CARTA A MUITOS AMIGOS
Desde o início da luta de libertação nacional sempre afirmamos que devíamos em primeiro lugar contar com as nossas próprias forças e que os apoios que recebíamos jamais se deveriam substituir ao nosso esforço.
Isto determinou que nenhum estrangeiro lutasse nas nossas fileiras. Recebemos instrutores chineses em Nachingweia a partir de 65 creio, depois da visita à Tanzânia de Chou en Lai, mais tarde houve soviéticos no norte da Tanzânia para preparar os especialistas para os foguetes terra a terra o GRAD P e para os mísseis STRELLA 2M, terra ar.
Muitas delegações visitaram as zonas libertadas, cineastas, jornalistas, militares da África, da URSS, da China, nunca combateram, recebidos e tratados sempre como amigos que mereciam a melhor hospitalidade.
Durante a guerra contra o regime racista da Rodésia e porque a então OUA propusera, forças de artilharia da Tanzânia posicionaram-se na província da Zambézia onde ocorreram alguns combates contra elas.
Estas força tanzanianas e depois da libertação do Zimbabué ao longo do dito Corredor da Beira (via férrea e pipeline) as únicas forças estrangeiras que combateram no nosso solo, independentemente de havermos enviado voluntários para a defesa da Tanzânia agredida por Iddi Amin, para o Zimbabué e, para Angola, apenas para a batalha de Kifangondo.
Nesse período além de instrutores chineses alguns vindos de Nachingweia, houve instrutores soviéticos, cubanos e por pouco tempo da Coreia do Norte.
Estes últimos mais preocupados em difundirem a propaganda do regime e do seu leader do que em preparar forças combatentes, por isso regressaram ao seu paraíso natal.
Se nos momentos mais críticos da nossa vida, embora recebendo apoios nunca outros de fora vieram combater no nosso lugar, ficando nós à espera que terceiros resolvessem os nossos problemas, porque deveremos fazê-lo hoje?
Deixamos de lado a nossa História e a nossa moçambicanidade?
Que venham estrangeiros trabalhar e nós aguardando à sombra das mangueiras e fazendo uma sonecazinha? Esse o nosso ideal, programa e vontade? Que venham pedreiros e carpinteiros de Portugal, China, etc?
Há que nos afirmarmos e agirmos de acordo com a nossa herança histórica, tradições, exemplos dos nossos maiores.
O Presidente Nyusi acaba de visitar a China. Excelente, a China sempre esteve connosco desde a primeira metade dos anos sessenta.
Fala-se do FMI do Banco Mundial, da União Europeia, dos vários doadores.
Muito bem, as nossas preocupações e dívidas, a nossa produção e produtividade vão ver-se resolvidas por eles? Qual o nosso papel no meio disto tudo? Virão chineses, americanos, franceses, suecos, dinamarqueses arregaçarem as mangas em vez de nós?
Vejam como se comportam os camponeses, observem o seu horário de trabalho, como agem e trabalham para sobreviverem, melhorarem as suas vidas, educarem os seus filhos, construírem casas mais decentes e até quando chega a energia porem luz em casa e comprarem uma TV, já não menciono os telefones celulares que por todo o lado proliferam.
Não vejo no campo as pessoas meterem férias de 30 dias para as machambas, abandonarem o gado por esse período, não semearem nem levarem os bois a pastar porque se trata de um feriado, ponte anterior ou posterior ao feriado. Quanto muito param porque faleceu um vizinho ou parente, ou levam alguém ao hospital. Trata-se de camponeses estrangeiros ou tão moçambicanos como todos os outros. Podemos aprender com eles a valorizar o trabalho?
Vejo gente a estudar para se tornar Director, não para aprender o saber e o saber fazer. Busca-se um emprego, uma sinecura de preferência na função pública, não se procura trabalho.
Estaremos assim no bom caminho para a resolução dos nossos problemas, criar condições para a nossa vida, o futuro dos nossos filhos e netos?
Precisamos de coragem e de tomar medidas drásticas, apoiarmo-nos em nós mesmos para criar um melhor presente e um futuro mais seguro para todos.
O nosso Governo, o Comité Central da FRELIMO que criou o presente governo e os anteriores desde a independência deveriam, a meu ver, repensar e decidir sobre as questões vitais que se seguem e constituem um sine qua non para nos libertarmos e definitivamente de humilhações, dívidas ocultas, rogar favores, e decidirmos sobre os nossos destinos.
- Comparar os dias de descanso (férias, feriados, pontes…) de Moçambique, com o que se faz nos Estados Unidos, Japão, China, Coreia do Sul e Índia, países muito mais prósperos que o nosso e que contribuem para o nosso orçamento e obras sociais.
- Decidir sobre um horário que assegure o aumento para 44 horas semanais a jornada semanal de trabalho, acabar com pontes e pontecas, reduzir as férias para 15 dias anuais.
- Estabelecer os salários em função do trabalho feito efectivamente a horas e com qualidade. Premiar os que bem agiram.
- Obrigar a Função Pública a trabalhar todo o sábado, passando o descanso para metade das segundas-feiras, assegurando assim que ninguém precise de se ausentar do seu serviço para tratar de um documento essencial para a sua vida, da sua família e filhos.
- Com o mesmo objectivo a Função Pública deveria abrir as portas pelas 09h30 e encerrar pelas 18h00 para que os restantes trabalhadores possam não abandonar o serviço para resolver as suas questões. Em último caso criarem-se turnos na Função Pública.
Certamente que o aqui sugerido carece de muita mobilização da opinião, explicações e demonstrações de que não dispomos de alternativas para sairmos das fossas em que nos encontramos. Excesso de generosidade e boa vontade e carência total de contas.
As medidas impopulares aplicam-se logo a seguir às eleições, antes pode haver muita exploração negativa.
Nada disto exclui que devolvam ao Estado o que se pilhou e perante a Justiça esta decida com base nos factos sobre as penas a aplicar, aos pequenos como aos grandes. O risco de não o fazer implica que o Partido no poder perca o seu lugar, a favor de incompetentes e terroristas, demagogos e aqueles que mais pilharão e afundarão a nossa Pátria Amada.
Repito, pelo progresso e defesa da nossa independência e liberdades a Luta Continua!
P.S Celebramos o Dia de África, a 25 de Maio de 1963 os estados independentes africanos em Addis Abeba decidiram criar a Organização da Unidade Africana, OUA, e consideraram que uma das suas primeiras tarefas situava-se na eliminação do colonialismo e do apartheid.
Diallo Telli, primeiro Secretário-Geral da OUA propôs então a Mondlane em Addis Abeba que ele e a direcção da FRELIMO se instalassem na Etiópia que a OUA iria libertar Moçambique.
A resposta um NÃO bem firme, pois que a tarefa de lutar e libertar a pátria cabia aos moçambicanos dirigidos pela FRELIMO e que jamais daríamos uma procuração para terceiros se sacrificarem por nós.
SV
O PAÍS – 24.05.2016