. A Constituição é MOÇAMBIQUE, a nossa Pátria Amada. Nesse sentido, dentro das balizas legais, o MJACR deve estabelecer compromissos com as religiões idóneas para corrigir o que de errado se faz no país, e promover e irradiar os valores positivos. As leis do Estado para serem eficazes devem ser temperadas com os preceitos religiosos (direito canónico, etc.). De contrário, será mais um esforço titânico que consiste em “tentar saltar um poço com dois passinhos”. ZICOMO (obrigado e um abraço nhúngue).
WAMPHULA FAX – 28.03.2016