1 - Sobre o crédito para a Base Logística de Pemba: a estranha "acomodação" de Chipande
2 - Sou contra o bota-abaixo
3 - O Porto de Maputo remando contra o marasmo
4 - E ainda encerramos o nosso espaço aéreo atrasando o turismo e adiando negócios, ao mesmo tempo que se apela ao aumento da produção e se exige mais contribuição fiscal
5 - Consta que há mais uma dívida
6 - Um retrato limitado da crise que nos bate a porta
7 - Uma omissão e um dilema do Primeiro-ministro
8 - Jornal de parede
9 - O Presidente entre a pompa do poder e o seu exercício
10 - E os responsáveis pela omissão e pelo silêncio?
11 - A crise fiscal já bateu a porta!
12 - Sobre prestar contas lá fora e descurar cá dentro
13 - Estas agências de rating (classificação de risco) tiram-me do sério
14 - A corrupção não acontece apenas no sector público, caros magistrados!
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1 - Sobre o crédito para a Base Logística de Pemba: a estranha "acomodação" de Chipande
O mais recente crédito dessa leva frenética dos créditos ocultos foi para a Base Logística de Pemba. Para mim estranhamente. Minhas contas não batem certo. A Base foi sub-concessionada pelos Portos de Cabo Delgado (PCD), que detém uma concessão da faixa costeira da Tanzânia até 330 milhas a sul do Porto de Pemba, a ENHILS. Este é um consórcio que junta a ENH, a angolana SONILs e a Orlean Investiments, do nigeriano de origem italiana Gabrielle Volpi. Quando recebeu a concessão, assumiu-se que esta malta tinha dinheiro.
Um pouco de enquadramento: a concessão da base à ENIHLS foi a contra-gosto de Chipande. Ele, através da Associação Cabo Delgado em Moçambique com o apoio da Norconsult, equipou-se para concorrer num concurso que nunca acabou sendo lançado. Porque o Governo de Guebuza, com o seu Ministro Gabriel Muthisse, atribuiu a base a ENIHLS. Sem concurso, repito. Isto originou uma zanga entre Chipande e Guebuza. Ou uma ira de Chipabde relativamente a Guebuza...
Entretanto, nos últimos meses foi noticiado que Valentina Guebuza tinha relações comerciais com a ENILHS. Entretanto, mesmo com a zanga, quando a bronca da EMATUM rebentou, Chipande apareceu em público defendendo o interesse empresarial da empreitada. Como? Se, como se diz, o principal mentor da EMATUM é Guebuza, o que fez com que Chipande batesse palmas?
O certo é que a ENILHS revela no entanto que não tinha dinheiro para avançar com as infra-estruturas. Afinal, a aliança com a SONILS (da Sonangol) e a Orlean era um bluff. A solução era ir buscar dinheiro lá fora. Onde? China. Então entra em jogo a China Harbour Engeneering Company (CHEC). Ofereceu-se para avaliar o projecto. O custo era de pouco mais de 200 milhões de USD. Mas o projecto não passou no due diligence que a CHEC realizou. O consórcio não tinha credibilidade.
Mas… mas depois aparece o banco VBT russo a conceder esse crédito para a Base. 550 Milhões de USD, em vez de 200. Que o África Confidencial diz que foi concedido para “acomodar” Chipande. Será isso que explica a diferença entre os 200 milhões que se pretendia para investimento e os 500 milhões que foram contratados? Será isso? Por estas e outras razões exige-se uma auditoria urgente à dívida pública.
2 - Sou contra o bota-abaixo
Todos dos dias lemos nos jornais e nas redes sociais que o ex-presidente Armando Guebuza e o ex-ministro das Finanças Manuel Chang já deviam estar presos pelo seu papel na contratação de uma dívida cujo processo não obedeceu aos trâmites estabelecidos na Lei Orçamental e na Lei da Probidade Pública e cuja sustentabilidade era duvidosa. Boa parte desta dívida serviu para a compra de armamento de guerra. Sempre fui contra esse investimento na Defesa em vez de um investimento nas áreas sociais.
Mas cada vez mais acredito nos princípios que nortearam a criação da Ematum e da Pro-indicus, nomeadamente o princípio da protecção costeira. Esta costa de 3 mil quilómetros que Moçambique tem, sem mesmo contar com sua riqueza em produtos do mar e hidrocarbonetos, é hoje, se calhar, o principal activo do país.
O escândalo da dívida está aí. Tudo o que sabemos decorre de informação gerada fora do país. Para já sabemos muito pouco. Só uma auditoria geral à dívida pode trazer elementos que apontem para indícios de violação de procedimentos administrativos ou indícios de prática de qualquer crime. Refiro-me a auditoria porque espero que ela venha a ser feita no quadro do possível resgate do FMI.
O normal seria que o Ministério Publico tivesse agido logo que se constatou que o Governo contratou a dívida para a EMATUM sem passar pela Assembleia da República. Essa violação podia ter suscitado uma reacção da Procuradoria-geral da República. Mas ela não fez nada.
Estamos habituadas a que não faça nada. Os pareceres do Tribunal Administrativos sobre a Conta Geral do Estado trazem todos os anos indícios de violação e crimes mas a PGR não faz nada. E tem um representante no TA (esta direcção do Ministério Público deve ser demitida em bloco). Triste cenário.
O assunto da dívida pública oculta é um assunto delicado. Por isso, ele não deve ser tratado de ânimo leve, com essas caricaturas e xingamentos insultuosos na praça pública. Quer se queira quer não, Guebuza e Chang são inocentes até que se prove o contrário. E ninguém ainda provou isso, incluindo os comentadores mais vibrantes de nossas tvs e os caricaturistas mais talentoso das redes sociais.
A presunção de inocência é um princípio fundamental do nosso direito penal e faz parte dos direitos constitucionais mais básicos. Por isso de nada adianta estarmos a condenar por antecipação essas duas figuras. Este assunto é demasiado sério para ser tratado com tamanha leviandade.
3 - O Porto de Maputo remando contra o marasmo
No meio do marasmo em que vivemos e ante um desânimo quase geral por causa da crise da dívida e toda a conjuntura ruim para o investimento privado, há quem não desarma… e arregaça as mãos para mostrar que ainda há esperança e…futuro. Ao anunciar um investimento de 100 milhões de USD em dragagem, contratada a um consórcio bancário local (que venceu um concurso publico internacional), o Porto de Maputo, liderado pelo jurista Osório Lucas, quer melhorar sua competitividade.
A dragagem vai permitir que navios de 80 mil toneladas escalem o Porto. Pretende-se aumentar a profundidade do canal de acesso para 14 metros e expandir a sua largura. Isso vai permitir que Maputo possa arrancar algum mercado a Richards Bay e a Durban. São estes tipos de iniciativas empresariais que animam no meio de uma terrível cacofonia de desalento. A crise ninguém a esconde e o sector imobiliário, incluindo novos empreendimentos hoteleiros, já se ressente de uma forma drástica. Mas ao partir para esta empreitada, o Porto de Maputo está a cumprir o seu papel, aumentando a capacidade instalada da infra-estrutura. E aposta na economia do mar, que em Moçambique ainda se descura, mas que, no caso concreto tem um potencial multiplicador de 1 bilião de USD anuais, dado o impacto positivo em negócios afins como agenciamento, frete, transporte e estiva, E operadores que vem a Maputo carregar no porto essencialmente minerais que da RAS e do Zimbabwe, vão poupar 8 USD por tonelada. É boa fruta. A competitividade do Porto de Maputo seria melhorar não fossem essas rendas fictícias que os operadores pagam em serviços de racionalidade duvidosa, que não vale a pena mencionar.
4 - E ainda encerram nosso espaço aéreo atrasando o turismo e adiando negócios, ao mesmo tempo que se apela ao aumento da produção e se exige mais contribuição fiscal
O voo 142 da SAA que devia ter partido de Joanesburgo para Maputo há cerca de meia hora, teve de retornar a placa porquê? De repente, o espaço aéreo de Maputo está encerrado. Não sei como é que isso funciona. Já viajei para dezenas e dezenas de destinos por esse mundo fora e nunca um voo foi atrasado por encerramento do espaço aéreo. O máximo que vivi foi dar voltas e voltas a espera de uma brecha para o avião aterrar, por congestão. Ou lançar vitupérios na placa a espera de uma brecha para o avião levantar, por congestão.
No nosso caso, a congestão está na pobreza das nossas mentes. Um país paupérrimo que se dá ao luxo de atrasar voos comerciais por razões que não são sobejamente públicas. Bom... eu sei que só pode ser em virtude do Presidente Nyusi estar regressando.
Mas não acredito que esta orientação seja dele, embora eu não compreenda porquê não se está a usar a gare da Base Aérea, que foi reabilitada com cunho presidencial. Nyusi que já apelou para o aumento da produção para podermos sair da crise. Um contra-senso. Porque esse fecho afecta o turismo e adia negócios.
5 - Consta que há mais uma dívida
Consta que há mais uma dívida, esta ligada ao Ministério do Interior.
A notícia está a ser veiculada pela RDP-África. Cerca de 250 milhões de USD. Só estou a ver esse "investimento" nas Forças de Intervenção Rápida. É provável que surjam mais revelações, assim às pinguinhas.
Para a credibilidade do actual governo, é necessário que o PM Carlos Agostinho do Rosário promova uma Conferência de Imprensa tendo ao lado de si o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiene. Do Rosário chega dos EUA amanhã. Em condições normais, ele seria cercado no Aeroporto de Mavalane por jornalistas sedentos de informar a opinião pública. Mas o PM também podia tomar iniciativa própria de convidar os jornalistas a irem ao Aeroporto. Recuperava uma aura samoriana. Vezes sem conta, Machel fez de Mavalane um palco da sua comunicação com o povo.
A dimensão da armadilha em que caímos é enorme. A teia era ferozmente mortal. O VTB russo andou intermediando créditos of budget de montantes menores mas não necessariamente irrelevantes. É, pois, provável que nos próximos haja mais relevações.
O problema comum de todos estes créditos é que eles apresentam valores empolados. Cinco vezes mais que o valor necessário para implantar um negócio. E isso não se aplica apenas a Ematuns e Pro-indicus. Os Aeroportos de Nacala e Maputo viram os seus orçamentos aumentando vertiginosamente. A Ponte da Catembe tem um custo superior ao seu preço se ela fosse construída na China.
Isso mostra que boa parte da dívida pública serviu para pagar comissões de intermediários lá fora e governantes cá dentro. O papel dos Credit Suisse e VTB também tem algo de criminoso. Estes bancos intermediaram parte das operações e ficaram com milhões de USD nos seus bolsos. Foram eles que atraíram investidores para bancarem no nosso país em função das possibilidades da industria extractiva.
Quando Moçambique começou a encaixar com receitas de tributação de mais valias no carvao e alguma no gás do Rovuma, os apetites dessa gente de lá e da nossa gente de cá ficaram mais aguçados.
E pronto! Moçambique passou a ser uma presa fácil sobretudo porque as suas elites políticas estavam ávidas de encaixar milhões sem trabalhar e à custa da maioria. Quando chegou ao Ministério da Economia e Finanças, Maleiane descobriu que havia lá uma espécie de mercado de garantias soberanas. A facilidade com que o Estado avalizou negócios de viabilidade duvidosa era diabólica. Maleiane decidiu que isso tinha de acabar mas começou a sentir que havia reservas já bem sedimentadas.
Nesse aspecto particular, ele ainda não venceu. Mas com a iminência de isto ser entregue ao FMI as coisas vão mudar de feição.
6 - Um retrato limitado da crise que nos bate a porta
Parece que muita malta ainda não enxergou o que nos espera nos próximos três anos – período estimado para as coisas voltarem a normalidade – mas o drama que se segue é tremendo. O meu amigo Teo Nhangumele escreveu uma prosa bastante elucidativa sobre isso. Ontem liguei-lhe brincando que eu tinha uma notificação para ele ser ouvido por actividades subversivas. Ele deu uma risada interminável e concordamos que ele tinha escrito o sentimento de muitos.
Os mais velhos se recordam do Programa de Ajustamento Económica, o PRE, introduzido em 1987. Naquele tempo havia dois mercados: um com preços administrados e outro com preços de mercado, o chamado paralelo. Era mais barato comprar no mercado oficial porque o Estado subsidiava os preços. Nos mercados paralelos as coisas eram mais caras. E havia também uma gritante diferença entre ambos.
Uma das consequências da crise é entregarmos a gestão das finanças públicas ao FMI. Não há saída. Ou abismo ou FMI. Ou viramos párias nos mercados financeiros internacionais ou entregamos nossa soberania por uns tempos. E quanto mais cedo, melhor. Aliás, o Governo já devia estar a escrever uma Carta ao FMI solicitando o seu apoio. A situação não é como a da Argentina, que optou pelo calote, recusando pagar.
A nossa saída é a da reestruturação da dívida. Que não foi a opção de Portugal nem da Grécia.
Mas o que significa mesmo a entrada do FMI? Significa que o Estado vai deixar de subsidiar a economia. Significa que nossa economia se torna uma economia de mercado, de facto. Sobe a gasolina, sobe a água, a luz e tudo em cascata. Agrava-se a crise imobiliária em virtude do abrandamento do IDE. O Metical perde cada vez mais força. E creio que coisas com a LAM e as TDM vai ter que ser avaliadas. Na verdade, os subsídios ao sector empresarial do Estado serão cortados.
A situação de fragilidade negocial do Governo levará a tomada de decisões difíceis. E se os americanos forçarem a montagem de uma Base Naval em Moçambique? A crise é há muito tempo sentida nas camadas periféricas. Mas ela já está a bater as portas das classes médias urbanas. Os atrasos salariais na função pública serão frequentes.
Haverá despedimentos no sector privado. A lista é interminável…um legado difícil.
7 - Uma omissão e um dilema do Primeiro-ministro
Em vez de uma tendência crescente de redução da dependência, estamos quase a entrar para um ciclo de perda de soberania.
O primeiro-ministro é uma pessoa de bom senso. Protocolarmente correcta e afável, ele fez ontem uma declaração sobre sua jornada em Washington DC. O que se destaca é a promessa de uma explicação cabal aos moçambicanos sobre o processo recente de endividamento e sobre como sairmos do buraco em que estamos. Ele disse que seus encontros correram bem e que continuaria a conversar com o FMI, o Banco Mundial e o Governo do Estado Unidos da América. Mas esqueceu-se de mencionar os doadores que financiam o Orçamento do Estado.
Dentro de dias, estes doadores estavam em vias de desembolsar parte dos 300 milhões de USD prometidos para este ano, o que ajudaria a tesouraria. Esta omissão pareceu-me grave e aconteceu no mesmo dia em que a Embaixadora da Suécia, Irina Nyoni, declarava que os doadores estavam a espera de explicações do Governo. A ajuda deste grupo de doadores será fundamental para amainar a crise. Seu apoio ao Orçamento, aliás, sempre foi relevante para Moçambique, se bem que nos últimos anos da Governação de Guebuza eles tenham sido “combatidos” no contexto de uma propalada redução da dependência externa, que agora se releva um grande fracasso. Em vez de uma tendência crescente de redução da dependência, estamos quase a entrar para um ciclo de perda de soberania.
A comunicação do Governo sobre a crise, para além das negociações concretas com os doadores e o FMI, vai ser fundamental para a criação de um ambiente de esperança. Mas ela deve ser feita com mais cuidado.
Um desses cuidados foi a demarcação do PM relativamente ao Governo anterior. Ele disse que as dívidas foram contraídas pelo anterior Governo. Contudo isso não elimina várias evidências: o Partido no Governo é o mesmo e continua a ser um centro de poder que determina posturas como aquela da bancada parlamentar, adiando a prestação de contas sobre a crise.
O PM vive entretanto um dos seus grandes dilemas. Antes de chegar ao cargo ele sonhava fundos soberanos, perspectivando uma gestão cuidada dos recursos das indústrias extractiva, até aqui colectados na forma de tributação de mais-valias. Hoje ele não está e gerir fundos soberanos; está a gerir pesadelos de dívida soberana, boa parte da qual serviu para pagar comissões chorudas, inclusive a bancos como o Credit Suisse e o VBT, cujo papel foi, na verdade, o de intermediação.
8 - Jornal de parede
Um amigo de gema diz que estou a escrever demais, que assim ninguém tem fôlego para ler e eu vou ficar drained de tanto pensar e postar...que eu devia dosear o time de decalage e fazer no máximo 3 posts por dia. Eu pensava que o pessoal tinha tempo para ler o que escrevo neste jornal de parede. Afinal não! Tristeza. Haamm.....por falar em jornal de parede, esse era um dos sonhos do Carlos Cardoso.
Democratizar a informação...malta que sobe my love também deve estar informada sobre o país e sobre...porquê afinal sobe my love.
Jornal de parede foi também usado pela Frelimo nas zonas libertadas para informar sobre o curso da revolução...pelo que não é nada de pejorativo. Cabe em nossa floresta de pasquins.
Mas essa de eu ficar drained vou dizer ao meu amigo que nem tenho pensado e reflectido assim tanto para escrever o que escrevo. Na verdade é um exercício intelectual que me está enraizado até o ultimo pelo das minhas sobrancelhas. E não me dói. Alimenta-me. Mas talvez repense. Um post por dia e recolho-me para outros afazeres… ando na verdade a pensar num blog. Quem sabe?
9 - O Presidente entre a pompa do poder e o seu exercício
No Brasil, quando o Collor de Melo era presidente ele se preocupava mais com a pompa do poder e não com o seu exercício. Tinha poder mas não governava. Era um presidente cosmético. Não digo que Nyusi é também ele assim mas parece que sua autoridade não anda em alta.
Parece que ninguém lhe ouve. Porque se fosse ouvido, o Governo já estaria a dar sinais contra o despesismo em vez se atirar com todas as garras para o bolso do contribuinte.
Nyusi disse que era necessário que a despesa pública fosse foi feita de forma mais saudável. Mas…quem está a pensar nisso? A adjudicação de obras e serviços por organismos do Estado mostra números completamente empolados. Incluindo em concursos da própria Autoridade Tributária. E o FIPAG também. Mas a coisa mais indicativa de que o país está a nadar em dinheiro e o que Nyusi diz não faz sentido é essa da camarada Verónica Macamo vir anunciar a construção de uma Vila Parlamentar orçada em 400 milhões de Meticais. Dois dias depois da declaração do Presidente. Eu já não percebo nada. Juro palavra de honra.
Uma politica contra o despesismo é urgente. Só isso vai dar conteúdo concreto ao que o Presidente Nyusi pretende.
10 - E os responsáveis pela omissão e pelo silêncio?
Uma das coisas que deverá ser explicada, se houver explicação cabal, sobre esta corrida a créditos na base de expectativas de receitas futuras, é porque é que se optou por um crédito mais caro (juros de 8%) quando havia ofertas mais baratas (juros de 4.5%). Foi o BIP português quem esteve cá a tentar intermediar o negócio da Ematum e trazia na carteira essa oferta de 4.5, que não foi tomada. Outra coisa tem a ver com responsabilidades. Todo o mundo pede a cabeça de Guebuza e Chang. Isso não é o mais prioritário para mim. Vou explicar porquê num texto que tenciono escrever. Em todo o caso, quando se fala em responsabilização todo o mundo apenas enxerga a responsabilidade daqueles que decidiram politica e administrativamente pela contratação destes créditos. Esquecemos os responsáveis por omissão e pelo silêncio. E nisso cabe o banco central. Que alias até deu um parecer ao Governo sobre parte destes créditos, não se percebendo porque é que seus dirigentes máximos dizem agora que não sabiam de nada.
11 - A crise fiscal já bateu a porta!
Pois já está. A Autoridade Tributaria começou a aperta o sector privado das províncias de uma forma violenta. Fiscalizações e multas às catadupas. Pior, a crise de Tesouraria no Governo vai ser grave nos próximos dias (ainda não sei se afectará o pagamento de salários na função pública), com o cancelamento da tranche de mais de 100 milhões de USD que o Governo esperava receber do FMI. E então? E então, a AT já está a solicitar que algumas empresas e empresários paguem impostos ainda não devidos. Ou seja, o Governo já está a cobrar imposto por antecipação. Até quando?
12 - Sobre prestar contas lá fora e descurar cá dentro
Ontem o FMI fez um comunicado a dizer que o PM Carlos Agostinho do Rosário reconhecia que havia créditos ocultos de mais de 1 bilhão de USD. E essa nota foi enviada as agências internacionais. Eu soube pela Lusa. Não pela AIM nem pela RM. Se a relevação sobre as incidências da divida são feitas pelos media estrangeiros, não se esperava que o Governo as confirmasse lá fora primeiro, descurando a prestação de contas interna. Creio que logo que teve a reunião com o FMI, a assessoria de imprensa do PM devia preparar uma nota de imprensa resumindo o conteúdo das declarações do PM ao FMI. E distribuir para os media nacionais. É assim como as coisas devem ser feitas. O Governo não pode descurar a importância da comunicação para as praças internas. A sua ausência só levanta suspeitas e alimenta desconfianças.
13 - Estas agências de rating (classificação de risco) tiram-me do sério
No mesmo dia duas delas tem avaliações diferentes sobre Moçambique.
A Moddys desce o rating de Moçambique e diz:
"A principal razão para a descida do 'rating' é a recente troca de dívida da Ematum, orquestrada pelo Governo de Moçambique, que a Moody's considera ser uma 'troca problemática' e, por isso, um incumprimento ['default', no original em inglês] na dívida garantida pelo Governo", lê-se na nota distribuída hoje pela agência de 'rating'
"A moody's encara este 'default' como um sinal de pouca vontade por parte do Governo para honrar futuras obrigações com a dívida, e isto suplanta o impacto positivo que a troca de dívida tem na liquidez externa por via da melhoria, a média termo, do perfil de amortização de dívida externa pelo Governo", acrescenta a nota hoje divulgada.
A S&P sobe o rating de Moçambique e diz:
A agência de notação financeira Standard & Poor's subiu hoje o 'rating' de Moçambique para B-/B, na sequência da conclusão do processo de troca de dívida da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), com Perspectiva de Evolução Estável. "O Governo de Moçambique completou a troca de dívida da Ematum por títulos de dívida pública com maturidade em 2023, por isso subimos o 'rating' de Moçambique para depósitos em moeda estrangeira a curto e longo prazo, de Incumprimento Seletivo para B-/B, e afirmamos o 'rating' da moeda local em B-/B", lê-se numa nota da Standard & Poor's (S&P).
"A Perspectiva de Evolução Estável reflecte a nossa expectativa de que, apesar de o investimento continuar a pesar nos desequilíbrios orçamentais e externos, vai apoiar a recuperação económica entre 2016 e 2018", acrescenta a nota, divulgada hoje em Nova Iorque. "Na nossa opinião, a troca de dívida ajudou o Governo de Moçambique a melhorar o serviço da dívida a curto prazo, ao reduzir o custo do montante e dos juros de aproximadamente 200 milhões de dólares por ano para 70 milhões de dólares anuais, com a totalidade do empréstimo a ser diferida para 2023", escreve a S&P.
Em que é que ficamos?
14 - A corrupção não acontece apenas no sector público, caros magistrados!
Agora que o ex-Embaixador de Moçambique em Angola. António Matonse, está a ser seguido pela Justiça, nomeadamente pelo Tribunal Administrativo, compõe-se o perfil de grande corrupção (no caso de Matonse ele está a ser procurado para responder a uma auditoria) que preenche os ficheiros do Gabinete Central de Combate a Corrupção (GCCC): esse crime, esse desvio, acontece apenas dentro da administração pública; o tipo de corrupção é o desvio de função e a apropriação de fundos e bens.
Nos últimos dias soubemos de alguns peixes-graúdos que caíram nas malhas da Justiça. E digo peixes-graúdos com todo o respeito pela sua presunção de inocência. Bernardo Xerinda, Cecília Candrinho, Ana Dimande e Amélia Sumbane. Todos eles altos funcionários do Estado.
Pensar que a corrupção acontece apenas dentro do Estado é uma grande limitação da nossa reacção penal.
Dou-vos apenas um exemplo para perceberem porquê. No Brasil no quadro da Lava Jacto foram condenados governantes mas também e sobretudo actores do sector privado, incluindo o boss da Odebrecht, Marcelo, que tem interesses em Moçambique. Na África do Sul, os Gupta estão em debandada depois de alegações sobre o seu envolvimento em tráfico de influências, que eventualmente teria repercussões judiciais.
Mas no nosso caso, há uma visão afunilada sobre o perfil dos actores da grande corrupção. Ela apenas enxerga funcionários do Estado quando a corrupção é essencialmente uma troca. E se é troca, essa acontece na interface entre o público e o privado. De modo que, com essa visão afunilada, a corrupção com origem no sector privado não é tida em conta. Mas ela é, porventura, aquela que mais delapida o Estado, a crermos na manipulação dos concursos públicos que penaliza o Estado na dimensão da qualidade das obras públicas.
O controlo da corrupção tem de ser mais abrangente. E nossos magistrados que trabalham no assunto devem aprender mais sobre o fenómeno, nomeadamente buscando abordagens para lá dos considerandos restritos dos códigos penais. Isso lhes dará mais luz para melhoram seu desempenho.