Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“Se os pecadores não mudam não é por falta de homilias. O mal corre-lhes nas veias. Há quem diga também que, quanto maior for a proliferação de pecadores, maiores são os lucros do clero.” Extraído de uma conversa com o amigo e poeta Nkulu.
Quando em 2014 efectuei a primeira peregrinação ao SANTUÁRIO DE FÁTIMA algo me chamou a atenção. Numa das paredes centrais do púlpito ainda hoje permanece a frase “NÃO TENHAIS MEDO”. Depois que perdi o meu pai, senti-me desguarnecido, cheio de medo. Tinha medo de pensar livremente, medo dos empecilhos humanos, medo de enfrentar, sozinho, os adamastores da vida. Tive medo de carregar a cruz e o fardo pesado da vida mundana. Medo de viver, porque eram tantas as armadilhas. O medo das mandibulas caninas que ansiavam permanentemente pela carne fresca de um garoto, cujo corpo nunca receberá uma única vacina tradicional, predominantes na nossa densa e frondosa floresta africana. O medo era grande, tão grande que até me penitenciava quando matasse um mosquito. O medo iria acabar um dia. Assim aconteceu, a partir do momento em que li aquela frase curativa que permanece firme no lendário Santuário de Fátima.
Vem isto a que propósito? Aquando do baleamento de um analista político da STV, recebi vários avisos de Maputo (estava em cumprimento de uma visita familiar numa cidade europeia). A resposta que dei aos mensageiros, aportada no ensinamento de Fátima, foi “NÃO TENHAIS MEDO”. Neste mundo de emissários de Luciferes, morre-se simplesmente por se estar calado, desde que o silêncio signifique discordância com a opinião da maioria. Não tenho medo de exprimir os pontos de vista, de materializar o olhar do meu pensamento, pior ainda numa sociedade em que predominam abelhas humanas. Não há uma única crónica que escrevi, no Wamphula Fax e noutras gazetas, que não tivesse recebido comentários violentos. Os meus adversários são sazonais: aparecem de vez em quando, sempre que analiso uma situação que eles consideram ser dogmática. Existe uma percepção errada de que, como natural de Tete, todos são da Renamo ou da Frelimo. Como natural de Tete, não devo ter uma opinião diferente dos meus detractores sobre a Renamo. Eu entendo que não é propriamente o medo que os flagelam, mas sim as suas consequências. Não sou atacado quando critico o governo da Frelimo, o que significa que estamos perante indivíduos piromaníacos.
Não sei se o baleamento do analista da STV tem a ver com motivações políticas. Mas se for verdade esta hipótese, então o país caminha a quinta velocidade rumo à sua própria destruição. Uma ressalva: não é o país, são os 23 milhões de moçambicanos que estão a destruir os valores essenciais da nação que a FRELIMO instituiu a ferro e fogo nas trincheiras da Luta de Libertação Nacional a 25 de Setembro de 1964. Escrevi na crónica anterior que no país estão criadas todas as condições para ecloda os conflitos tribais. Penso que fui compreendido. O tempo tem-me dado razão. Agora, mais do que nunca, avança-se à velocidade de cruzeiro para a captura do Estado. É com este quadro de situações de intimidação, de terror, de corrupção, das dívidas externas, da intolerância política, das fomes, de matanças contra civis e militares, que se fazem Estados falidos e falhados.
Não somos o pior país do mundo em termos de insegurança. O desejado é que não houvesse um único crime, nem contra pessoas e nem contra os animais ditos irracionais (rinoceronte, elefantes, tubarão, etc.). Infelizmente, esses crimes aterrorizam e retraem os investimentos estrangeiro. Decapitam o património florestal. Tive que explicar num auditório universitário que o país está a atravessar um mau momento de instabilidade política, polarizada pela cobiça de recursos naturais, mas não se pode dizer que o país somalizou-se. O presidente Nyusi não é distraído e nem deixará que o país seja governado por um piloto automático, tão-pouco deixará que os agiotas internacionais tomem às rédeas desta valente nação moçambicana. Alguns dirão que não, que Nyusi perdeu o leme. Mas para mim o presidente Nyusi é um líder jovem, de ideias arrojadas, capaz de aglutinar vontades para bem de Moçambique. Porém, existem situações na vida de um país em que a vontade política de um dirigente é negada pelas circunstâncias internas e externas. Temos que ter calma e não fazermos julgamentos precipitados, tal como escreveu o amigo e poeta Nkulu “nunca devemos concluir precipitadamente sobre o destino dos homens: o escravo liberta-se e o vadio se perde. Também, nós shonas dizemos: Kugarika tange nhamo(para viver bem, começa lá pelo sofrimento) = a fertilidade está em terrenos com feijão macaco.”
Eu não tenho respostas para os crimes que acontecem no país. É uma tarefa que incumbe às autoridades policiais competentes. Mas posso afirmar com alguma propriedade que nem sempre o perigo vem de onde se imagina. Não é apenas por motivações políticas que se morre no país. Às vezes morre-se, física e mentalmente, por ser um bom marido, um bom vizinho, um bom artista, um bom cozinheiro, um bom político, etc. No nosso país, morre-se por coisas banais. No serviço, em casa, no bar, etc., a inveja está à espreita. Parece ser no serviço onde o ódio agudiza-se. Como bem disse o meu amigo Nkulu “O incompetente têm dois defeitos: incapacidade de ver e descobrir os bons, e o medo de os ter.” ZICOMO e um abraço nhúngue ao belga Eric Lemestre, leitor assíduo destas centelhas).
WAMPHULA FAX – 30.05.2016