A cadeia de televisão internacional Al-Jazeera deslocou-se no passado fim de semana ao local onde foram localizados cadáveres abandonados no centro de Moçambique e, três semanas após terem sido descobertos, ainda há restos humanos à superfície.
As imagens da reportagem da Al-Jazeera mostram vestígios dos cadáveres visíveis, incluindo uma caveira e larvas sobre restos humanos, no local onde há três semanas uma equipa de jornalistas, entre os quais da Lusa, testemunharam e documentaram corpos abandonados no mato, sob uma ponte entre os distritos de Gorongosa e Macossa, junto da principal estrada do país.
Apesar de as autoridades moçambicanas terem anunciado que os corpos foram enterrados, as imagens exibem uma sepultura coletiva feita com uma pequena camada de terra sobre cadáveres, sem os tapar por completo.
“Não se sabe quem são, como morreram ou foram mortos e por que estão aqui”, assinalou a repórter da cadeia de televisão do Qatar, quando gravava no local, no passado domingo.
A zona onde foram descobertos estes corpos, mais tarde também testemunhados por canais televisivos privados moçambicanos e admitidos depois de negados pelas autoridades locais, é a mesma onde camponeses locais alegam ter visto uma vala comum com mais de cem cadáveres.
Esta informação também foi desmentida por autoridades locais e judiciais, numa região sob forte vigilância militar, sobretudo desde as recentes denúncias de violações de direitos humanos.
Vários jornalistas tentaram alcançar sem sucesso o local descrito pelos camponeses e quer a Comissão Nacional de Direitos Humanos, vinculada ao Estado, como a ONU e organizações não-governamentais não se pronunciaram entretanto sobre se tentaram ou conseguiram ter acesso ao local.
A região da Gorongosa, onde se presume encontrar-se o líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), Afonso Dhlakama, tem sido marcada por confrontos entre o seu braço armado e as forças governamentais, num conflito sem informações nem imagens fiáveis de baixas dos dois lados e no qual persistem relatos de perseguições a comunidades rurais no centro de Moçambique.
A polícia moçambicana enterrou os corpos encontrados entre a Gorongosa e Macossa, sem autópsia nem identificação ou a presença de um médico legista, e voltou a descartar a existência de uma alegada vala comum com mais cadáveres.
A Procuradoria-Geral da República de Moçambique disse, por sua vez, na terça-feira que não encontrou a vala comum denunciada pelos camponeses, assegurando que vai continuar a investigar.
A comissão encarregada dos direitos humanos da Assembleia da República deverá visitar a região da Gorongosa na próxima semana, quase um mês após as primeiras descobertas, numa iniciativa já boicotada pela Renamo, que entende que deveria ser nomeada uma comissão de inquérito específica.
No início de maio, a Comissão Nacional de Direitos Humanos de Moçambique, instituição estatal, considerou "grave e preocupante" a existência de corpos abandonados no centro do país e pediu o "acesso incondicional" de entidades nacionais ou internacionais aos locais.
“Estamos a falar de pessoas humanas. Quer seja um ou cem corpos, a situação continua grave", declarou o presidente da CNDH, que não voltou a pronunciar-se sobre o caso.
A presidente da Liga dos Direitos Humanos (LDH) de Moçambique, organização não-governamental, exigiu a 10 de maio uma comissão internacional de inquérito liderada pelas Nações Unidas para investigar valas comuns no centro do país.
"Tenho a certeza de que existem [as valas comuns], estamos no terreno, o que nos foi informado é que, de facto, existem valas, temos essas imagens, temos as fotografias", afirmou Mabota, que ainda não mostrou as suas provas.
O Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos informou à Lusa a 04 de maio estar em contacto com as autoridades moçambicanas para aceder à região centro de Moçambique, mas, mais uma vez, não são conhecidos nenhuns desenvolvimentos.
SAPO – 26.05.2016