Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Falar de desenvolvimento uma religião nova e nefasta.
Recomendam-se receitas em prol do desenvolvimento, impõem-se receitas através do acesso a financiamentos, e em nome da globalização forçam a abertura de fronteiras e eliminação de barreiras protecionistas, mas, depois de tudo aplicado, Moçambique tornou-se um país de armazéns de mercadorias e produtos importados.
O que se produz localmente são minérios geralmente exportados em bruto. O que de indústria existe foi aqui instalado porque era demasiado tóxico para os países de origem da matéria-prima principal. E, mesmo nisso, a energia eléctrica utilizada para viabilizar essa indústria é importada da vizinha África do Sul, porque a local não é estável. Este é o caso da grande Mozal, que produz lingotes de alumínio em Maputo, mas consome electricidade sul-africana. Só que estranhamente e patético é que a nossa HCB exporta energia eléctrica para a África do Sul. Exportar barato para importar mais caro só deve estar acontecendo em Moçambique. A Hidroeléctrica de Cahora Bassa só é moçambicana pela localização. Os fundamentos do seu funcionamento estão baseados numa lógica sul-africana e ao serviço da economia daquele país.
Uma situação caracterizada pela contínua subordinação da agenda nacional de desenvolvimento aos interesses de outros países denota a existência de um Governo “distraído” (por que não dizer: “colonizado”?).
Se antes era Portugal que ditava o que se produzia e o destino do produzido, agora é a África do Sul que determina o que Moçambique faz com os seus recursos.
Os grandes empreendimentos chamados “megaprojectos” são implementados utilizando capitais internacionais, mas a maior parte das empresas que prestam serviços às multinacionais são sul-africanas. Até o que se come e se bebe em Moma, Palma, Moatize provém da África do Sul. Fala-se de desenvolvimento, mas ainda não se vê moçambicanos e as suas empresas beneficiando da abundância de recursos madeireiros ou mineiros. O que sejam contrapartidas é em geral desconhecido ou colocado em cofres secretos que nem a Assembleia da República conhece. O destino dado a essas contrapartidas é desconhecido.
Num país com florestas imensas, temos as escolas primárias com milhares de alunos sentados no chão.
Enquanto empresas australianas, irlandesas e inglesas lucram vendendo carvão, rubis e areias pesadas do país, este está sufocado por dívidas ainda não explicadas.
Da mesma forma como se exige explicação sobre as dívidas contraídas em nome do Estado, já é tempo de os moçambicanos receberem explicações sobre os contornos que levaram à autorização de megaprojectos na área do carvão, hidrocarbonetos, areais pesadas, rubis, ouro, ferro.
Se o país não está tirando dividendos destes megaprojetos e precisa endividar-se para sustentar as suas despesas com infraestruturas públicas e o Orçamento Geral do Estado deficitário, urge perguntar e encontrar respostas sobre os dinheiros públicos anunciados como provenientes das contrapartidas dos megaprojectos.
Aqueles moçambicanos votados para serem deputados devem mostrar serviço fiscalizando eficazmente o Governo. São eles que devem vir aos seus círculos eleitorais e explicar o que se passa, sem malabarismos.
O facto de termos um Governo até pesado e pouco transparente deve ser tratado como algo que põe em perigo os interesses nacionais.
Se os moçambicanos só encontram dificuldades, desde a aquisição de um DUAT para construir a sua habitação, à criação e legalização das suas empresas, se obter um Bilhete de Identidade ou passaporte é uma dor de cabeça, onde está a independência destes moçambicanos?
Trazer chineses ou indianos para alegadamente transferirem tecnologias e alavancar a produção nacional pode parecer acertado, mas significa essencialmente que o capital tecnológico e de experiência que existiam se perderam.
Sejamos concretos: no passado, Moçambique já foi o maior produtor de alguns produtos agrícolas como castanha de caju, copra, sisal.
Já exportou arroz, laranjas e outros vegetais. Moçambique já produziu e exportou geleiras, pneus. Carruagens e vagões dos caminhos-de-ferro eram fabricados no país.
Cabos eléctricos eram de fabrico nacional. Sumos e refrigerantes eram nacionais. Não se importava carteiras para as escolas, e a maioria do mobiliário de uso doméstico era de fabrico totalmente nacional.
Quem matou a agricultura comercial?
Quem inviabilizou a indústria nascente, que já se afirmava no contexto regional?
As desculpas recorrentes de que os “colonialistas” sabotaram tudo já não pegam. A terra e os rios não foram para Portugal. O mar está no mesmo lugar.
A fórmula de governação escolhida, de facilitar os investidores estrangeiros, não é, em si, errada, mas, se a presença destes investidores não traz benefícios para os moçambicanos, como se pode ver pelos empregos criados e salários pagos, é preciso corrigir urgentemente o que está errado e é caricato.
Nenhum país deve estar oferecendo tantas facilidades aos estrangeiros para depois ainda ter que se endividar e esperar por donativos de medicamentos.
Quando ilustres académicos nacionais estudaram e recomendaram uma reformulação do que se faz em termos de facilidades para os megaprojectos, sobretudo sobre as isenções fiscais e até o valor das contrapartidas viu-se os sucessivos Governos ignorando os seus conselhos gratuitos.
Um Parlamento pouco crítico e informado, preparado para carimbar rapidamente e sem questionamentos lógicos e profundos, as opções de licenciamento e autorização de megaprojectos contribuiu para a corrosão financeira do Estado.
O crescimento infraestrutural, embora por vezes desordenado, é desejável e notável, mas, quando se revelam constrangimentos de água e electricidade para uma Zona Económica Especial na Beira, isso revela que a planificação é deficitária.
Há que equacionar a forma como se governa o país. Já não somos uma criança como país e não podemos continuar com alegações esfarrapadas de deitar as culpas ao colonialismo por coisas que não conseguimos fazer.
Urge regressar aos fundamentos básicos que conhecemos e não permitir que Moçambique continue o país do saque, e em que ministros-empresários retalham e dividem entre si os recursos nacionais que poderiam e devem galvanizar a economia nacional.
Ser o mercado informal do Índico, em que se chega e se compra BI e monta-se uma tabacaria para vender telefones celulares e bugigangas, é o que caracteriza Moçambique de hoje.
Se os corredores ministeriais se transformam em “pasto” dos lobistas nacionais e internacionais em busca de “facilidades” para investidores, isso deve ser bem-vindo só se for também em benefício dos moçambicanos.
Estamos numa sociedade adoentada, porque o consumismo tomou conta e o lugar dos valores ético-morais.
A libertação e independência fraquejam a cada passo, requerendo tratamento urgente.
Sem desenvolvimento endógeno, os esforços dos “libertadores” foi completamente em vão.
A indigência generalizada e a miséria atroz que caracteriza a vida de milhões de moçambicanos mostram que o Governo não está cumprindo as suas funções.
Crescimento galopante de trabalho infantil, “crianças de rua”, prostituição até de pessoas de tenra idade, criminalidade de todo o tipo, corredores de narcotráfico, tráfico de seres humanos e assassinato de albinos, assassinato de académicos, jornalistas e críticos denota uma falência efectiva do Estado.
Nada está irremediavelmente perdido, mas nunca foi tão importante trabalhar para relançar Moçambique na senda do desenvolvimento.
Mas uma coisa tem de ficar clara : só pode haver desenvolvimento sustentável quando acompanhando de democracia política e económica. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 26.05.2016