Falta de pagamento provoca derrapagem nalgumas obras da linha de crédito chinesa
Depois dos portugueses, cubanos e brasileiros, agora chegou a hora da crise de tesouraria angolana começar a bater à porta dos chineses, que até aqui passavam entre os pingos da chuva.
As empresas chinesas já não escondem a sua insatisfação por a torneira do petróleo angolano ser, hoje, manifestamente insuficiente para pagar a dívida ao ritmo acordado. Um cenário impensável há um ano.
Após ter despejado, a partir do final da guerra em 2014, um saco de 13 milhões de dólares em Angola, Sam Pa, o multimilionário britânico, nascido em Hong Kong, ajudou à imagem de José Eduardo dos Santos como o "arquitecto" da reconstrução do país.
O novo aeroporto de Bom Jesus, a refinaria do Soyo, a fábrica de cerveja Bela, as centralidades do Kilamba e do Sango e outras obras, tudo passou a levar a chancela deste "novo menino bonito" da elite angolana. Tudo rolou sempre sobre esferas e o dinheiro fresco que trazia da China acabaria por lhe valer a cidadania angolana, sob a denominação de António Famtosonghiu Sampo Menezes.
As obras adjudicadas ao abrigo da bilionária linha de crédito de Pequim começaram, entretanto, a derrapar. Até a CIF - China International Fund -, o poderoso veículo que intermediou operações de financiamento chinês a Angola, que ascenderam os 20 mil milhões de dólares (€17,6 milhões), está a queixar-se da falta de liquidez de Luanda.
"O mais grave é que, olhando para trás, vemos que, com as linhas de crédito chinês, em infraestruturas de esferovite, em obras sem qualquer rentabilidade a médio prazo e, em comissões, deitámos fora, nos últimos anos, mais de dez mil milhões de dólares" - denunciou ao Expresso um antigo dirigente do MPLA.
Sem a fartura de outros tempos, os chineses, que se posicionaram como o principal suporte financeiro do regime de José Eduardo dos Santos, não parecem dispostos a facilitar a vida ao país. Altos responsáveis de Beijin têrm, nos últimos tempos, batido à porta das autoridades angolanas mas reconhecem que " a situação de asfixia" da economia "não parece dar espaço a grandes suspiros para satisfação das suas exigências".
A prisão de Sam Pa
A meio do ano passado surgiu uma inesperada adversidade para o governo angolano, que lhe baralhou as contas: a prisão do empresário Sam Pa. Tudo ter-se-á precipitado com a investigação desencadeada pelo Gabinete Nacional de Auditores da China a investimentos no valor de 10 mil milhões de dólares realizados pela estatal China Petroleum & Chemical Corp (Sinopec) em projectos de exploração offshore de Angola. Em causa estarão prospeções infrutíferas, assentes em estimativas exageradas, que apontando, em três blocos offshores para um potencial inicial de 2,6 biliões de barris de petróleo, na verdade continham menos de metade da reserva calculada pelos auditores.
Estes ter-se-ão revelado igualmente alarmados com os investimentos realizados pela Sinopec, através da SSI - Sinopec Sonangol Intertnational, detida em 70% por Sam Pa e em 30% pela petrolífera angolana - de 1.087 mil milhões de dólares (€959 milhões), para a compra de uma quota em três de cinco blocos offshore que valiam apenas 933 milhões de dólares (€823 milhões). "Comia dos dois lados mas, ao estar a colaborar com as autoridades chinesas, está a confessar que deu dinheiro a ganhar a muita gente aqui e que subornou lá ex-directores da Sinopec, que estão hoje na cadeia" - confidenciou ao Expresso Chin Ping, um homem de negócios de Hog Kong.
Ao terem sido confiscados pelo governo chinês alguns bens deste magnata domiciliados em Hong Kong - mansões, quatro dos seus seis jatos privados e contas bancárias - o funcionamento do CIF em Angola, que era alimentado pelas remessas provenientes daquele pequeno território, está agora bloqueado. "Pela primeira vez, desde que em 2004 começou a operar em Angola, há três meses que os seus funcionários não recebem salários" revelou ao Expresso uma fonte da Sonangol.
Preservando valiosos activos em Angola, a prisão deste "sr China" não traz para o governo apenas "dores de cabeça" no plano financeiro. É que, segundo confidenciou ao Expresso um alto dirigente do MPLA "com a torneira fechada, receia-se que a conclusão de obras de vulto, que o Presidente se prepara para apresentar como trunfo na campanha eleitoral de 2017, possa ficar comprometida".
Gustavo Costa