Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
E nisso não importa o que os críticos digam.
Lembra-se alguém de que as primeiras acções da guerrilha da Renamo foram apelidadas de “banditismo armado”? De acções organizadas pelo regimes racistas da África Austral, RSA, Rodésia? De acções de quem não queria a Independência? De que era essencialmente uma guerra de desestabilização e não uma guerra civil entre compatriotas desavindos?
Lembra-se alguém de que, após uma guerra fratricida de longa duração, chegou-se ao AGP de Roma, que significou o regresso da paz a este martirizado Moçambique?
Lembra-se alguém de que, após hesitações e recuos, o partido-Estado reconheceu que não podia continuar a monopolizar a expressão política? Se não reconheceu com sinceridade, pelo menos do ponto vista formal e constitucional deram-se passos concretos para que se verificassem mudanças importantes.
Os recuos de hoje fazem parte de uma génese de dominação exclusiva da agenda nacional por parte de gente que se supunha especial, “eleita pelos deuses” para governar Moçambique indefinidamente. Esses compatriotas encobertos pelos “louros da vitória” contra o colonialismo português iniciaram um ciclo de supressão planificada dos direitos políticos e económicos dos seus compatriotas, sustentados por uma máquina repressiva disseminada em todas as esferas sociais. Era o Estado policial. E essa maneira de ser e estar ganhou raízes alimentadas pela instrumentalização e doutrinamento de toda uma sociedade.
Lembra-se também alguém de que, aquando dos dias dourados da tentativa de socialismo, apoios multifacetados choviam de Moscovo, da Holanda, dos países nórdicos?
Uns abasteciam Moçambique de armas de todo o tipo, para que as FPLM repelissem e eliminassem a Renamo. Outros enchiam os cofres do Estado com divisas para a realização de planos económicos socializantes, que terminaram em fiasco.
Chamava-se a isso solidariedade socialista e internacionalista. Agentes dos corpos de segurança pública e serviços de inteligência eram prontamente formados em países como Cuba, RDA e outros. Tudo valia para manter no poder os omnipotentes e omnipresentes de ontem.
Como em política há acção e reacção, surgiu a guerra civil, que teve o condão de restituir alguns direitos aos moçambicanos. Tenhamos a honestidade de dizer que algumas coisas foram abolidas, mesmo que tivesse sido a contragosto de alguns: guias de marcha, campos de reeducação, grupos de vigilância, grupos dinamizadores foram retirados do panorama nacional. Se foram substituídos por outras entidades, isso aconteceu sobretudo no consulado de AEG, porque este terá decidido recuperar a sua veia de comissário politico, mesmo sem o aval total dos seus “camaradas”. Logo que se concluiu que AEG queria perpetuar-se no poder, ao estilo de alguns líderes africanos, dentre eles Museveni e Eduardo dos Santos ou ainda Robert Mugabe. As emendas constitucionais que outorgariam mais um mandato presidencial a AEG não ganharam tracção, e, logo que isso aconteceu, uma estratégia diferente foi desenhada. Aqui não cabe nenhuma teoria de conspiração. É simplesmente uma leitura de factos ocorridos: rearmamento rápido da PRM/FADM, ataque a sedes da Renamo. Reacção da Renamo e início das hostilidades dos 18 meses.
Depois chegou-se às eleições de 2014, negociadas em extremo, que foram, desde a homologação dos resultados, seguidas de contestação, primeiro política, e depois da beligerância, até aos dias de hoje.
Se não tem sido a inconclusão na arena militar combinada com o derrube ou golpe com sucesso de AEG ao nível do Comité Central, teríamos a continuação do mandato deste, mais ou menos ao estilo de Putin na Rússia.
Hoje existe oportunidade de repor a verdade e a paz. Há sensibilidades ao nível da Frelimo que se sentem incomodadas pelo estado de coisas. A sociedade civil, embora dividida e dependente, manifesta-se contra a proliferação da incúria e da corrupção aberta.
A oposição parlamentar cresce a olhos vistos. Quanto à oposição militar associada à Renamo, ressurge visivelmente mais forte, ou, pelo menos, consegue êxitos que se devem considerar fruto da sua experiência em guerrilha, que as forças governamentais não podem exibir.
Não estamos em tempo de empate técnico. Estamos em período de tentativa de desgaste mútuo, que terminará com um acordo de cessar-fogo que vai sendo tratado nos corredores.
Há os que esperam pela vitória de um ou outro dos beligerantes, mas não é isso que interessa aos moçambicanos.
Agora que já se manifestam vozes “esclarecidas” sobre a inexistência de empresários moçambicanos e muitos questionam as teses dos politólogos que pululam na praça, é caso para dizer que crescemos, mas também regredimos muito.
Há um movimento de legitimação de um Governo que herdou fardos de dívidas pouco transparentes que significam um estreito campo de manobra. A comunidade doadora de ontem fugiu. O FMI/BM querem esclarecimentos concretos sobre a natureza e objectivos da dívida sufocante contratada pelo Governo do AEG. As simpáticas capitais ocidentais aborreceram-se e não hesitam em cobrar a verdade. É um “ranger de dentes” que nem a finura hipócrita ou o cinismo ou sorriso amarelo conseguem disfarçar.
Não estamos no fundo do poço, mas visivelmente não estamos bem.
Os hábitos ditatoriais de alguns “camaradas” associados a uma cultura de secretismo avassaladora arruinaram o país.
A manifestação recente em Maputo, da sociedade civil, e sobretudo a sua autorização, é mais uma fissura que se abriu. A tampa da panela teima em não abrir, mas os esforços de todo um povo mostram resultados animadores. Haverá sem dúvida quem irá questionar a justeza da manifestação e o seu nível de participação. Há os que não se cansam de cantar a música preferida dos que são contra a democracia.
Já não se atrevem a repetir “apóstolos da desgraça”, mas ainda vêm com a historieta de quem critica o regime não é moçambicano de gema, como se isso existisse.
Quando não têm espaço nos jornais, utilizam as redes sociais para defender os projectos faraónicos de AEG. Compreende-se, comeram daí e enriqueceram. Urge defender as contas bancárias e as mansões que mandaram construir com dinheiros claramente ilícitos, bem ao estilo do “Empodramento” Económico Ilícito defendido e implementado por Jacob Zuma. Se aqui não há Gupta’s, há chineses e portugueses dispostos a montar os esquemas adequados para que os dólares e euros fluam para os bolsos de moçambicanos que se satisfazem com tão pouco.
Adeptos ou não das manifestações ou marchas, temos de reconhecer que foi oportuno que alguém se manifestasse, e, com o FMI à porta vasculhando documentos, teria sido como que suicídio reprimir os manifestantes.
Vale a pena pressionar e abrir o livro de uma corrupção que é cada vez mais conhecida. Claro que os detractores da marcha continuarão a dizer que foi um fracasso e foi trabalho encomendado pela mão externa. Esse é afinal um dos seus argumentos
preferidos. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 22.06.2016