Renamo não desarma e ataca em diferentes frentes numa altura em que, juntamente com o governo, reforça a comissão mista de preparação do processo negocial ao mais alto nível. Dezenas de feridos em ataques nas províncias de Manica e Sofala entre fim-de-semana e ontem.
Os reforços do governo e da Renamo à comissão mista de diálogo, de preparação para o processo negocial, têm a particularidade de serem constituídos por personalidades com um passado belicista e da secreta.
Isto numa altura em que a polícia em Chimoio e na Beira, apontam dedos acusadores a elementos da Renamo de protagonizarem ataques no troço que liga Tete e Chimoio, que ainda recentemente foi alargada a acção da coluna de veículos automóveis escoltados pela polícia, e nalguns pontos da capital provincial de Sofala.
Em ambos os casos, o registo de dezenas de feridos graves e ligeiros, contra dois óbitos.
É a tentativa de a Renamo armada desviar a atenção da polícia que a organização acusa de estar centrada em bombardeamentos junto aos seus redutos na Serra da Gorongosa, situação que na semana passada levou a agremiação a denunciar e a ameaçar a proliferação de ataques aquí e acolá.
É o que pode estar a acontecer com o anúncio de acções belicistas nos territórios de Manica e Sofala.
Nada, porém, que coloque travão à intensificação de iniciativas que levem, o mais breve possível, ao processo negocial liderado por Nyusi e Dhlakama.
De tal modo que ambos acabam de reforçar a comissão mista, através da indicação, pelo governo, de António Hama Thai, Alfredo Gamito e Edmundo Galiza Matos Júnior, que se juntam a Jacinto Veloso, Maria Benvinda Levi e Alves Muteque.
A Renamo tem em Jeremias Pondeca Munguambe, Leovigildo Buanacassa e Ana Maria Joaquim Inácio, os três novos rostos que se aliam a André Magibire, Eduardo Namburete e José Manteigas.
Numa breve apreciação às duas composições, a ideia de Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama terem optado por indivíduos com um passado de estratégia militar – Hama Thai, chefe de Estado Maior General das Forças Armadas de Moçambique (FAM) numa altura em que a guerra civil dos 16 anos esteve no auge – mas também com experiência na secreta – Jacinto Veloso, que chegou a ser ministro da Segurança no auge da enorme crise militar – igualmente experiência na gestão administrativa, Alfredo Gamito, importante numa altura em que a Renamo reivindica governar seis províncias do centro e norte de Moçambique onde teve maior número de votos nas eleições de Outubro de 2014.
Afonso Dhlakama, por seu turno, mandou chamar Jeremias Pondeca Munguambe, um antigo ‘secreta’ da antiga SNASP que entretanto viria a deixar, conhecido pela liderança de manifestações violentas em plenas sessões plenárias da Assembleia da República, no que viria a constituir uma espécie de teste à capacidade de sofrimento de Joaquim Chissano, presidente da República, único, que resistiu a batucadas e ao ruido ensurdecedor a escassos metros do pódio, enquanto discursava. Leovigildo Buanacassa, André Magibire e José Mateigas, pelo menos estes, têm experiência belicista, com destaque para o Manteigas, com cargos de chefia na guerrilha.
Eduardo Namburete, Edmundo Galiza Matos ou Benvinda Levi e Ana Maria Joaquim
Inácio, são figuras que não tendo um passado belicista aí além, desempenham um papel crucial nos preparativos da documentação que irá subir à apreciação no escalão imediatamente superior antes da aprovação final.
Por isso, esta comissão mista tem a espinhosa tarefa de tecnicamente definir o que será das negociações mediadas internacionalmente.
O governo terá já convidado formalmente a Igreja Católica Romana, o governo da África do Sul (Jacob Zuma) e a União Europeia, para fazerem parte da mediação exigida de forma persistente pela Renamo.
Desarmar e desmilitarizar
Joaquim Chissano, entretanto, sugere que desarmar e desmilitarizar a Renamo não é coisa do outro mundo, lembrando que essa é a principal exigência que o governo vai colocar em cima da mesa durante a negociação.
A Renamo, por seu turno, pretende governar as seis províncias que afirma ter reunido o maior número de votos no escrutínio de 2014, designdamente Manica, Sofala, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa.
Com os assuntos a desfilar sobre a mesa negociar, se esperam cedências de ambas as partes, como mandam as regras em tais eventos.
Chissano, falando à agência Lusa, à margem da Conferência Moçambique-Portugal, em Cascais, admite estar para breve um encontro entre o presidente Filipe Nyusi, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
"Nem é do interesse da Renamo continuar nas matas e a ser vista como um partido não credível, por manter armas de um lado, e paralelamente, membros no Parlamento. Está muitas vezes conotada com terrorismo, etc", sublinha Chissano.
"Creio que a Renamo não está interessada nisso. E o governo, por seu lado, não está interessado em continuar com um país cuja economia se vai novamente tornando uma economia de guerra. Não pode ser. O Estado está interessado em avançar e valorizar mais as conquistas feitas no passado", acrescenta.
Chissano, que se escusa a adiantar pormenores sobre os contactos em curso, e que envolvem também o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirma acreditar que as negociações poderão ter um "desenlace positivo", mas insiste na desmilitarização da Renamo.
"Não é nada do outro mundo. O ponto principal é desarmar a Renamo, desmilitarizar o partido Renamo. Depois, segue o resto, que é toda essa filosofia de reconciliação de que falamos há muito tempo", defende.
Questionado sobre que garantias poderá o governo dar à Renamo numa eventual pós-desmilitarização, Joaquim Chissano defende que a pergunta está "ao contrário".
EXPRESSO – 29.06.2016