Capitão Manuel Bernardo Gondola
No momento em que vos escrevo esta carta; há 53 anos que os povos africanos assinalam o 25 de Maio como o dia de libertação da África. Precisamente nesse dia foi criada, em 1963, a Organização da Unidade Africana (OUA), de que faziam parte precisamente 54 Estados independentes. A sua criação foi preparada pelas grandes vitórias dos movimentos de libertação nacional no continente africano.
A criação de OUA, a primeira Organização na história de África, que congregou os Estados independentes de todo o continente, tornou-se um dos elos mais importantes no processo de desenvolvimento da Unidade Africana, o qual, como qualquer outro fenómeno histórico, teve a sua pré-história, o seu e, claro, o seu futuro.
A OUA, é resultado de duas grandes linhas ideológicas e doutrinarias profundas, que se fundiram: a linha da Monróvia (Libéria), constituída por países moderados da África subsaariana e a linha de Casa Blanca (Marrocos), conhecida como a linha progressista constituída por países do Magrebe ou de África branca.
Depois de assinar, na noite de 24 para 25 de Maio de 1963, a histórica magna Carta da Organização da Unidade Africana, os líderes da África independentes fundadores da OUA, dentre eles figuravam estadistas destacados como Kwame Nkrumah (Gana), Gamal Abdel Nasser (Argélia), Ahmed Sékou Touré (Guiné-Conacri), no dia seguinte os líderes plantaram árvores coníferas perenifólias num largo em frente à casa da África em Adis-Abeba (Etiópia) e, desde essa altura o pequeno bosque memorial cresceu tanto como, que a simbolizar o desenvolvimento e o renascimento duma nova África.
Ao mesmo tempo, nesse mesmo ano, na XVª secção da Assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), era aprovada por iniciativa da debelada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), um documento de excepcional importância; a Declaração sobre a concessão da independência aos povos coloniais.
Logo, com esta resolução, a comunidade internacional como que, sentenciou à morte o colonialismo. Em todo o mundo elevou-se uma poderosa onda de solidariedade com os patriotas africanos. Nessas condições, a criação da OUA tornou-se uma etapa marcante e decisiva do movimento pela liquidação completa do colonialismo e racismo no continente africano.
A derrocada dos regimes coloniais em África, constitui uma conquista histórica dos povos africanos, do movimento de libertação e de toda a humanidade progressista. E, perante os povos africanos, surgiram possibilidades verídicas de serem eles próprios a determinar o seu destino e, como consequência, “desapareceram” para sempre os tempos em que as decisões referentes a milhões de africanos eram tomadas em Londres, París, Lisboa, Bruxelas, Madrid…
A conferência dos chefes dos Estados e de Governos dos países independentes de África, que decorreu em Adis-Abeba, de 23 a 25 de Maio de 1963, foi verdadeiramente um fórum de todo o continente reunido 31 dos 32 países independentes, na altura.
Da magna reunião participaram também os dirigentes de mais de 20 dos maiores partidos políticos e movimentos de libertação nacional dos países, que ainda estavam sob a dominação estrangeira. Na circunstância, a conferência aprovou uma série de importantes resoluções políticas, quanto às questões da organização da luta contra o colonialismo e a discriminação racial. Do mesmo modo, os participantes da conferência exigiram das potências todos os territórios e traçaram medidas concretas de pretensão de ajuda aos combatentes pela libertação.
Um importante factor, que exerceu influência sobre o desenvolvimento da luta de libertação nos países africanos, foi a manutenção e a consolidação da unidade anti-imperialista dos povos africanos, através do papel fundamental desempenhado pela OUA, que congregava Estados soberanos com orientações sociais diversas contribui para o êxito da causa da libertação do continente.
O primeiro e o mais importante objectivo da OUA, era de consolidar a unidade e a solidariedade dos povos africanos na luta contra o colonialismo e, todas as formas do neocolonialismo bem como, pelo progresso social. Um importante objectivo da OUA, era também a coordenação entre os países africanos. Ou seja, nos últimos anos, a OUA, tinha-se transformado num fórum em que eram discutidos os problemas de todo o continente, e preparados posições coordenadas dos países membros da Organização num instrumento de elaboração de decisões colectivas, destinadas a consolidar a independência política e o alcance de progresso socioeconómico dos povos do continente.
A OUA não se limitava à tomada de decisões mas assegurava também medidas activas para a sua execução. Em diversos casos concretos, os países membros deram provas de solidariedade e prestaram ajuda fundamental conjunta aos Estados, que se tornaram vítimas das manobras subversivas do colonialismo e do neocolonialismo; pela mesma razão, foi prestada ajuda aos países afectos por calamidades naturais.
Ninguém pode negar o crescimento do papel dos Estados africanos na ONU, no tocante à colocação e à solução dos mais importantes problemas, que diziam respeito não só a África, mas também a outras regiões do mundo tanto que, os países africanos dispõem hoje mais de 30 votos na ONU.
No processo de execução desta nobre tarefa, a Organização deparou-se com crises e contradições entre diversos países condicionadas pela sobrevivência do passado colonial, e algumas até, pelas maquinações do neocolonialismo de tal forma, foi notória a tentativa dos Estados imperialistas de cindir a OUA, ou, de transforma-la em instrumento dócil da política neocolonialista. Foram muitas as tarefas, que a OUA teve que realizar como: defender a soberania, a integridade territorial dos países africanos, tomar nas suas mãos o desenvolvimento económico dos países do continente.
Uma das mais importantes tarefas da OUA, foi a eliminação de todo o tipo de colonialismo em África. Durante a sua existência no continente surgiram mais de 30 novos Estados. Já na década de cinquenta, sete países africanos conquistaram independência nacional. Durante a década seguinte, mais 31 Estados conquistaram a independência, em 17 deles este acontecimento deu-se em 1960, chamado o «ano de África»; durante a primeira metade da década de 70, ou seja, 1971/1976, tornaram-se livres mais sete países africanos. Em 1980 obteve a sua liberdade o povo de Zimbabwe. Pode-se dizer então, no último quartel do século XX, existiam mais de 50 Estados independentes, sem contar a República Sul-Africana do apartheid.
Você vê, o problema da descolonização do continente africano, já mais saiu da agenda e da ordem do dia dos principais órgãos executivos da Organização. Através da actividade do Comité de Libertação, um Órgão da OUA, que prestou ajuda política, moral e material assim como ajuda técnico e militar aos movimentos de libertação.
No último quartel do século XX, o papel da OUA aumentou consideravelmente por causa da intensificação da luta de libertação na África Austral, que foi a etapa final e decisiva da libertação dos povos africanos do colonialismo e do racismo.
A OUA, tomou todas as medidas e iniciativas tendentes a resolver os conflitos entre Estados africanos, para unir ainda mais diversas unidades de combatentes pela liberdade; elaborou recomendações e projectos a respeito da intensificação do isolamento económico e político e de boicote aos regimes colónias e racistas assim como, elaborou princípios e linhas fundamentais em relação aos movimentos de libertação na África Austral:
- Plena libertação do continente dos regimes racistas e coloniais;
- Consolidação das conquistas alcançadas;
- Prestação de todo o apoio aos movimentos de libertação;
- Busca de vias pacíficas de resolução da questão sobre a concessão da independência à Namíbia e ao Zimbabwe e, continuação da luta armada a fim de acelerar a libertação destes países.
Estas decisões, tiveram grande importância e impacto para a luta de libertação dos povos da África Austral.
Ainda em 1949, quando os Estados coloniais se viram forçados a admitir a primeira concessão da independência a um Estado africano (a Líbia), na época pós-guerra, personalidades políticas ocidentais consideravam, que a plena libertação do continente seria alcançada, na melhor das hipóteses, em cem anos.
Destarte, os teóricos do colonialismo, tentaram servilmente fundamentar esta posição à necessidade de manutenção do domínio colonial afirmando, que os povos africanos ainda não estariam prontos para a independência mas, não levaram em conta, que sob as cinzas do colonialismo dormia um fogo vivo e revelava-se de tempos, a tempos com intensidade para lá, da resistência, por vezes desajeitada por vezes ambígua, sempre se exprimia sem interrupção até à conquista das independências.
Cumpre assinalar, que no momento da conquista das independências, os países africanos distinguiam-se consideravelmente uns dos outros quanto ao nível de desenvolvimento económico, político e social. Estas desproporções nos níveis e no grau de desenvolvimento continuam ainda hoje. Por outro lado, são indiscutíveis os êxitos importantes alcançados pela extinta OUA, na elaboração de decisões colectivos destinadas a consolidar a política e, ao alcance do progresso socioeconómico do continente.
Nos destroços dos antigos impérios surgiram novos Estados, que enveredam pela via do desenvolvimento. Na maioria destes Estados verificam-se importantes mudanças políticas e socioeconómicas. É indiscutível porém, que de um modo geral os povos africanos alcançaram nestes 53 anos importantes êxitos e os países tornaram-se mais fortes.
Apesar de se apresentar como um todo, o grupo de 54 países que compõe África, também constituem blocos diferenciados de países, com fronteiras ou divisões. Por um lado, temos os países em acelerados processos de desenvolvimento; (Nigéria e África do Sul) este último vive processos de industrialização, feito à custa de recursos minerais e de grande consumo de energia e tecnologia de elevada produtividade. Temos os países igualmente pobres e potencialmente ricos em recursos.
A experiência de mais de três décadas exercendo uma poderosa influência, sobre os destinos de todos os povos africanos e, concluído o processo de descolonização (autodeterminação) a OUA, viu se forçada a transformar-se em União Africana (UA); agora com novas tarefas e missões por realizar.
A questão do desenvolvimento e da democratização do continente passa a estar no cerne do debate a quase todos os níveis; e por isso acabamos por nos perguntar qual a reflexão que fazemos a respeito da questão do desenvolvimento e da democratização do continente.
No plano de desenvolvimento alguns países alcançaram êxitos indubitáveis na esfera da educação e da saúde. Foram abertas milhares de novas escolas, centenas de estabelecimentos de ensino especializados, dezenas de Universidades e Institutos. Fazem-se, grandes esforços para liquidar o analfabetismo e doenças; a construção de hospitais e o aumento de números de médicos e professores qualificados resultando numa certa diminuição da mortalidade e, do analfabetismo.
Portanto, êxitos indubitáveis foram alcançados, embora a situação económica geral dos países, que continua bastante grave. Durante o último quartel do século XX, a situação económica da maioria dos países africanos agravou-se, dado que, alguns países entraram em guerras internas, que na maioria dos casos impediram o estabelecimento de uma economia fortemente sustentável e, o alargamento da uma pobreza incontrolável.
Depois da conquista da independência política, a luta em torno da escolha da via, ou seja, do modelo de desenvolvimento social tornou-se em o factor, que predeterminou a intensificação de conflitos nos países. Outros foram afectados por uma série de calamidades naturais consecutivas e outros problemas de percursos.
Na verdade, continuam para a África agitados os 53 anos, que passaram sobre o espírito da concepção da OUA.Infelizmente, ainda hoje o desenvolvimento dos países africanos, continua a ser uma questão de fora para dentro, o que tem provocado instabilidade política nos países, representando um sério perigo à soberania dos nossos Estados.
Ainda assim, os países africanos vêm obtendo importantes êxitos na via, que conduz à verdadeira independência económica. No entanto, o círculo de problemas, que ainda devem ser resolvidos é muito amplo. Certamente, somente em condições de paz é que os países africanos podem concentrar realmente os seus esforços na solução dos problemas económicos complexos com que se defrontam. Ou seja, estes problemas só podem ser resolvidos com êxito nas condições de uma paz efectiva, sólida e geral, baseada na igualdade de direitos dos povos e na colaboração ampla e mutuamente vantajosa de todos os Estados.
Volvidos 53 anos das independências política, por si só, ainda não nos proporciona plena libertação e, sob muitos pontos de vista continuam a ser um factor “ilusório”; uma vez, sem autêntica independência económica não se pode elevar consideravelmente o nível espiritual, material e cultural e incorporar activamente na vida social dos nossos povos.
África é um continente viável, de grandes oportunidades e possibilidades económicas, com enorme variedade de condições geográficas, flora e faunas ricas; grandes reservas de matérias-primas, minerais e energéticas e vastos recursos terrestres e aquáticos. Porém, sob o ponto de vista económico somos relativamente pobres.
Dados técnicos estatísticos indicam, que a África é uma das regiões mais agrícola do mundo; e os números não enganam a ninguém; cerca de 60% da população do continente vive e trabalho no campo, é por isso que a agricultura é o principal ramo da maioria esmagadora dos países, em contra partida não se fazem investimentos de vulto; veja que no continente encontram-se cerca de 14% dos territórios lavrados do mundo, 26% de pastagem, 13% do gado bovino, 18% das cabras e ovelhas. Entretanto, a quota dos países africanos no fornecimento dos principais produtos agrícolas como cereais, carnes, leite, óleo e peixes, é simplesmente desolador.
A África, dispõe de grandes reservas dos mais diversos minérios. Segundo estimativas encontram-se no continente perto de 97% das reservas de diamantes, 95% do minério cromo, 78% de minérios de vanádio, 70% dos fosfatos, 67% do ouro, 40% da bauxite, 33% do cobalto, 20/22% do urânio e do antimónio, 16% do cobre e mais de 10% do petróleo, gás natural, ferro, chumbo, zinco estanho e asbesto. (Inst. de África da academia das ciência).
No entanto, comparativamente a países europeus, a maioria dos países africanos, quanto a sua estrutura económica e nível de desenvolvimento das forças produtivas é simplesmente consternador. Continuam sendo países agrários e só alguns podem ser qualificados como agro-indústrias por ex: Egipto, Nigéria, Argélia, Marrocos. O único país agro-industrializado no continente é a República da África Sul. Portanto; se percebe, que os traços determinantes da estrutura socioeconómica da maioria dos países da África (subsariana) é sua dependência às Instituições principais de Brenton Word (BM e o FMI) e doadores (os novos colonizadores).
Muitos deste problema ligados ao desenvolvimento, tem um carácter global e dizem respeito a toda conjuntura, que o mundo hoje vive. Pode-se indicar por exemplo, os problemas de liquidação do atraso, de utilização racional dos recursos (naturais/humanos), o problema dos alimentos, direitos humanos, da crise dos valores da democracia e o não investimento gigantesco no caso dos nossos países africanos na formação de Quadros porquanto, sem Quadros competentes não se resolvem grandes problemas de desenvolvimento.
Por outras palavras, o ensino, a investigação, a produção de conhecimento e o saber, devem ser eleitos como prioritários entre as tarefas, que os países africanos, têm de executar, o que permitirá concluir a consciência existente quanto a importância da formação como vector do desenvolvimento do continente.
Uma das grandes tarefas hoje, para lá do desenvolvimento é a democratização do continente. Actualmente me parece, que os países optaram por tal modelo e vêem nela como o melhoramento das suas condições. É o modelo político, que proclama, que o poder pertence ao povo, que os cidadãos são livres e iguais. Porém, implica o reconhecimento do princípio da subordinação, a electividade dos órgãos principais de Estado e a existência de direitos e liberdade políticas. A democracia deve assegurar realmente a todos a igualdade perante a lei, o direito de sufrágio autenticamente directo e igual, garantia da liberdade política e os direitos sociais e económicos e não contenta com proclama-lo. Nisto consiste uma das diferenças fundamentais entre as democracias em África. A experiência adquirida mostra o contrário.
Uma democracia, real é impossível nas actuais condições, evidentemente é impossível sem um desenvolvimento e um aperfeiçoamento constante da democracia. A democracia tem que possuir uma base económica mais ampla, os direitos dos cidadãos de adquiriram um conteúdo mais concreto e mais rico, as garantias destes direitos devem ser bem assegurados e, permitir uma participação cada vez mais ampla e activa dos cidadãos.
Apesar da história concreta de cada país, da complexidade e perplexidade dos processos; das transformações políticas e sociais, na maior parte das vezes o desenvolvimento encontra-se aliado à liberdade/democracia, que uma sociedade permite aos seus cidadãos. Todavia, liberdade/democracia nem sempre condicionam ao avanço económico, que uma sociedade necessita. É importante, que nós africanos, clarificarmos de que tipo de liberada/democracia nos referimos com o desenvolvimento.
Naquele lugar, a África, deve ingressar no século XXI, que agora se iniciou como um continente pacífico e prospero e, foi precisamente a esperança de que este objectivo seja alcançado, que me levou a escrever o presente texto.
n/b:
Para lá, dos objectivos mencionados a OUA, tinha objectivos mínimos e estratégicos.
Objectivos mínimos: libertação do continente africano do colonialismo e, a luta contra o apartheid. Estes objectivos mínimos foram todos cumpridos.
Objectivos Estratégicos: que ainda continuam por cumprir. A questão da intangibilidade das fronteiras, que estão a ser desrespeitadas; por exemplo no Sudão. A questão cultural, ou seja; como passar da condição de liberto à condição de livres. A questão da qualificação dos africanos. Isto é, do desenvolvimento de África.
Quanto a União Africana (UA). Não é para faltar respeito. Não devemos contar muito com a UA. Eu chamo aquilo de grupo de mafiosos. Porque, a própria UA surgiu da OUA. Na carta magna da OUA, condena-se peremptoriamente a tomada do poder, por meios violentos, ou seja, por golpes de Estado. No entanto, o Denis Sassou N'guessó, que golpeou um presidente eleito democraticamente no Congo-Brazzaville, que era Pascal Lissoubá, com ajuda das tropas angolanas, já foi presidente em exercício da OUA.
Teodoro Obiang Nguema, presidente da Guine Equatorial, é acusado de ser um dos mais ditadores do mundo todo; ultimamente executou opositores. Tal como N'guessó, já foi presidente em exercício da UA.
Bleses Kampoeré, antigo presidente do Alto-volta, mais tarde Borkinafasso, é acusado de ser um dos mais carrascos presidentes africanos. Carrasco quer dizer criminoso. Também chegou ao poder, por via de golpe Estado sangrento contra o Capitão Thomas Sankará. Kampoeré, tal como outros carrascos, já foi presidente em exercício da UA.
Ora! Como é que você vê quer, que senhores destes consigam mesmo implementar a democracia noutros países?!...
Por isso é, que não podemos contar muito com a UA. E, se estão lembrados, aquando da crise na Guiné Bissau, que levou ao afastamento do Governo do Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, o Comando da Junta Militar daquele país, recusou a presença e os serviços da UA e, naquele lugar, convidou o timorense José Ramos Horta, para mediar a situação.
Muito Obrigado.
(Recebido por email)