Artigo de opinião por: Delfim Anacleto
Em Estados como o nosso que têm no Presidencialismo como sistema de governação, o Presidente da República é o chefe de Estado e de Governo. Cabe a ele a escolha dos ministros que o auxiliam no Governo, exercer o poder executivo, traçar a política económica e financeira, de defesa do País, garantir o cumprimento da Constituição, entre outras funções. Diante dos últimos acontecimentos que marcam o país, caracterizados pela descoberta de números cada vez astronómicos de dívidas contraídas pelo anterior executivo liderado pelo antigo chefe de Estado, Armando Guebuza, que tanto quanto se sabe, foram feitas sem autorização do Parlamento e sem conhecimento do Banco de Moçambique, conforme preconiza a lei, urge a necessidade de levantar algumas questões. Fazendo o somatório dos anteriores 850 milhões de dólares + 950 milhões de dólares + 550 milhões de dólares, conclui-se que o Governo anterior conseguiu endividar o país em cerca 2,3 biliões de dólares, em operações que nem sequer a Assembleia da Republica foi solicitada, muito menos o Banco Central, entidade responsável em avaliar a viabilidade dos empréstimos do Estado. Ou seja, trata-se de negócios feitos na calada da noite quando todos cumpríamos o sagrado ritual humano: dormir.
Vejamos agora o que a lei preconiza. A alínea p) do Número 2, do artigo 179 da Constituição – sobre as Competências da Assembleia da República, – preconiza que é da exclusiva competência “autorizar o Governo, definindo as condições gerais, a contrair ou a conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Estado”, algo que o anterior Governo ignorou completamente. A Lei 1/92 de 3 de Janeiro – Estatuto orgânico do Banco de Moçambique – estabelece no seu artigo 1 que “é da competência do Banco de Moçambique – que é o Banco Central - ser o banqueiro do Estado e ser consultado pelo Governo para obter daí os esclarecimentos devidos sobre a viabilidade ou não de solicitar a Assembleia da República o aval para a contratação de empréstimos.” O Artigo 17 do mesmo documento preconiza que “cabe ao Banco Central prestar ao Governo informações e dar pareceres sobre questões de natureza financeira.” Do ponto de vista legal, o Governo nunca poderia contrair empréstimos desta natureza sem autorização parlamentar e o Banco de Moçambique nunca deveria não saber destas operações. Em suma, o Governo violou a Constituição, assim como o Estatuto Orgânico do Banco de Moçambique. Numa situação em que o anterior Governo cometeu uma inconstitucionalidade irrefutável, cabe ao actual executivo zelar pela reposição da legalidade e ordem institucional.
Porquê é que, ao nível das instituições da administração da justiça, por exemplo, do Ministério Público, não se vê até agora qualquer palha que se mova de modo a solicitar esclarecimentos aos responsáveis destes actos de violação crassa da lei? O economista moçambicano Nuno Castel-Branco e o editor do jornal Media fax Fernando Mbanze quando descobriram e colocaram em haste pública, respectivamente, as acções arbitrárias que eram cometidas pelo anterior Governo, o Ministério Público lhes chamou para responderem em tribunal.
Do mesmo modo que aqueles e tantos outros cidadãos que quando são suspeitos de infringir as leis são chamados pela justiça, porque não acontece com senhores responsáveis da grave violação a lei? Ou será que estamos diante de um peso e duas medidas no mesmo território nacional? Sendo o chefe de Estado o garante da Constituição é razoável que acione mecanismos com vista a reposição da legalidade. Isto cimentará a auto-estima de que tanto apregoamos e se calhar poderá trazer de volta a confiança do povo ao poder político bem como o judiciário.
(Recebido por email)