O Fundo Monetário Internacional (FMI) cancelou uma missão que deveria visitar Moçambique, ao longo da semana corrente, devido a empréstimos não revelados para os sectores da defesa e segurança.
Contudo, o ministro moçambicano da economia e finanças, Adriano Maleiane, que actualmente se encontra na cidade norte americana de Washington, em conversações com as instituições de Bretton Woods, nega a existência de empréstimos ocultos.
Falando em conferência de imprensa em Washington, na sexta-feira, a directora do Departamento Africano do FMI, Antoinette Sayeh, disse que o FMI recebeu a confirmação na semana passada da existência de avultados empréstimos que não haviam sido revelados anteriormente ao FMI.
'O empréstimo não divulgado ultrapassa um bilhão de dólares norte-americanos e significativamente muda nossa avaliação da perspectiva macroeconómica de Moçambique', disse ela. 'Estamos actualmente a determinar em cooperação com as autoridades os fatos relativos a este empréstimo'.
Recomendamos as autoridades para que quaisquer transacções relacionadas com a dívida e que não tenham sido revelados, independentemente do seu objectivo, sejam reportados publicamente e de uma forma transparente', acrescentou.
Explicou que essa divulgação é essencial para garantir a plena responsabilização do governo perante os seus cidadãos e Parlamento, bem como permitir uma avaliação correcta do impacto da dívida previamente não revelada na perspectiva macroeconómica e ainda para se avaliar o impacto dessas possíveis transacções em acordos apoiados pelo FMI para Moçambique.
A missão do FMI para Moçambique tinha como objectivo rever os acordos do país ao abrigo do Instrumento de Apoio à Política (PSI) e da Facilidade de Crédito Standby.
O PSI não é um empréstimo. O FMI descreve o PSI como sendo um mecanismo concebido para os países de renda média que não querem ou não precisam de assistência financeira desta instituição multilateral de crédito, mas que precisam da assessoria, monitoria e aprovação das suas políticas.
Por outro lado, a Linha de Crédito Standby (SCF) é um empréstimo. É um meio para providenciar assistência financeira aos países de baixa renda com problemas a curto prazo na balança de pagamentos.
Nos finais de Outubro de 2015, Moçambique solicitou um empréstimo no valor de 204,5 milhões de Direitos de Saque Especiais (equivalente a cerca de 282,9 milhões de dólares americanos). O Conselho de Administração do FMI concedeu o pedido e a primeira parcela (cerca de 118,9 milhões de dólares ficou disponível em Dezembro.
Mas a missão do FMI foi agora cancelada', enquanto se aguarda uma divulgação completa e apreciação dos factos', disse Sayeh.
A primeira menção de alegados empréstimos 'ocultos foi veiculada através de um artigo publicado no 'Wall Street Journal' (WSJ) na sua edição de 3 de Abril corrente, referindo que, para além dos 850 milhões de dólares em títulos emitidos pela Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) no mercado Eurobond em 2013, houve mais um enorme empréstimo para a Pro-Indicus, uma empresa moçambicana estatal, concedido pelo Credit Suisse e VTB da Rússia, precisamente os dois bancos envolvidos na emissão dos títulos da EMATUM.
Este empréstimo foi supostamente para 'pelo menos 787 milhões de dólares' - embora os números citados pelo WSJ não sejam claros. O jornal escreve que o empréstimo inicial para a Pro-Indicus foi de 622 milhões de dólares para financiar a compra de barcos de patrulha e instalações de radar. O banco disse ter abordado os investidores em 2014 para alargar o empréstimo para 900 milhões de dólares. O artigo não especifica qual foi o valor final do empréstimo.
O WSJ limita-se a citar uma pessoa anónima familiarizada com o empréstimo' alegando que o empréstimo deveria ser liquidado até 2021.
Aparentemente, os detentores dos títulos da EMATUM não foram informados previamente sobre o empréstimo da Pro-Indicus. O Credit Suisse manteve-se no silêncio e só veio divulgar a informação depois de mais de 85 por cento dos investidores terem aceitado a oferta do governo moçambicano para a troca dos títulos da EMATUM por outros títulos soberanos do governo com um período de reembolso mais longo, mas uma taxa de juro mais elevada.
Falando em Washington à agência de notícias Lusa, Maleiane negou a existência de 'empréstimos ocultos' e explicou que houve alguma confusão no âmbito do caso do financiamento da EMATUM.
Houve alguma confusão e acabou colocando Moçambique num barulho sem necessidade. Tudo aquilo que tem a garantia do Estado está garantido. Nós assumimos tudo o que havia sido assumido pelo Governo. Essa é a tranquilidade que eu continuo a dar aos investidores, disse Maleiane.
A comunidade internacional vai perceber em primeiro lugar que Moçambique é um país que nunca faltou ao pagamento; segundo, nós dissemos a todos os investidores que tudo aquilo que tiver garantia passada para o Estado, está seguro, nós honramos o compromisso, insistiu.
Segundo Maleiane, durante o processo da recompra de títulos da EMATUM foi feito um documento de trabalho, um prospecto, com toda a informação. Nesse documento havia dois projectos que tinham garantia do Estado e um deles era para a Pro-Indicus.
Maleiane confirmou que em 2013, no mesmo ano em que foram emitidos os títulos da EMATUM, o Credit Suisse e VTB emprestaram 622 milhões de dólares a Pro-Indicus 'para financiar a compra de navios e instalações de radar para combater a pirataria'.
Não houve nada de secreto nisso, disse Maleiane, e isso foi incluído no prospecto disponibilizado aos investidores da EMATUM que estabelecia dívida pública externa de Moçambique em 11 bilhões de dólares.
Para os investidores, esta informação era importante, saber se de facto aquele montante que diz que é dívida do país incluía tudo. E eu posso confirmar que incluía isto tudo, disse, Maleiane.
Os bancos que intermediaram a operação não disseram que aquele montante que está no prospecto já incluía os dois empréstimos. Mas também não sei por que é que haviam de dizer. Aquilo é um empréstimo privado entre o Estado e os bancos. Esses bancos é que fizeram a repassagem para os vários clientes, acrescentou
Estas declarações não são totalmente claras, mas Maleiane parecia estar dizendo que a emissão dos títulos era para pagar as dívidas da EMATUM e da Pro-Indicus. Informações da imprensa francesa de 2013 indicam que os 30 barcos encomendados pela EMATUM (24 barcos de pesca e seis navios patrulha marítima) no estaleiro CMN no porto francês de Cherbourg custaram o equivalente a cerca de 230 milhões de dólares.
Esta soma, acrescida aos 622 milhões de dólares do empréstimo da Pro-Indicus perfaz cerca de 850 milhões de dólares ou seja o mesmo valor arrecadado pela emissão dos títulos (ou ' notas de participação no empréstimo') vendidos através do Special Purpose Vehicle EMATUM Finance BV 2020, criado especificamente na Holanda para lidar com o assunto dos títulos.
Portanto, isso sugere que se trata mesmo empréstimo. Embora esta aparente ser uma interpretação razoável, a mesma carece de uma confirmação e explicação detalhada sobre o valor exacto gasto na aquisição dos barcos de patrulha e radares para a protecção costeira. Esta explicação deverá ser fornecida ao FMI e todos os moçambicanos.
pf / sg
AIM -17.04.2016
NOTA:
Parece haver discrepâncias naquilo que pode ser considerado como “empréstimo” e “aval”.
O FMI diz existirem mais de 1 bilião de dólares de empréstimos ocultos.
Será que o FMI não saberá o que foi “aval” e o que foi “empréstimo”, mesmo sem as “explicações” de Maleiane?
Sendo já conhecido o “aval” de 622 milhões de dólares à PROINDICUS, o valor indicado pelo FMI estará para além deste montante. Sabendo-se que esta empresa nada irá produzir para o pagamento do “aval”, que vai ter de ser transformado em “empréstimo” ao Estado Moçambicano, seu avalista que é quem o terá que liquidar.
Atendendo a que Maleiane “confirmou que em 2013, no mesmo ano em que foram emitidos os títulos da EMATUM, o Credit Suisse e VTB emprestaram 622 milhões de dólares a Pro-Indicus 'para financiar a compra de navios e instalações de radar para combater a pirataria', não irão estes “bens ou equipamentos” render tostão para o seu pagamento. Será então “aval” ou “empréstimo”? Mais: Onde estão esses navios e radares? A quem foram encomendados? Cadê os contratos?
Afinal para onde foi o “empréstimo” de 1 bilião de dólares a que refere o FMI?
Quando será que se deixará de brincar com o “patrão”?
Quando será que uns tantos irão parar à cadeia?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE