Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Uma viagem rápida e avassaladora
Mais um dia comemorativo de Independência Nacional celebra-se sem que haja muito por celebrar.
Guerra, miséria generalizada, riqueza restrita para uma minoria, “libertadores transformados em predadores”, crianças estudando no chão, hospitais sofríveis, relatórios inflamados, justiça hipotecada e controlada pelo poder político não são motivos para que celebre com pompa e circunstância o 25 de Junho.
O vigor dos “libertadores” afunilou-se e das suas ideias anteriores só nos resta a confirmação de que “libertaram-se”, e a maioria continua paupérrima e vivendo só Deus sabe como.
Abundam relatórios, discursos e proclamações “poéticas” clamando que existe desenvolvimento, mas o que se pode ver são processos conducentes ao enriquecimento dos detentores do poder.
O estado deprimente da economia espelha opções que foram tomadas por quem não estava nem está interessado no desenvolvimento endógeno com impactos positivos na vida de milhões de moçambicanos.
Falam tanto de povo, mas, logo em seguida, refugiam-se nas suas mansões construídas através de esquemas quase sempre ilícitos.
São rápidos em dizer que não podemos ter medo de ser ricos, mas, quando se procura saber quem são os ricos do país, são os seus familiares e amigos ou capas em “negócios da China”.
Uma riqueza construída com base no nepotismo, no sistema de “procurement” viciado, na apropriação pura e simples do património do Estado, no crédito bancário politizado tornou-se um cancro que mina a estabilidade social.
Temos guerra civil não declarada por causa do acesso aos recursos.
Porque a impunidade judicial reina, o Parlamento tornou-se campo de disputa discursiva, mas sem dentes para fiscalizar e responsabilizar os predadores dos recursos públicos.
Moçambique, de país cheio de esperanças e pejado de recursos valiosos, vegeta e não arranca, porque os seus políticos profissionais não enxergam que o público é sagrado, e que o privado deve ser construído com engenho, trabalho e dedicação.
Quando a agenda nacional é transformada em agenda privada onde militam os interesses de uma nomenclatura parasita, estão criadas as condições para o insucesso da governação.
Não está tudo mal nem tudo foi mal feito, mas importa que se diga que há muita coisa que não acontece porque os protagonistas da governação guiam-se por preceitos lesa-pátria.
Mesmo que existam diagnósticos profundos e esclarecedores das causas das doenças nacionais, não se encontram terapias adequadas enquanto prevalecer a promiscuidade entre a coisa pública e a coisa privada.
Onde é fácil e aceite que um governante crie empresas privadas que fornecem serviços e bens ao Estado, pagos em tempo recorde, muitas vezes sem a qualidade prevista e contratada, os rombos do erário público são a consequência directa dessa maneira de estar e ser dos titulares dos cargos públicos.
Infelizmente, temos de reconhecer que muito boa e sacrificada gente se bateu por um país diferente, e hoje é confrontada com uma realidade bem diferente do que eram os seus sonhos.
Houve uma viragem completa nos valores que se diziam orientadores.
A moral e ética apregoados aquando da proclamação da Independência desapareceram do mapa.
O comodismo e a produção de esquemas para defraudar o Estado são a moda. Afinal, os “libertadores” trouxeram-nos “cabrito come onde está amarrado” e pouco mais.
Brilham nas passarelas, mas, quando analisados a olho, cheiram esquemas e vivem do enriquecimento ilícito, e não do trabalho.
Vivem rodeados de mordomias e de “vassalos prontos até a lamberem o chão que pisam”, num processo que denota instrumentalização, lavagem cerebral e falta de verticalidade moral e hombridade. Pisam e espezinham, exigem vénias e louvores, como se merecessem alguma coisa. São os ricos que temos, rodeados de milhões de indigentes.
São os que deturpam todos os dias a razão de ser da luta heróica do povo moçambicano pela Independência.
E ainda existem alguns que dizem, à boca cheia, que lutaram e por isso têm o direito de ser ricos.
Os moçambicanos não são ingratos e nem têm problemas em conceder regalias e respeito aos seus libertadores, num processo lógico e natural, em que todo um povo se rende aos que se sacrificaram pela nobre e justa causa da Independência Nacional. Mas isso não equivale a dar-lhes um cheque em branco perpétuo ou a colocar esses compatriotas numa categoria de impunes, semideuses e super-moçambicanos acima de todos e da lei.
As batalhas de hoje são a continuação das de ontem, pois a repressão, a opressão, a injustiça continuam pontificando no país.
Com engenho, coragem, os destemidos moçambicanos vão decerto vencer estas novas batalhas e colocar Moçambique nos carris da PAZ e DESENVOLVIMENTO.
Os moçambicanos merecem muito mais do que discursos de ocasião, como os que devem estar sendo preparados para o dia 25 de Junho de 2016. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 27.06.2016