Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Mas entre a desconfiança e a guerra a escolha é clara?
Uma coisa é dizer que “chegou a hora de dialogar”, e outra bem diferente é tudo fazer para que o diálogo aconteça a contento das partes.
Uma tendência doentia e crónica de mentir e de camuflar os factos tem sido catalizador de processos político-económicos promíscuos e lesivos do interesse nacional.
Depois de tantas emboscadas e invasões, não há quem tenha confiança.
Os moçambicanos querem ver algo tangível, palpável e concreto acontecendo.
Não se pode permitir que supostas questões constitucionais se coloquem contra a paz e contra os entendimentos mínimos que a situação requer.
Há razões para desconfiar da boa vontade das partes, tendo em conta que os seus encontros anteriores foram caracterizados por impasses e demarcadamente inflexíveis.
Assiste-se a um forte recurso ao que está inscrito na CRM como forma de imobilizar e inviabilizar debates estruturantes.
Os que assim procedem obviamente não querem abordar as origens da crise nem abrem possibilidade de que se discuta uma homologação dos resultados eleitorais com base num CD pelo Conselho Constitucional.
Não há quem não saiba que houve batota grossa testemunhada em Outubro de 2014.
Mas, como o aparato previamente preparado não ofereceu opção para que as reclamações fossem recebidas e tratadas com isenção, o país entrou em crise.
As passeatas pós-eleitorais do líder da Renamo começaram a irritar o “establishment”, pois conseguiram transformar-se num autêntico referendo informal, aprovando as reclamações da Renamo.
O que poderia ter sido resolvido com discussão séria foi sendo protelado em nome de uma soberania duvidosa e de uma constitucionalidade estereotipada.
Face a exigências concretas dos reclamantes, a resposta foi repetidamente de que não havia lugar para cedências, sob as mais variadas alegações.
Um “batoteiro” apanhado com a “boca na botija” refugia-se na CRM para se manter no poder a todo o custo.
O que se augura que será um novo ciclo de negociações visando preparar um encontro ao mais alto nível deve ser encarado com reticências face ao que se passou até aqui.
Existe uma tendência para adiar ou protelar soluções conhecidas.
Há um sentimento de que os detentores do poder em Maputo não estão interessados na partilha do poder, mesmo que isso agudize o conflito actual.
Se não houver realismo, veremos o país escorregando para mais um ciclo de violência generalizada.
Se quisermos ser honestos, a crise actual é um produto directo da intolerância política que tem caracterizado Moçambique desde 1975. Não vale a pena negar, porque é uma verdade conhecida, mesmo por aqueles que dizem o contrário. Não se aceita de ânimo leve que se cometeu erros, e alguns deles muito graves. Quase todos procuram o seu “lugar ao Sol” e querem a todo o custo mostrar aos moçambicanos que são imaculados, quando não puros.
Os que defendem a tese da “guerra de desestabilização” querem com isso justificar toda uma série de desmandos e abusos que cometeram em nome da defesa da soberania. Houve claramente elementos de desestabilização durante a guerra civil, e isso é típico de uma situação em que os beligerantes também eram utilizados pelas “potências da Guerra Fria” para atingir os seus objectivos em Moçambique e na região.
Mas reduzir tudo à desestabilização, como se referem repetidamente dirigentes veteranos da Frelimo, é parte de uma estratégia de ocultação da verdade. E nisso estamos esclarecidos, porque, mesmo nos dias de hoje, utilizam-se esquemas e justificações de todo o tipo para encobrir a verdade dos factos sobre a actual crise. Temos uma “guerra pelos recursos” camuflada em guerra pela defesa da soberania. Temos a continuação da guerra civil dos dezasseis anos sob outros tons e cores. Agora há que defender riquezas acumuladas e autênticos impérios empresariais.
E os únicos que possuem impérios empresariais são membros proeminentes do partido Frelimo. Não há “camarada” que não saiba que isso é verdade. Aqueles deputados que recusam Comissões Parlamentares de Inquérito à EDM, TDM, FIPAG, LAM, MCEL defendem o “Empoderamento” Económico Negro Ilícito.
Pacificar Moçambique é trabalho complexo que pode ter sucesso a partir da altura em que os protagonistas assumam que o actual caminho da confrontação é destrutivo e lesivo para todos.
Não há fortuna que será protegida pela guerra fratricida.
A questão não deve ser “marrabenta dançando mapiko” ou qualquer coisa do género. Há uma moçambicanidade em risco que importa salvaguardar dos apetites vorazes dos que estão reduzindo tudo à sua existência patrimonial.
Por mais refinadas que sejam as defesas ensaiadas em vários quadrantes, quanto à legitimidade do que está acontecendo no país, não é daí que teremos as soluções pertinentes.
Há que ouvir a voz da razão, e essa provém de vários quadrantes nacionais.
Não é opção silenciar e eliminar críticos e emboscar opositores. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 30.05.2016